Vem aí o Festival de Almada (mas não o imaginado há seis meses)

Depois de superada a ameaça sobre a 35.ª edição, o Festival de Almada vai mesmo ter lugar, de 4 a 18 Julho. E foi anunciado por Inês de Medeiros o início de conversações com a Secretaria de Estado da Cultura que possa garantir a sua viabilização futura.

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Esta sexta-feira, na apresentação à imprensa da 35.ª edição do Festival de Almada, havia uma expectativa especial centrada nos discursos que ocupariam a mesa, tendo em conta a redução substancial (110 mil euros anuais) de que a Companhia de Teatro de Almada (CTA), entidade promotora do certame, foi alvo no recente anúncio dos resultados definitivos do programa de apoio da Direcção-Geral das Artes para os próximos quatro anos. E foi assim que, no encerramento da sessão, a presidente da Câmara de Almada, Inês de Medeiros, realçou o facto de o município não poder “fugir a acorrer de forma excepcional” com a atribuição de uma verba extraordinária, ao mesmo tempo que afirmou que “o Estado Central não se pode demitir” de reconhecer aquele que, de forma consensual, é tido como o mais importante festival de teatro do país.

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Esta sexta-feira, na apresentação à imprensa da 35.ª edição do Festival de Almada, havia uma expectativa especial centrada nos discursos que ocupariam a mesa, tendo em conta a redução substancial (110 mil euros anuais) de que a Companhia de Teatro de Almada (CTA), entidade promotora do certame, foi alvo no recente anúncio dos resultados definitivos do programa de apoio da Direcção-Geral das Artes para os próximos quatro anos. E foi assim que, no encerramento da sessão, a presidente da Câmara de Almada, Inês de Medeiros, realçou o facto de o município não poder “fugir a acorrer de forma excepcional” com a atribuição de uma verba extraordinária, ao mesmo tempo que afirmou que “o Estado Central não se pode demitir” de reconhecer aquele que, de forma consensual, é tido como o mais importante festival de teatro do país.

O texto assinado pela presidente da Câmara de Almada incluído no programa desta edição — que decorre de 4 a 18 de Julho —, acusa o corte no financiamento da companhia de ser “tanto mais incompreensível e absurdo" pois "surge a poucos meses da abertura do festival, comprometendo assim parte da sua programação”. Essa mesma ideia é confirmada ao PÚBLICO por Rodrigo Francisco. “Este não é o festival que tínhamos imaginado”, reconhece. “Não contávamos com o que aconteceu este ano no concurso da DGArtes. Nada fazia prever isto.”

Inês de Medeiros havia, no entanto, de revelar no seu discurso que estarão a ser encetadas conversações com a secretaria de Estado da Cultura para a questão ser resolvida atempadamente nos próximos anos. Ao PÚBLICO declarou em seguida que o objectivo é ver reconhecido “o festival enquanto acontecimento único e estruturante do país”. No seu entender, não se trata de abrir um regime de excepção para o Festival de Almada, mas sim de “resolver uma questão pontual” que possa contribuir para a abertura de uma “reflexão sobre os grandes eventos culturais do país”, valorizando “a sua importância estratégica para o desenvolvimento, a promoção, a internacionalização, a renovação de todo o nosso tecido cultural”.

Diferente do imaginado

Se este não é o Festival de Almada que Rodrigo Francisco e a sua equipa tinham imaginado no final de 2017, uma das grandes diferenças entre o sonhado e o concretizado — numa edição que esteve em risco de não se realizar, não fosse a intervenção da Câmara de Almada “à última hora” — prende-se com “aquela que tem sido uma das linhas distintivas do festival, a de dar oportunidade ao público português de, em Julho, ter aqui companhias de referência a nível mundial”, comenta o seu director.

Quer isto dizer que este ano não há Berliner Ensemble nem Schaubühne, não há Piccolo Teatro nem Odéon; não há Peter Brook nem Peter Stein, não há Thomas Ostermeier nem Katie Mitchell. Todos companhias e criadores que têm engrandecido a história do Festival de Almada. “Agora”, ressalva o director do festival e da Companhia de Teatro de Almada, “o facto de nenhuma dessas companhias estar presente não quer dizer que a programação seja má; apenas é diferente daquilo que tínhamos imaginado.”

Como trunfos, Francisco saca da manga o exemplo de dois encenadores que, acredita, “vão ser certamente, e a breve trecho, dois grandes nomes do teatro europeu”. Jean Bellorini apresenta a 9 e 10, no Teatro Municipal Joaquim Benite, Liliom ou a Vida e a Morte de Um Vagabundo, texto de Ferenc Molnár. Estreado em 2013, Liliom é o espectáculo de maior circulação de um autor em plena afirmação, cujo percurso inclui já criações para o Berliner Ensemble e para o Festival de Avignon. David Marton leva até à mesma sala, a 17 e 18, a sua versão para a ópera La Sonambula, de Bellini, numa obra de teatro musical que lhe tem valido comparações ao seu mestre Christoph Marthaler.

