Novo Banco passa gestão de imóveis para empresa da Lone Star

O Novo Banco passou milhares de bens imobiliários avaliados em centenas de milhões de euros para a Hudson Adviser, uma sociedade que tem como accionista o fundo norte-americano Lone Star que também controla a instituição. A empresa acabou de se instalar no último andar de um prédio de Lisboa, que pertence ao Novo Banco.

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A Lone Star entrou no Novo Banco a 18 de Outubro de 2017 Rui Gaudencio

O destino dos cerca de nove mil imóveis que ainda há poucas semanas estavam sob gestão do Novo Banco foi a Hudson Advisers, que tem sede em Dallas e é chefiada por John Graykeno, o fundador (em 1995) e presidente da Lone Star. Baptizado pela imprensa “milionário oportunista”, Graykeno renunciou em 1999 à cidadania americana e assumiu a irlandesa na tentativa de pagar menos impostos. O contrato de gestão prevê que o património se mantenha registado no balanço do Novo Banco, mas passe a ser gerido e rentabilizado pelo veículo texano com vista à sua venda. 

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O destino dos cerca de nove mil imóveis que ainda há poucas semanas estavam sob gestão do Novo Banco foi a Hudson Advisers, que tem sede em Dallas e é chefiada por John Graykeno, o fundador (em 1995) e presidente da Lone Star. Baptizado pela imprensa “milionário oportunista”, Graykeno renunciou em 1999 à cidadania americana e assumiu a irlandesa na tentativa de pagar menos impostos. O contrato de gestão prevê que o património se mantenha registado no balanço do Novo Banco, mas passe a ser gerido e rentabilizado pelo veículo texano com vista à sua venda. 

Contactada sobre esta relação com o accionista, fonte oficial do Novo Banco esclarece que “na sequência da aquisição do Novo Banco a Lone Star contratou a Hudson Advisers para monitorizar e apoiar o plano de recuperação do banco”. E que o contrato proíbe “a possibilidade de transacções entre as empresas Lone Star e o Grupo Novo Banco”, excepto contratos “até um valor máximo de 7,5 milhões de euros”. Adicionalmente, confirma, ainda que sem detalhar, que “existem dois contratos com a Hudson Advisors, um para a prestação de serviços de assistência e aconselhamento em matérias imobiliárias, e outro de serviços gerais em matérias financeiras e estratégicas”.

A passagem de património do Novo Banco para a Hudson não passou despercebida dentro da instituição que sucedeu ao BES. Afinal, estão em causa aproximadamente nove mil imóveis, mas também um negócio entre partes relacionadas de centenas de milhões de euros. Ou seja: um acordo do banco com uma empresa ligada ao seu accionista, que, pelo trabalho encomendado, cobra comissões (nos limites referidos). Mas há mais: é que pela eventual venda posterior acima dos valores registados em balanço, a Hudson deverá cobrar uma percentagem ao Novo Banco. Na prática, é uma forma de a Lone Star recuperar parte do que investiu no Novo Banco quando assumiu o controlo. O fundo norte-americano não pagou qualquer verba ao Fundo de Resolução, um fundo do Estado, mas injectou mil milhões de euros de capital.  

Em mudanças

O ruído em torno da relação do banco com o accionista aumentou de tom quando se ficou a saber que a Hudson se mudara (com contrato de arrendamento), nas últimas semanas, para o 9.º piso do número 26 da Rua Castilho, em Lisboa, onde antes funcionou o departamento de pessoal do ex-BES. Isto, porque no mesmo imóvel estão empresas e serviços do Novo Banco. 

Antes, a Hudson Advisers já tinha ocupado, a título transitório, o 7.º piso do número 28 da Rua Barata Salgueiro, prédio que também pertence ao Novo Banco e é contíguo à sede, e onde, no 6.º andar, chegou a funcionar a comissão liquidatária do BES mau. Ou seja, a título de exemplo, é como se o GES tivesse escritório aberto nas instalações do BES, para lhe prestar serviços. E recorde-se que, na mesma linha de separação de interesses entre partes relacionadas dentro do mesmo grupo financeiro, o Banco de Portugal deu instruções para separar os serviços da Caixa Económica Montepio Geral dos serviços da associação, a dona do banco.

No pacote agora confiado à Hudson Advisers encontram-se activos considerados problemáticos, isto é, os que são difíceis de rentabilizar e de vender. E que já justificaram o registo de imparidades que resultaram em perdas para o banco e explicam grande parte dos elevados prejuízos compensados por verbas públicas. Mas outros activos estão classificados como tendo grande potencial. E neste grupo está, por exemplo, o edifício sede do Novo Banco, situado na esquina da Avenida da Liberdade em Lisboa com a Rua Barata Salgueiro, avaliado em cerca de 40 milhões.

