Guerra de palavras separa Trump do G7 e ensombra comércio global
Cimeira adensa receios de guerra comercial. Washington boicota consenso contra proteccionismo e deixa EUA isolados. Canadá ameaça penalizar importações americanas. Berlim e Paris dão sinais de desconforto.
Como estarão as relações comerciais entre os Estados Unidos e os aliados da Europa e do Canadá daqui a um ano, quando os líderes das sete economias mais avançadas do mundo se encontrarem em França para um novo G7? A incógnita já o era antes de arrancar a cimeira do Canadá. E tornou-se ainda mais evidente depois da forma intempestiva como no sábado terminou o encontro de dois dias em Charlevoix, com Donald Trump a retirar o apoio na 25.ª hora ao comunicado final que posicionava o G7 contra uma escalada proteccionista.
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Como estarão as relações comerciais entre os Estados Unidos e os aliados da Europa e do Canadá daqui a um ano, quando os líderes das sete economias mais avançadas do mundo se encontrarem em França para um novo G7? A incógnita já o era antes de arrancar a cimeira do Canadá. E tornou-se ainda mais evidente depois da forma intempestiva como no sábado terminou o encontro de dois dias em Charlevoix, com Donald Trump a retirar o apoio na 25.ª hora ao comunicado final que posicionava o G7 contra uma escalada proteccionista.
De Berlim e Paris surgem sinais claros de desconforto perante a imprevisibilidade na Casa Branca. Os receios de que a guerra de palavras desemboque numa verdadeira guerra comercial ficaram à vista de todos e não foi apenas pelo que se ouviu na costa do Quebec. Foi já a bordo do Air Force One a caminho de Singapura (para preparar o encontro com Kim Jong-un) que o Presidente norte-americano deu ordem aos representantes dos Estados Unidos para não subscreverem o texto conjunto que havia sido negociado entre as sete principais potências industrializadas.
A decisão-surpresa foi apenas a cena final de uma cimeira marcada por ameaças comuns e um tom crispado em tudo contrário ao desejo de quem pensasse ver no encontro do Charlevoix um ambiente de desanuviamento em relação à imposição de barreiras alfandegárias mais apertadas entre Washington e os parceiros.
A nova política alfandegária dos Estados Unidos (aumento das taxas ao aço e alumínio importado da União Europeia, Canadá e México) foi criticada de forma contundente pelo anfitrião do G7, o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, que quer penalizar as importações norte-americanas já a partir de 1 de Julho. O anúncio enfureceu Trump e essa foi uma das razões que serviram de justificação para a retirada dos Estados Unidos. A outra razão? Alegadas “declarações falsas” de Trudeau, a quem Trump acusou de ser “fraco” e “desonesto” – e que Larry Kudlow, seu conselheiro económico, veio mais tarde chamar de “imaturo” e de “dar uma facada pelas costas” aos EUA.
Não foram precisos muitos tweets para Trump pôr termo a dois dias de diplomacia entre a Alemanha, a França, o Canadá, os Estados Unidos, a Itália, o Reino Unido e o Japão. Não por acaso o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Heiko Maas, veio contestar neste domingo: “Numa questão de segundos, destrói-se a confiança em 280 caracteres”. Agora, diz, vai demorar muito mais tempo até se recuperar a confiança perdida. E também Andrea Nahles, a líder do SPD alemão, acusou Trump de estar a “criar o caos”, pondo em causa uma “política razoável e confiável”. De Paris, o mesmo sentimento. À Reuters, uma fonte oficial do Governo francês pediu seriedade e afirmou que a cooperação internacional não pode depender dos estados de alma e de sound bites.
Sem tarifas, mais tarifas
A imagem de um G7 transformado num G6+1 ficou cristalizada nas declarações do Presidente francês, quando Emmanuel Macron escreveu no Twitter que Trump “percebeu que tinha diante de si uma frente unida. Ficar isolado no concerto das nações é contrário à história norte-americana”. Foi ainda antes de o Presidente norte-americano anunciar a ruptura no Twitter.
Resta agora saber as consequências da fractura. O comunicado final do G7 que seria recusado por Trump defendia o comércio “livre, justo, mutuamente benéfico” entre os países e dizia que as sete economias iriam esforçar-se “por reduzir as barreiras tarifárias, as barreiras não tarifárias e os subsídios [de exportação, por exemplo]”. Em Charlevoix, Trump chegou a afirmar: “Sem tarifas, sem barreiras – assim é que deveria ser. E sem subsídios”. Mas o tom de ameaça foi constante: exigindo o fim das taxas e barreiras aos produtos norte-americanos, ameaçou travar o acesso ao mercado norte-americano. A própria chanceler alemã, Angela Merkel, avisara que a posição comum “não resolve os problemas ao detalhe”.
Trump ameaça aplicar taxas à importação de automóveis, algo que pretende atingir os parceiros europeus, sobretudo o coração da maior economia da moeda única, a Alemanha. Os Estados Unidos são o primeiro mercado para as empresas europeias de automóveis. E os carros representam, em valor, um quarto das exportações da Alemanha para os Estados Unidos. A Europa aplica às importações de carros de fora da UE uma taxa de 10%, enquanto os EUA têm uma taxa de 2,5% sobre as entradas de veículos estrangeiros. Mas a diferença quando se olha para a média global ponderada das tarifas alfandegárias é marginal, nota o Financial Times, referindo que em 2015 a taxa média aplicada pela UE era de 3% e a do Canadá de 3,1%, contra 2,4% dos EUA.
“É um golpe brutal”, afirmou John Kirton, professor na Universidade de Toronto, citado pela Bloomberg. “As acções unilaterais da Administração contra os aliados relativamente ao comércio estão a minar os lanços de confiança mútua de longa-data”, comentou ao Financial Times Daniel Price, antigo representante da Administração Bush em cimeiras do G8 e G20. A atitude de Trump, diz, representa de forma “emblemática” a sua abordagem para a política em geral: a quem o desafia, Trump está pronto a “utilizar as medidas políticas como instrumentos de vingança pessoal e ressentimento”.