Colômbia prepara-se para enterrar herança de Santos
O conservador Iván Duque, protegido de Uribe, parte com forte vantagem sobre o candidato da esquerda, Gustavo Petro. Acordo de paz com as FARC em risco.
Independentemente do desfecho da segunda volta das eleições presidenciais colombianas deste domingo, o país vai conhecer profundas alterações nos próximos anos. Frente a frente estão dois candidatos com visões completamente opostas da economia e da segurança interna.
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Independentemente do desfecho da segunda volta das eleições presidenciais colombianas deste domingo, o país vai conhecer profundas alterações nos próximos anos. Frente a frente estão dois candidatos com visões completamente opostas da economia e da segurança interna.
As sondagens atribuem uma vantagem considerável ao conservador Iván Duque, que está bem colocado para suceder a Juan Manuel Santos. Uma vitória de Duque – que enfrenta a oposição do ex-autarca de Bogotá e antigo guerrilheiro, Gustavo Petro – representa sobretudo o regresso das políticas do ex-Presidente Álvaro Uribe e, muito provavelmente, o enterro do legado de Santos.
Quando ainda não era conhecido o candidato do Centro Democrático, nas ruas de Medelín começaram a aparecer cartazes com a frase “que seja quem Uribe escolha”. Estamos no bastião do ex-Presidente que governou entre 2002 e 2010, tornando-se uma personagem marcante das últimas décadas na política colombiana, sobre a qual subsistem as opiniões mais díspares. A sua proximidade a Duque, com alguns críticos a qualificarem o candidato como uma mera “marioneta”, transformou a escolha do próximo Presidente numa hipótese de regresso de Uribe e das suas políticas.
O próprio Duque não afasta essa proximidade. “Eu serei Presidente e Uribe será o líder da bancada do Governo no Senado para nos ajudar a fazer avançar a nossa agenda. Esse trabalho em equipa vai servir muito a Colômbia”, afirmou o candidato ainda antes da primeira volta.
O apoio de Uribe a Duque garante ao candidato uma massa de eleitores fiéis – os uribistas – sobretudo na região de Antioquia e em Medelin, a segunda maior cidade do país. Trata-se de um sector muito conservador da sociedade e crítico do acordo de paz alcançado em 2016 para pôr fim ao conflito com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), que o considera muito tolerante em relação aos ex-guerrilheiros.
Nobel da Paz
Este sentimento ficou bem expresso no referendo que, no final de 2016, em que o texto do acordo foi rejeitado. Para que a oportunidade não ficasse totalmente perdida, foram feitas pequenas alterações, mas o descontentamento permaneceu e nem a atribuição do Prémio Nobel da Paz a Juan Manuel Santos o mitigou. A provável eleição de Duque é produto dessa situação.
Apesar de ter passado a campanha a criticar o acordo, especialmente a amnistia concedida aos ex-guerrilheiros, não é claro o que quer Duque fazer se chegar ao poder. O candidato garantiu não pretender rasgar o documento, mas fala em promover “alterações”, que podem passar pelo endurecimento das sanções impostas a alguns ex-dirigentes das FARC e limitações à sua participação política. “Uma vitória de Duque não significa o fim do acordo de paz, mas pode fazer com que seja reduzido ao mínimo”, diz à Reuters o analista Yann Basset.
A defesa de uma linha dura contra os grupos guerrilheiros faz com que Uribe seja ainda muito popular junto de parte da sociedade colombiana, mas é também aquilo que o torna odiado por todos os outros. Na memória está a campanha militar muito violenta que levou a cabo contra as FARC e contra o tráfico de droga que, pelo caminho, deixou milhares de mortos, muitos dos quais civis, e destruiu comunidades. O receio agora é de um regresso a estes dias.
“Nós, as vítimas, lembramo-nos da guerra porque a vivemos”, diz ao Guardian Marina Galeano, que está à frente de um grupo de mulheres que perderam familiares durante a ofensiva de Uribe. “Um voto em Duque é o mesmo que votar em Uribe e isso significa mais guerra”, afirma.
Mas uma vitória do seu rival também desperta receios, embora de outro tipo. O seu programa de esquerda tem sido utilizado pela oposição como arma de arremesso, tendo-se tornado comum a ideia de que Petro pretende aplicar o modelo do “socialismo bolivariano” da Venezuela na Colômbia, onde nos últimos meses têm chegado milhares de refugiados que fogem à fome e à pobreza no país vizinho.
Contra si, Petro tem também a má folha de serviço como autarca de Bogotá, tendo chegado a ser destituído na sequência de um escândalo relacionado com a recolha do lixo urbano.