Antes de comprar o Novo Banco, a Lone Star já olhava para um terreno de 130 mil metros quadrados, localizado em Lisboa, entre as  Amoreiras e a Rua de Artilharia 1, que pertenceu ao Exército. A propriedade foi assumida pelo Novo Banco em 2014, depois de ter executado a promotora imobiliária de Vasco Pereira Coutinho, a Temple (insolvente), financiada pelo BES. O projecto nunca saiu do papel: construção de 65 mil metros quadrados de habitação; outro tanto de escritórios; mais um hotel. Este terreno foi dos primeiros entregues à Hudson, para gerir e rentabilizar.  

Dentro do Novo Banco a venda da sede oficial é dada como certa, e a possibilidade de instalar os serviços num imóvel a construir nas Amoreiras também é avançada. E a propósito há quem ironize: “Se o terreno do Pereira Coutinho estivesse na zona da Avenida José Malhoa, quando chegasse a altura de a Lone Star vender o banco, só seria necessário fazer um túnel [uma referência à sede do espanhol Santander, que o Banco Central Europeu privilegia na sua estratégia de criar grandes grupos bancários].”  

Em 2015, ainda com o Novo Banco na esfera do Fundo de Resolução, foram vendidos ao fundo anglo-saxónico Perella quatro edifícios (três deles do século XIX) localizados entre a Avenida da Liberdade e a Rua Rosa Araújo. Os valores divulgados ascenderam a 30 milhões de euros.

Era, aliás, para este espaço que o anterior presidente Ricardo Salgado — acusado pelo BdP de, entre outras coisas, falsificar contas, e que o Ministério Público suspeita de ter corrompido José Sócrates —pretendia expandir a sede.

Futuro da arte em dúvida

O que está também a levantar celeuma é o destino que está a ser dado às colecções do antigo BES: pintura, fotografia (de nível internacional), moedas (raras), livros antigos.

Algumas das obras de arte estão a ser emprestadas a museus portugueses, mas outras servem para “decorar” as instalações que o banco aluga a terceiros. O último episódio envolve novamente a relação do banco com a esfera do seu accionista. Nos últimos dias, os trabalhadores do banco viram encaminhar obras de arte para o último andar do número 26 da Rua Castilho, onde está agora a Hudson, para ali serem expostas. 

É que o actual Governo e o Fundo de Resolução (dotado de verbas do sector, financiadas pelos contribuintes) optou por “não salvar” do acordo com o fundo norte-americano as várias colecções herdadas do antigo BES (que podia ter usado para reforçar os museus espalhados pelo país). Uma posição que está em linha com a seguida pelo anterior executivo de Pedro Passos Coelho, que deu instruções para se vender o acervo de obras de arte (de várias espécies e origem) que o BPN adquirira. E a que mais polémica levantou foi a colecção do pintor catalão Miró, que esteve à venda em Londres, um negócio revertido (e a colecção entregue à Fundação de Serralves) depois de protestos públicos, alguns de socialistas. Os contribuintes nacionais arriscam perder no Novo Banco e no BPN aproximadamente 20 mil milhões de euros. 

A Lone Star entrou no Novo Banco a 18 de Outubro de 2017 e, ao assumir 75% do capital, passou a controlá-lo. Mas só o fez depois de receber do Governo uma protecção ao negócio. Foi criado um mecanismo de capitalização estatal até ao máximo de 3,89 mil milhões de euros: durante oito anos, o Fundo de Resolução (que ficou com 25%), financiado pelos contribuintes, pode ser chamado a compensar o Novo Banco das perdas associadas a activos “tóxicos” ou as que resultem da alienação de operações não estratégicas (caso ponham em causa os rácios de capital da instituição).

Seis meses depois de o acordo ter sido assinado, o mecanismo de capital contingente foi accionado e os contribuintes chamados a injectar (por empréstimo ao Fundo de Resolução) 792 milhões de euros no Novo Banco. E isto porque o banco apresentou perdas de 1,395 mil milhões em 2017 (dois meses e meio depois), o pior resultado desde Agosto de 2014, quando o banco foi criado.

Quando esteve no Banco de Portugal a fechar a operação de privatização do terceiro maior banco, o administrador da Lone Star, Donald Quintin, declarou-se “entusiasmado com o futuro do Novo Banco”.