Desconcertação: o preço de uma “geringonça”
Tentando gerir o ciclo político em geometria variável, entre a Concertação, a sua maioria e o novo PSD, o Governo arrisca-se a perder mais um acordo em que apostava para conquistar a confiança dos empresários.
Há uma velha ideia de Mário Centeno que já quase pertence à memória dos livros. Foi escrita em 2012, quando ainda estava no Banco de Portugal, a meias com o homem que hoje é seu secretário de Estado, Álvaro Novo. O que o agora ministro das Finanças propunha era a criação de uma nova figura na legislação laboral, chamada “despedimento conciliatório”.
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Há uma velha ideia de Mário Centeno que já quase pertence à memória dos livros. Foi escrita em 2012, quando ainda estava no Banco de Portugal, a meias com o homem que hoje é seu secretário de Estado, Álvaro Novo. O que o agora ministro das Finanças propunha era a criação de uma nova figura na legislação laboral, chamada “despedimento conciliatório”.
Na prática, tratava-se de “um procedimento conciliatório e voluntário, que [regularia] os passos e formalidades para a cessação” de novos contrato de trabalho – tendo como compensação um aumento das indemnizações por rescisão de contrato de trabalho. Na base da proposta estava uma tese: a de que o mercado laboral português está partido em dois grupos: o dos trabalhadores que têm contrato sem termo e elevada protecção no emprego; e os trabalhadores que dificilmente conseguem sair do ciclo de contratos a termo intercalados com períodos de desemprego. A proposta teria, assim, como objectivo reduzir esta segmentação, aumentar a eficiência do mercado de trabalho e combater a sua injustiça.
Esta proposta, talvez se recorde, chegou ao programa eleitoral do PS. Mas foi uma das que caíram nas negociações com o Bloco de Esquerda e PCP. O preço a pagar, na perspectiva de Mário Centeno, pela formação da “geringonça”. No acordo, o que ficou é, de certa forma, a antítese disto: a criação de um grupo de trabalho com o Bloco que estudaria medidas para melhor proteger e integrar quem está a recibos verdes, sem contrapartida que permitisse dar maior flexibilidade ao mercado.
As negociações duraram, mas chegaram a um fim – dando cumprimento a um acordo. Mas o Governo prometeu levá-las à Concertação Social e, sem nada dizer ao Bloco, negociou com os patrões algumas medidas que compensam as empresas pela rigidez adicional que seria introduzida no mercado. Conseguiu o acordo de Concertação – que será assinado na segunda-feira. O que já é mais improvável é que esse acordo seja validado pelo Parlamento – porque o BE e PCP são contra e porque Rui Rio, talvez condicionado por uma bancada cheia de passado lá dentro, não dará o acordo, por exemplo, à extensão do período experimental, o prémio que os patrões pediram para aceitar menor recurso a trabalhadores a prazo.
Tentando gerir o ciclo político em geometria variável, entre a Concertação, a sua maioria e o novo PSD, o Governo arrisca-se a perder mais um acordo em que apostava para conquistar a confiança dos empresários. Resta saber se não é isso que Centeno e Costa preferem: mostrar aos agentes económicos que o melhor, o melhor era governar em maioria. Aí, talvez a proposta fosse beber a 2012.