O misterioso mapa de Piri Reis de 1513
Todos os mapas contam uma história e alguns mapas antigos contam muitas histórias. Isto é especialmente verdade para o famoso mapa de Piri Reis de 1513. Este mapa deve o seu nome ao almirante otomano Piri Reis (cerca de 1467-1554), autor do Kitab-i Bahriye (Livro do Mar) um dos melhores compêndios geográficos e manuais de navegação do seu tempo.
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Todos os mapas contam uma história e alguns mapas antigos contam muitas histórias. Isto é especialmente verdade para o famoso mapa de Piri Reis de 1513. Este mapa deve o seu nome ao almirante otomano Piri Reis (cerca de 1467-1554), autor do Kitab-i Bahriye (Livro do Mar) um dos melhores compêndios geográficos e manuais de navegação do seu tempo.
O mapa de Piri Reis está desenhado sobre pergaminho de pele de gazela e é uma típica carta náutica da época, com as suas características rosas-dos-ventos, linhas de rumo e nomes dos lugares ao longo da costa. O fragmento que chegou aos nossos dias corresponde a um terço do que se presume ter sido o mapa-mundo original, e representa o oceano Atlântico e as costas ocidentais da Europa e África, bem como as recém-descobertas terras da América. Tudo o resto, incluindo as partes orientais da Europa, África e Ásia, se perdeu.
O fragmento sobrevivente tem várias inscrições com informação acerca das pessoas, história, e riquezas dos lugares, bem como sobre a sua própria construção. Numa dessas legendas, Piri Reis relata ter utilizado mais de duas dúzias de mapas individuais, incluindo cartas feitas por portugueses, espanhóis e árabes. Na construção deste mapa-mundo, Piri Reis incorporou informação de várias fontes cartográficas, geográficas, artísticas e literárias, com origem tanto em tradições europeias como do Médio Oriente. Este é dos poucos mapas manuscritos da época dos grandes descobrimentos que sobreviveu e um dos que primeiro mostram a América.
Numa das inscrições, Piri Reis conta-nos que usou um mapa desenhado por Cristóvão Colombo para desenhar a sua costa ocidental; mapa esse que teria sido encontrado nas mãos de um marinheiro espanhol, capturado durante uma batalha naval que Piri Reis travou, juntamente com o seu falecido tio – o corsário Kemal Reis – ao largo da costa de Valência. Segundo a mesma inscrição, tal marinheiro teria acompanhado Cristóvão Colombo nalgumas das suas viagens.
Podemos reconhecer no mapa a Europa, a África e a América do Sul. Mas que ilhas são aquelas a ocidente? Serão as Antilhas das Índias Ocidentais – a Hispaniola (São Domingos), Jamaica, Cuba e as Baamas – copiadas do mapa de Colombo? Nesse caso, porque não se assemelham às ilhas das Caraíbas? Porque Colombo acreditava que tinha chegado ao Japão e à China! A Hispaniola (São Domingos) aparece orientada no sentido Norte-Sul porque ele acreditou que se tratava do Japão; e Cuba é representada como se fosse parte de um continente porque ele considerou que era, de facto, a costa da China!
Existem 15 nomes de lugares na representação das Antilhas. Nove tinham sido usados por Colombo, três são espanhóis e três são nomes indígenas por ele registados. Estes indícios confirmam o que poderia, à primeira vista, parecer fantástico: que, de facto, a representação desta região se baseia num mapa elaborado por Colombo, ou por ele mandado fazer.
Uma outra razão que faz com que o mapa de Piri Reis seja muito conhecido é a tese, defendida por escritores populares, de que nele está representada a Antárctica tal como se apresentava há milhares de anos, antes de ter sido coberta de gelo. A explicação para esse anacronismo teria sido a intervenção de uma antiga civilização na elaboração do levantamento, tal como a Atlântida, ou mesmo de extraterrestres que teriam visitado a Terra em tempos antigos. A realidade é que nada, no mapa de Piri Reis, é muito diferente do que aparece nos outros mapas da época, em que era comum mostrar a geografia conhecida lado a lado com a geografia tradicional ou lendária.
A existência de um continente antárctico, que equilibrava os continentes do hemisfério norte, era uma teoria que remontava à época clássica. Cláudio Ptolomeu (cerca de 100 – 170 d.C.) considerava, na sua visão do mundo, que os oceanos eram completamente rodeados por terra. Não é portanto de estranhar, dada a enorme influência das suas ideias durante o Renascimento, que muitos geógrafos e cartógrafos as tenham adoptado nas representações do mundo.
Após uma vida inteira a combater os infiéis no Mar Mediterrâneo, Piri Reis foi nomeado comandante da armada otomana do Mar Vermelho. Aí, por pouco escapou a uma emboscada dos portugueses, no Golfo da Pérsia, fugindo para o Egipto. Os seus oponentes no Cairo contaram ao sultão Solimão, O Magnífico, que o mandou decapitar, por cobardia, quando tinha quase 90 anos. O tesouro pessoal de Piri Reis, incluindo o mapa de 1513, foi levado para o Palácio de Topkapi, em Istambul, onde ainda se encontra.
Esta série, às segunda-feiras, está a cargo do Projecto Medea-Chart do Centro Interuniversitário de História da Ciência e Tecnologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que é financiado pelo Conselho Europeu de Investigação