Paulo Pedroso, 15 anos depois
A decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a favor de Paulo Pedroso é tudo menos uma mera formalidade processual.
Em 2003, Paulo Pedroso era deputado e uma estrela ascendente na vida política portuguesa. Muitos antecipavam-lhe um futuro luminoso. Acusado de pedofilia e preso preventivamente durante cinco meses sem chegar a receber uma acusação concreta — o “quem, quê, quando e onde” da suspeita —, acabou por ser libertado. Afinal, não havia provas suficientes para o levar a tribunal. Afinal, havia “dúvidas sérias” (palavras da juíza) sobre se era a pessoa identificada pelos jovens da Casa Pia.
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Em 2003, Paulo Pedroso era deputado e uma estrela ascendente na vida política portuguesa. Muitos antecipavam-lhe um futuro luminoso. Acusado de pedofilia e preso preventivamente durante cinco meses sem chegar a receber uma acusação concreta — o “quem, quê, quando e onde” da suspeita —, acabou por ser libertado. Afinal, não havia provas suficientes para o levar a tribunal. Afinal, havia “dúvidas sérias” (palavras da juíza) sobre se era a pessoa identificada pelos jovens da Casa Pia.
Paulo Pedroso desapareceu e, apercebi-me agora, começou a trabalhar para o Banco Mundial, em Washington, há dois meses, depois de ter estado anos a desenvolver projectos na Europa de Leste. Fala-se com qualquer pessoa e a resposta é igual: “Politicamente, é um homem morto.”
Esta terça-feira, ao ler que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu a favor de Paulo Pedroso, parei em duas frases. A primeira — a itálico e a fechar a notícia do PÚBLICO —, diz da crueldade humana: “Devido ao elevado número de comentários inapropriados nesta notícia, não estamos a permitir comentários.” Perguntei o que se tinha passado a um colega com anos de experiência como editor do site. Resposta: bastaram cinco minutos para perceber que o melhor seria fechar a caixa de comentários, seguindo as boas práticas internacionais. Vinha a caminho um chorrilho de falta de civismo.
A segunda frase diz da escuridão — ou falta de luz — com que ainda olhamos para a justiça. A frase é esta: “Esta vitória do doutor Paulo Pedroso acaba por se dever a questões processuais.” É mais provável encontrar leitores a usar as caixas de comentários para despejar uma alarvidade do que haver bom tempo em Fevereiro (com muitíssimo honrosas excepções). Mas ver um advogado a menosprezar o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos desta forma pública é, diria, ainda mais raro. Felizmente.
A frase é de Pedro Namora, ex-casapiano e figura central na denúncia dos abusos sexuais dos menores da Casa Pia. É difícil imaginar um crime mais hediondo. Não é preciso ser mãe de três filhos para pensar assim. Mas defender que a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a favor de Paulo Pedroso é uma questão puramente processual é tentar esconder o sol com a peneira.
A decisão a favor de Pedroso é tudo menos uma mera formalidade. Na primeira linha, o tribunal diz logo ao que vem: o Estado português violou o direito à liberdade de Paulo Pedroso. Não me lembro de ter lido na Constituição portuguesa que as liberdades dos cidadãos são “questões processuais”. A decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos é pedagógica. Em 50 páginas de inglês claro (Fernandes Pedroso versus Portugal, processo 59133/11), os juízes europeus dizem a Portugal: a vossa prática não cumpre os mínimos, vocês prendem os cidadãos sem provas e prendem-nos sem lhes dizerem do que, exactamente, são acusados. E podemos acrescentar: contrariando os princípios do Estado de Direito e mostrando um despudor absoluto na observância de direitos fundamentais estabelecidos na Constituição. Há um ano e meio, quando li o colossal (1000 páginas!) 40 anos de políticas de Justiça em Portugal, um levantamento ambicioso com organização de Maria de Lurdes Rodrigues, Nuno Garoupa, Pedro Magalhães, Conceição Gomes e Rui Guerra Fonseca (Almedina, 2017), tropecei no texto de José António Pinto Ribeiro, onde o jurista e fundador do Fórum Justiça e Liberdades critica frontalmente alguns atropelos à Constituição, com destaque para o facto de o Ministério Público considerar que os dez dias previstos na lei para formular uma acusação contra um preso preventivo não são um prazo “vinculativo” — é a lei, mas não é vinculativo.
Agora que Paulo Pedroso vê o ciclo fechar-se, fico a pensar no ensinamento de um conhecedor profundo do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, Francisco Teixeira da Mota: “A Europa faz um upgrade da nossa realidade.” Achar que a decisão é meramente processual, como se se tratasse de uma technicality engenhosa, um prazo que prescreveu, uma vírgula que está torta, é não ver que bons ventos europeus sopram na nossa direcção. A mensagem é clara: se é para prender e para manter uma pessoa na prisão, pensem duas vezes e, please, tenham uma folha A4 com o bê-á-bá da acusação.