São duas apostas em novos criadores num ano em que o Festival de Almada assume o corte com as apresentações dos “novíssimos teatros” argentino, espanhol e português a que assistimos nas últimas edições. E, reconhece Rodrigo Francisco, esses ciclos desaparecem também em resposta a uma aceitação menos entusiástica do público. Em sentido inverso, depois de em 2017 ter conquistado a plateia do Teatro Nacional D. Maria II, o criador italiano Pippo Delbono e a sua trupe regressam com um novo espectáculo, Alegria, desta vez no Palco Grande (Escola D. António da Costa, dia 12), sublinhando a auscultações que Francisco gosta de fazer ao público.

Em matéria de regressos, destaque ainda para a encenação de Paolo Magelli para A Reunificação das Duas Coreias, de Joël Pommerat (encenador e texto de volta ao festival com apresentações a 7 e 8 no Teatro Nacional), para o Estado de Sítio de Albert Camus com que Emmanuel Demarcy-Mota reagiu aos atentados em Paris (14 e 15, Teatro São Luiz), para o desvario que promete ser Philip Seymour Hoffman, por Exemplo (10, Palco Grande), de Rafael Spregelburd pela companhia belga Transquinquennal, e para a visão do croata Ivija Buljan (na quarta passagem por Almada) sobre o texto-combate de boxe conjugal Final do Amor, de Pascal Rambert (7 a 10, Teatro-Estúdio António Assunção). Rambert terá presença dupla em Almada, sendo também autor e encenador de Actriz (15 e 16, Teatro Nacional), peça que atira a personagem principal para um quarto de hospital, onde espera a morte, e que valeu à protagonista Marina Hands o Molière para Melhor Actriz.

Lugar à dança

Como sempre, o Festival de Almada arranca no dia 4 de Julho, desta vez com o espectáculo vencedor do Prémio do Público da edição anterior. No caso, Apre! – Melodrama Burlesco, espectáculo da francesa Compagnie Le Fils du Grand Réseau, “melodrama burlesco sobre a silenciosa solidão contemporânea nas grandes cidades”, conforme se escreveu no Ípsilon acerca da criação de Pierre Guillois. A programação internacional inclui ainda os mexicanos Teatro de Babel (com Arizona, de Juan Carlos Rubio), Jan Lauwers (com O Quarto de Isabella), a companhia de marionetas humanas Familie Flöz (com Dr. Nest) e a peça de Pep Tosar a partir da obra e da vida de García Lorca (com Federico García).

Outra das consequências do acidentado anúncio dos apoios da DGArtes foi a quase paralisação das companhias independentes nacionais durante o primeiro semestre de 2018, pelo que o número de espectáculos portugueses no Festival de Almada é o mais baixo dos últimos anos. Ainda assim, acolhe as estreias de Colónia Penal, texto incompleto de Jean Genet, numa encenação de António Pires (5 a 17, Teatro do Bairro), o espectáculo criado por Diogo Infante a partir da autobiografia de Carmen Dolores, Carmen (12 a 15, Teatro da Trindade) e A Última Estação, peça em que Elmano Sancho explora parecenças físicas com o serial killer Ted Bundy (16 a 18, Teatro Joaquim Benite), integrando ainda Nada de Mim (Arne Lygre, por Pedro Jordão), Bonecos de Luz (Romeu Correia, por Rodrigo Francisco), Lulu (Wedekind, por Nuno M Cardoso) e o recital Melodramas de Horror (por Nuno Vieira de Almeida e Manuela de Freitas).

No ano em que o Festival de Almada homenageia Yvette Centeno, caberá à coreógrafa Olga Roriz orientar o curso de formação O Sentido dos Mestres – sucedendo a Luis Miguel Cintra, Peter Stein, Ricardo Pais e Juni Dahr –, ao mesmo tempo que apresenta também no Palco Grande, a 14, a sua última criação, A Meio da Noite, a partir do universo de Ingmar Bergman.  A dança marca presença ainda através dos espectáculos Fora de Campo, de Michèle Noiret, Tecedura do Caos, de Tânia Carvalho (pela Companhia Nacional de Bailado) e Kalakuta Republik, de Serge Aimé Koulibaly (dia 6, Palco Grande), espectáculo inspirado pela figura de Fela Kuti que foi um dos grandes sucessos do último Festival de Avignon.

Para o ano, assim as circunstâncias o permitam, Inês de Medeiros gostaria de ver o Festival de Almada acolher “uma espécie de off”, de que os espectáculos de rua, nesta edição, são um pequeno vislumbre do crescimento que deseja testemunhar. O Festival de Almada inclui ainda concertos (Manel Cruz, Rita Redshoes ou Fernando Tordo), duas exposições de José Manuel Castanheira (uma dedicada a Yvette Centeno, outra na continuação das celebrações dos 40 anos da CTA), e uma outra do artista plástico Paulo Brighenti, autor do cartaz desta edição.