A desglobalização americana
O acordo assinado entre Trump e Kim Jong-un é mais um acto de unilateralismo americano que prima pelo amadorismo. É improvável que algo real saia de um texto tão genérico como outros já assinados no passado.
A mundividência do líder da Casa Branca é extraordinária – e reveladora. Em sequência: Trump pôs em causa uma parceria histórica com o vizinho Canadá por causa das tarifas dos produtos lácteos e a seguir assinou um tratado com um pária ditador que está à frente de um brutal regime genocida que não reconhece o primado dos direitos humanos. Pior, assinou um tratado que compromete os Estados Unidos com a “prosperidade” de um regime grotesco, que tem nada a perder e muito a ganhar com a credibilização internacional. É a “desglobalização” americana a funcionar em pleno, com uma política externa que parte e regressa ao umbigo do homem que gere a Casa Branca e o seu mundo de forma superficial.
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A mundividência do líder da Casa Branca é extraordinária – e reveladora. Em sequência: Trump pôs em causa uma parceria histórica com o vizinho Canadá por causa das tarifas dos produtos lácteos e a seguir assinou um tratado com um pária ditador que está à frente de um brutal regime genocida que não reconhece o primado dos direitos humanos. Pior, assinou um tratado que compromete os Estados Unidos com a “prosperidade” de um regime grotesco, que tem nada a perder e muito a ganhar com a credibilização internacional. É a “desglobalização” americana a funcionar em pleno, com uma política externa que parte e regressa ao umbigo do homem que gere a Casa Branca e o seu mundo de forma superficial.
O que há de novo neste acordo com a Coreia do Norte, para lá do brilho dos flashes, é ainda muito pouco: um acordo que leva os EUA a abdicar de novas sanções e de exercícios militares com o vizinho do sul e um texto vago que deixa muita margem de manobra a Kim Jong-Um. Não estão marcadas inspeções, não há exigências de transparência, não há entidades internacionais envolvidas nem parceiros que validem termos e credibilizem um texto genérico.
É verdade que em pouco mais de uma hora juntos, seria difícil conseguir mais. Mas é para isso que servem as rondas diplomáticas, que normalmente demoram meses e que decorrem longe dos holofotes – algo que Trump, o líder dos reality-shows, não entende nem aprecia. E Kim Jong-un sabe-o, porque estudou o líder americano tão bem como estudou os dossiers técnicos da nuclearização.
Donald Trump acha que com este acordo ganha peso mundial e, quem sabe, um Nobel. Mas isso só acontecerá se o acordo realmente se concretizar, algo que é tão dúbio hoje como era no último domingo. A frase do acordo em que se assume o compromisso mais importante é exatamente igual à que já existia num texto com 25 anos, cujo resultado foi nulo. Este também o poderá ser, não sem que antes Kim recolha o benefício internacional que vem com todo este mediatismo.
Quem ganha é a Rússia. O anúncio do fim das sanções internacionais impostas a quem faça negócio com Pyongyang tem impedido um projeto velho de uma década, que agora poderá finalmente avançar: um gasoduto que avance desde Vladivostok até Seul, cruzando toda a península da Coreia e servindo uma nação desesperada por energia. Já o resto do mundo só ganha se a Coreia do Norte se livrar mesmo de todas as armas nucleares. Mas o texto do tratado é tão vago e o líder coreano tão seráfico que é impossível ter esperança numa conclusão positiva deste processo. Pelo menos para já.