Sim a uma nova carreira universitária
Temos juventude nas universidades, mas elas continuam envelhecidas. Corremos o risco de estar a alimentar um processo de seleção negativa para o nosso futuro.
No ensino universitário vivemos ainda, no essencial, com uma carreira docente desenhada em 1979 (no Governo Pintassilgo) para um sistema universitário que pouco tem de comum com o dos dias de hoje. Se foi na sua época um instrumento de modernização, rejuvenescimento e dinamização das nossas instituições, há muito que se tornou num empecilho ao seu crescimento qualitativo. No PÚBLICO do passado dia 9 de junho, o reitor Cruz Serra abre caminho defendendo um novo estatuto de carreira universitária para docentes-investigadores onde os melhores possam progredir internamente (sem concurso externo aberto).
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No ensino universitário vivemos ainda, no essencial, com uma carreira docente desenhada em 1979 (no Governo Pintassilgo) para um sistema universitário que pouco tem de comum com o dos dias de hoje. Se foi na sua época um instrumento de modernização, rejuvenescimento e dinamização das nossas instituições, há muito que se tornou num empecilho ao seu crescimento qualitativo. No PÚBLICO do passado dia 9 de junho, o reitor Cruz Serra abre caminho defendendo um novo estatuto de carreira universitária para docentes-investigadores onde os melhores possam progredir internamente (sem concurso externo aberto).
As nossas universidades têm um rácio docente-discente igual à média da OCDE e da UE e, no entanto, os docentes têm uma carga docente semanal muito mais alta do que os colegas de outros países enquanto ativos na investigação. O corpo docente está em geral envelhecido pela simples razão de que as universidades tiveram um crescimento exponencial ao longo de muitas décadas até ao fim do século e o ritmo de crescimento atingiu um máximo (de cerca de 14% ao ano!) na década dourada de 1985-1995 para parar subitamente de seguida. São os docentes admitidos nessa época que hoje dão o ar grisalho dos nossos conselhos científicos e clamam por uma renovação geracional que a biologia forçará em breve. No entretanto, esta renovação tem ocorrido no setor da investigação, que cresceu mais tarde, e os nossos departamentos mais ativos têm hoje um corpo de investigadores mais jovens que por vezes mais do que triplica o corpo de docentes ao serviço. Só que não conseguimos ainda criar um estatuto estável que dê a estes a autonomia intelectual necessária para mostrarem toda a sua criatividade. Bolsas pós-doutoramento ou contratos com limite temporal mantêm-nos dependentes dos corpos docentes (envelhecidos), não incentivando a criatividade e o risco que vai esmorecendo por determinismo biológico. Temos juventude nas universidades, mas elas continuam envelhecidas. Acresce que muitos, e poderão ser os mais dinâmicos, não se conformam com esta realidade e procuram noutras paragens o que não conseguimos oferecer-lhes aqui. Corremos o risco de estar a alimentar um processo de seleção negativa para o nosso futuro.
O sistema de concursos agrava o envelhecimento e não estimula a sã competição para selecionar os mais promissores para o futuro. A compressão orçamental dos últimos 20 anos levou todas as universidades a fecharem-se ainda mais, agravando o caseirismo (inbreeding) que já era endémico. A justificação é muito simples e compreensível. Pelo custo da admissão de um candidato externo, podemos “promover“ muitos candidatos da casa. Para além disso, se num concurso para professor associado ou catedrático for escolhido um candidato da casa, satisfazemos a “legítima expectativa” de um dos nossos. E, em regra, escolhemos um dos mais velhos porque já acumulou maior volume de trabalho e “deu mais” à universidade. A exclusão de alguém mais jovem é sempre explicável por comportar algum risco: ainda não terá provado totalmente a sua competência... Mas é assim que excluímos o melhor potencial. Não corremos o risco, mas não teremos o benefício da maior juventude e da possível explosão de um potencial ainda apenas sugerido. Beneficiam aqueles que acumulam mais trabalho (e alguns favores aos mais velhos) e só serão promovidos quando estiverem exangues e estiver assegurado que não vão querer pisar terreno desconhecido.
Desde 2007 que os concursos para reitor universitário são abertos urbi et orbi mas não há notícia de algum estrangeiro ter ultrapassado os méritos dos concorrentes nacionais, nem sequer um candidato “de fora” ter ganho aos da casa (nas universidades presenciais). Não é muito diferente nos concursos para posições docentes. Os lugares são muitas vezes abertos apenas quando alguém da casa bateu à porta do reitor e poucos candidatos externos se prestam ao provável vexame de uma avaliação caseira, mesmo com júris maioritariamente externos (mas escolhidos pelos internos). Temos de assumir esta realidade sem rodeios para decidir se há maneiras de melhorar o sistema, garantindo que as nossas universidades recrutam de facto os mais promissores, internos ou externos, nacionais ou estrangeiros. Outras universidades buscam desesperadamente os melhores. Não é expectável que em Portugal os melhores sejam quase sempre os da casa. No desporto não é assim. Será na Ciência?
Como é sugerido por Cruz Serra, a solução poderá passar por um novo estatuto de carreira universitária para docentes-investigadores, mas precisamos também de um modelo de financiamento das universidades com duas vias, uma para o ensino e outra para a investigação. Uma proporcionada aos serviços docentes prestados ou encomendados e outra proporcionada aos serviços de investigação. Depois de um esforço para criar uma fórmula de financiamento ainda no século passado, o pântano, primeiro político e depois orçamental, tem dificultado um planeamento de médio prazo, embora pareça haver também algum conforto com a negociação privada de favores públicos. Precisaríamos de uma fórmula transparente e consensual de financiamento em que a componente de ensino herdasse (e corrigisse) a realidade atual e onde acrescentássemos uma nova componente que absorvesse o que hoje é canalizado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) para bolsas e salários de investigadores e os meios para o seu trabalho. Naturalmente que teríamos de dispor de uma avaliação dos resultados da investigação em cada universidade para depois definirmos o programa plurianual a financiar. Mas é já tempo de abandonarmos uma organização do sistema científico universitário que vem de um tempo em que nenhum reitor (nem os órgãos internos de governo) se preocupava com essa faceta da vida da sua instituição.
Uma última questão importante é saber se esta reforma poderá ser autorizada pelo ministro da Finanças... Se pode fazer-se sem o aumento (que seria bem justificado por qualquer comparação internacional) do financiamento público, sabendo que a investigação cresceu à sombra dos fundos comunitários e ainda depende doentiamente dessa fonte. A resposta é sim! O ministro das Finanças terá, mais tarde ou mais cedo, de avaliar o mérito dos serviços de educação superior no quadro das várias pressões orçamentais, mas não por causa desta reforma do financiamento. A FCT precisa certamente duma grandíssima reforma e precisa de se libertar da gestão corrente de todos os fluxos financeiros dando maior responsabilidade às universidades. Hoje todos os reitores e os órgãos de governo sabem que esta é uma componente primeira da sua atividade.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico