A Educação lava mais branco
A publicação destes dados exigia-se neste momento? Em termos políticos, acredito que sim. Em termos de correcção técnica, claramente não.
Esta é uma semana em que se vai generalizar a todos os anos de escolaridade, com o apoio das federações sindicais tradicionais, a greve às avaliações do Ensino Básico e Secundário, em decurso desde dia 4 de Junho por iniciativa do recente Sindicato de Todos os Professores. Como é infelizmente hábito, este tem sido um período em que, de súbito, surgem imensos dados e informações estatísticas sobre o estado da Educação, em regra para a apresentar sob uma luz negativa.
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Esta é uma semana em que se vai generalizar a todos os anos de escolaridade, com o apoio das federações sindicais tradicionais, a greve às avaliações do Ensino Básico e Secundário, em decurso desde dia 4 de Junho por iniciativa do recente Sindicato de Todos os Professores. Como é infelizmente hábito, este tem sido um período em que, de súbito, surgem imensos dados e informações estatísticas sobre o estado da Educação, em regra para a apresentar sob uma luz negativa.
Um caso recente foi o de um estudo da OCDE (A Broken Social Elevator? How to Promote Social Mobility) que, ao analisar a situação de pobreza endémica de grande parte da população, permitiu a alguns analistas estabelecer a relação dessa situação com um eventual falhanço da Educação, por existir em nós um défice de qualificações que seria um factor de bloqueio ao tradicional papel de “elevador social” dessa mesma Educação. Para além de esta leitura estar desactualizada, em virtude do que se vai sabendo há já alguns anos sobre a incapacidade do aumento de qualificações reduzir a desigualdade económica (um exemplo, entre muitos, contrário ao que parece óbvio, é o estudo de 2005, Does Education Promote Social Mobility?, de Cristina Iannelli and Lindsay Paterson para o caso da Escócia), ela simplifica demasiado as variáveis envolvidas no fenómeno da mobilidade social, desde logo o facto da própria origem socioeconómica limitar as oportunidades dos filhos de pais de classes desfavorecidas, mesmo que a sua escolaridade seja mais prolongada do que a da geração anterior.
Não é o aumento da escolarização dos indivíduos que, por si só, cria empregos com melhores condições em termos de remuneração e carreira. A relação entre Educação e Economia não é, desde o início da sociedade industrial, de sentido único. Pessoas com mais habilitações só podem beneficiar verdadeiramente disso se o mercado de trabalho permitir absorvê-las em posições compatíveis. E o que se tem passado em Portugal na última década? Algo bem diverso, com a necessidade de emigrar de jovens bastante qualificados ou de empregos precários muito abaixo do que seriam as suas justas expectativas.
Mas há mais uma coisa que passou ao lado de quem analisou os dados de forma apressada ou parcelar: a posição de Portugal nesse estudo não é muito inferior à média dos países da OCDE que foram analisados e está em linha com o que se passa em países como a Irlanda, a Itália, a França, a Grã-Bretanha, a Suíça, os Estados Unidos e Coreia do Sul, em que a pobreza também se replica por cinco gerações (na OCDE a média é 4,5), ou mesmo acima do que se passa com a Alemanha (seis gerações). Sendo que alguns destes países são apresentados com níveis de qualificação da população muito acima da portuguesa. Ou seja, o problema não está na situação nacional, mas na forma como a Educação perdeu mesmo a sua capacidade de promover a mobilidade ascendente.
Outras estatísticas que apareceram por estes dias foram as providenciadas pela DGEEC sobre o número de alunos e professores no sistema educativo. De acordo com alguns quadros, que parecem manifestamente apressados, sobre o ano lectivo de 2016/17, apresenta-se uma redução do número de alunos em contraponto ao número de professores. Algo que até pode ser real, mas que, em relação ao número de docentes, peca por não desagregar os dados dos professores dos quadros entre os que estão em exercício e os que estão de baixa médica e, entre os contratados, aqueles que têm horário incompleto ou que necessitaram de vários contratos para completar esse horário. No primeiro caso, podemos ter muitos milhares de “professores” contabilizados duplamente (o de baixa médica e o seu substituto) e no segundo caso o mesmo docente a ser contado várias vezes, tantas quantos os contratos que fez ao longo do ano. Se a publicação destes dados se exigia neste momento? Em termos políticos, acredito que sim. Em termos de correcção técnica, claramente não.
Por fim, apesar dos discursos que procuraram assustar os professores contra a Iniciativa Legislativa de Cidadãos para recuperar todo o tempo de serviço docente, alegando que ela poderia abrir a porta para reacções revanchistas de alguns partidos em sede parlamentar, verificou-se que isso aconteceu ainda na fase negocial com os sindicatos e que a Iniciativa ultrapassou as 20.000 assinaturas exigidas para ser discutida muito tempo antes do prazo estipulado. Agora será uma oportunidade excelente para se clarificarem as posições sobre este assunto, em tempo útil, anterior à campanha eleitoral.