Aeroporto no Montijo obriga a expropriações de terrenos
Estudo de impacte ambiental ligado à nova infra-estrutura está prestes a entrar em processo de consulta pública.
A construção do aeroporto complementar do Montijo vai implicar expropriações de propriedades detidas por particulares, não obstante estar previsto que a nova infra-estrutura ocupe parte do espaço hoje preenchido pela Base Aérea n.º 6.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A construção do aeroporto complementar do Montijo vai implicar expropriações de propriedades detidas por particulares, não obstante estar previsto que a nova infra-estrutura ocupe parte do espaço hoje preenchido pela Base Aérea n.º 6.
Isto porque, de acordo com o resumo não técnico do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) que o PÚBLICO consultou, o aeroporto requer um novo acesso à A12, o que conduz à necessidade de “expropriações de propriedades particulares que serão afectadas, com a respectiva indemnização dos proprietários”. Esta nova ligação abrange também uma zona do concelho de Alcochete, além do Montijo, ao longo de 3,7 quilómetros, “maioritariamente em aterro”.
Da área do acesso rodoviário à A12, há cerca de 30% que intersecta solos classificados como Reserva Agrícola Nacional (14,4 hectares). Numa parte do EIA, explicita-se que a área onde se prevê a construção dos novos acessos “sobrepõe-se a área de REN [Reserva Ecológica Nacional] e RAN, onde a construção de infra-estruturas públicas rodoviárias pode realizar-se apenas quando não exista alternativa viável fora dos solos da RAN, devendo para tal a acção ser reconhecida como de relevante interesse público”.
O PÚBLICO enviou várias questões à ANA, empresa que gere os aeroportos em Portugal em regime de concessão e que encomendou o EIA, nomeadamente sobre o número de proprietários afectados, áreas e valores em causa, tendo esta remetido para o concedente - o Ministério do Planeamento e Infra-estruturas. Este, por seu lado, respondeu apenas que “o dossier do aeroporto complementar do Montijo enquadra-se na negociação, em curso, relativa ao contrato de concessão da ANA, pelo que seriam extemporâneos quaisquer comentários sobre essa matéria”.
Atraso provoca perda de milhões
O EIA, feito pela empresa Profico, está prestes a entrar em processo de consulta pública, e precisa ainda do aval da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), passos fundamentais para que o aeroporto complementar ao da Portela, em Lisboa, possa ser uma realidade no Montijo. A ideia da ANA, e do Governo, é a de que a nova infra-estrutura entre em funcionamento em 2022.
No estudo encomendado pela ANA (detida pelos franceses da Vinci), afirma-se que o crescimento acentuado de passageiros no aeroporto de Lisboa “antecipou em mais de dez anos as estimativas iniciais de evolução da procura” e “acelerou o processo de saturação” do aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa.
A opção do Montijo surge como uma “resposta rápida, com possibilidade de oferta para largos anos” (podendo ir além de 2062), isto na “impossibilidade ou na ausência de condições objectivas para a realização do projecto do novo aeroporto de Lisboa no Campo de Tiro de Alcochete” (que surge assim na dianteira enquanto projecto de raiz, não se mencionando outras opções, como a OTA).
De acordo com a análise, a expansão da capacidade aeroportuária da capital é “do absoluto interesse público e da máxima urgência”, argumentando-se que “o mero adiamento de um ano” na entrada em serviço do novo aeroporto “tem um impacto estimado de 600 milhões de euros de perda de receitas, só no sector do turismo”.
Pista prolongada
Um dos factores que vai causar um impacto negativo na zona é a extensão da pista 01/19, que a ANA quer aproveitar da BA6. Existem três soluções, e a preferida é a primeira, com recurso à construção de um aterro, por questões operacionais e de custo, mas esta é também a que “acarretará maiores impactes negativos” do ponto de vista ambiental. O movimento de terras, diz o estudo, vai “alterar de modo expressivo a geomorfologia da linha litoral do estuário”.
Embora não sejam identificados neste EIA danos que façam a empresa colocar em causa a construção do novo aeroporto, há vários outros impactes negativos identificados, uns relacionados com a flora e a fauna, e outros com a saúde humana. Nos vários casos identificados, a empresa assume propostas de minimização e monitorização dos aspectos negativos.
No que diz respeito à fauna, o EIA refere que a fase de exploração do aeroporto acarreta “impactes negativos significativos” para as aves e morcegos. “A significância deste impacte tem alguma incerteza associada ao facto de não ser conhecida a proporção de movimentos de avifauna afectados pelo futuro tráfego de aeronaves, nem as consequências da perturbação a estes associados”, diz o EIA. A zona da actual BA6, estando localizada no estuário do Tejo, tem uma “taxa de movimentos de aves muito significativa”, com 45 espécies de aves a apresentar estatuto de protecção, tal como mais 19 vertebrados.
Entre outras medidas de monitorização, propõe-se efectuar o acompanhamento do “efeito de perturbação das aeronaves sobre as aves na área classificada do estuário do Tejo” e da “mortalidade da fauna”. Devido ao risco de colisão com aves, há também diversas propostas, desde um sistema de radar até ao recurso à falcoaria, passando pela reprodução de sons de predadores e pelo controlo de alimentos disponíveis na área em causa (como resíduos de pesca, que atraem as gaivotas).
Impactos sonoros
Ao nível da saúde humana, um aspecto relevante é o do ruído. Com um arranque previsto de 46 mil movimentos de aeronaves/ano, e 7,8 milhões de passageiros, os limites acústicos legais serão ultrapassados com o novo aeroporto (em grande parte porque já são elevados, refere o estudo) em quatro locais, dos quais três são escolas e outro uma unidade de saúde, que serão alvo de medidas de minimização do impacte negativo.
Com uma área de estudo ligada aos sobrevoos que implica cerca de 54.700 residentes, o EIA estima, ao nível do ruído, que 29 a 55% poderão revelar “elevada incomodidade”, com efeitos na saúde. Neste caso, propõe-se que entidades como a Direcção Geral de Saúde “realizem um acompanhamento do número de consultas efectuadas a especialidades relacionadas com a componente auditiva e respiratória,” após o arranque o aeroporto, “de modo a permitir a comparação dos resultados com os relativos à situação actual, identificando ainda as causas potenciais dos problemas detectados”.
No início de Maio, quando o Jornal de Negócios noticiou que o EIA não era impeditivo da construção do novo aeroporto, a associação ambientalista Zero sublinhou que iria pedir a “intervenção da Comissão Europeia e da justiça em Portugal” no sentido de se avançar com uma Avaliação Ambiental Estratégica (mais complexa do que o EIA) e que tinha “fortes dúvidas relativamente aos impactes do ruído sobre as populações, conservação da natureza face à proximidade do Estuário do Tejo, bem como os riscos para as aeronaves”.
Por parte da ANA, fonte oficial diz que o EIA “trouxe boas notícias relativamente à exequibilidade do projecto”. “Em todas as dimensões impactadas existem medidas de mitigação que respondem aos desafios colocados. Esse é o trabalho que será feito no futuro, com os stakeholders que vierem a ser envolvidos”, refere a empresa.