Para sempre, Lulu
O neto chamava-lhe super-heroína, nome que por aqui muitos repetem. A Lucília continua connosco, como podia não continuar? E assim, rumo à eternidade dos tempos, connosco ficará.
A Lucília está connosco, sempre esteve. Não é uma negação da morte (que se impôs, implacável), é um olhar às coisas e aos recantos da casa, aos objectos, às rotinas que se movem agora pelas mãos de outros mas vão mantendo a sua marca. É algo que se nota em pormenores, em coisas de que só nós sabemos o sentido e que tão valiosas são. Por isso ela não é memória, é presença. Hoje mesmo, aqui, olhando em volta e reconhecendo os rastos desse manto de afecto que ela estendeu sobre nós, desinteressadamente, como fazia noutros lugares, fosse na família ou até entre desconhecidos. Como diz Vicente Jorge Silva num depoimento, recordando-a, ela trazia maternidade e fraternidade num só corpo e num só abraço, e, dos jornais que ajudou a fundar (Expresso e PÚBLICO) ou daquele onde se iniciou nas artes e segredos do jornalismo (o Diário Popular, de onde Francisco Pinto Balsemão a desafiou depois para o Expresso), trazia-nos uma sabedoria que a tornava – e torna – única. Por isso, quando se reformou, já pressionada pela doença mas mantendo um porte juvenil e alegre que só a morte, traiçoeira, lhe roubou, ninguém acreditou que ela se tinha ido embora. Olhávamos para as secretárias em roda e alguma havia de ser dela – e era, sempre que nos visitava. E será, mesmo agora. Ou no futuro.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A Lucília está connosco, sempre esteve. Não é uma negação da morte (que se impôs, implacável), é um olhar às coisas e aos recantos da casa, aos objectos, às rotinas que se movem agora pelas mãos de outros mas vão mantendo a sua marca. É algo que se nota em pormenores, em coisas de que só nós sabemos o sentido e que tão valiosas são. Por isso ela não é memória, é presença. Hoje mesmo, aqui, olhando em volta e reconhecendo os rastos desse manto de afecto que ela estendeu sobre nós, desinteressadamente, como fazia noutros lugares, fosse na família ou até entre desconhecidos. Como diz Vicente Jorge Silva num depoimento, recordando-a, ela trazia maternidade e fraternidade num só corpo e num só abraço, e, dos jornais que ajudou a fundar (Expresso e PÚBLICO) ou daquele onde se iniciou nas artes e segredos do jornalismo (o Diário Popular, de onde Francisco Pinto Balsemão a desafiou depois para o Expresso), trazia-nos uma sabedoria que a tornava – e torna – única. Por isso, quando se reformou, já pressionada pela doença mas mantendo um porte juvenil e alegre que só a morte, traiçoeira, lhe roubou, ninguém acreditou que ela se tinha ido embora. Olhávamos para as secretárias em roda e alguma havia de ser dela – e era, sempre que nos visitava. E será, mesmo agora. Ou no futuro.
A presença da Lucília (ou Lu, ou Lulu, como carinhosamente muitos a conheciam) não era negociável, era um facto. Olhar para o Expresso, ou para o PÚBLICO, sem por um momento pensar nela é impossível, era imaginar árvores sem raízes, folhas sem ramos, flores sem caules. Em mil e uma ocasiões ela ajudou a desatar nós, a romper pequenas desinteligências, a dar um rumo sensato a decisões que se insinuavam insensatas. Nos momentos de alegria, de dor, de crises internas, de hecatombes externas, oscilando nós entre a exaltação e a exultação, a sua serenidade firme funcionava como um bálsamo e um corrector benigno. Flores ou doces, de tudo ela tratava, ao compasso de cada ocasião. Celebrámos com ela os melhores momentos, chorámos com ela as perdas humanas destes anos (e são tantas as que vogam ainda, vivas, no turbilhão dos nossos pensamentos). E fazemos agora, com ela, o que ela fez tantas vezes: cuidar do momento de um adeus.
A Lucília gostava de ler obituários. Não por nenhuma curiosidade mórbida, mas pela qualidade da escrita. Lembro-me de muitos que ela elogiou, não por qualquer pieguice em forma de lugar-comum, mas pela elevação e dignidade desses últimos retratos. De resto, era sobretudo nalguma rebeldia e inconformismo que nos irmanávamos. Desde o início do PÚBLICO que ela tinha um pequeno sino, aliás um chocalho, com que por graça “convocava” reuniões de redacção. E esse episódio, sendo do conhecimento estrito de quem o viveu, traz em si muito do que este jornal quis ser, contaminado por uma saudável “loucura” vinda do Expresso: totalmente privado na prática mas público no nome; e reunindo uma redacção insubmissa ao som de um chocalho para rebanhos. Na aparência, dois absurdos. Na prática, uma demonstração daquilo que realmente nos uniu: uma atracção pelo que era novo, desafiador, apaixonante. E em todos esses momentos a Lucília foi um pólo aglutinador, uma personalidade forte, juvenil, determinada. Depois, a provação da doença estendeu-lhe as garras e levou-a a novos patamares de resistência. O neto chamava-lhe super-heroína, nome que por aqui muitos repetem. Porque se sentem dela irmãos, ou filhos, ou eternos amigos. Unidos nessas famílias que se formam para lá das ligadas pelo sangue e que criam, também, laços indestrutíveis. Com a Lucília, ao lado do que dela guardamos (e é tanto), caminharemos sempre rumo ao resto das nossas vidas. Lembrando-lhe os gestos, o sorriso, as flores, os doces das festas, o carinho eterno que dela emanava sem esperar contrapartida ou paga. Ela continua connosco, como podia não continuar? E assim, rumo à eternidade dos tempos, connosco ficará. Para sempre, Lulu.