Europa apresenta aposta de 100 mil milhões de euros na ciência
Programa de investigação e desenvolvimento para o período 2021-2027 foi apresentado hoje, em Bruxelas. O Horizonte Europa é o sucessor do actual Horizonte 2020 e prevê um aumento do orçamento em 23 mil milhões de euros nesta área, mas há já quem reclame que não é suficiente.
A Comissão Europeia apresentou esta quinta-feira, em Bruxelas, as linhas gerais do próximo programa Horizonte Europa que dedica um orçamento de 100 mil milhões de euros para investir em ciência entre 2021 e 2027. Entre as principais medidas, está a já anunciada criação de um Conselho Europeu de Inovação, um novo modus operandi de ciência aberta apoiado na partilha do conhecimento e a definição de missões à escala europeia. Falta agora o difícil processo de negociações da proposta que alguns já consideraram insuficiente mas que ainda poderá sofrer cortes se a tradição de anteriores edições se voltar a cumprir. Portugal espera duplicar a verba de mil milhões prevista com o actual programa Horizonte 2020.
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A Comissão Europeia apresentou esta quinta-feira, em Bruxelas, as linhas gerais do próximo programa Horizonte Europa que dedica um orçamento de 100 mil milhões de euros para investir em ciência entre 2021 e 2027. Entre as principais medidas, está a já anunciada criação de um Conselho Europeu de Inovação, um novo modus operandi de ciência aberta apoiado na partilha do conhecimento e a definição de missões à escala europeia. Falta agora o difícil processo de negociações da proposta que alguns já consideraram insuficiente mas que ainda poderá sofrer cortes se a tradição de anteriores edições se voltar a cumprir. Portugal espera duplicar a verba de mil milhões prevista com o actual programa Horizonte 2020.
É anunciado como o mais ambicioso programa de investigação e inovação da União Europeia (UE). O Horizonte Europa é o sucessor do actual Horizonte 2020 e a proposta da Comissão Europeia para este novo programa prevê uma dotação financeira de 100 mil milhões de euros para investir entre 2021 e 2027. São mais 23 mil milhões de euros em relação ao quadro em vigor, o Horizonte 2020, o que representa um aumento de 43%. No entanto, segundo os cálculos dos especialistas num artigo publicado no site Science Business, se ajustarmos o orçamento à taxa de inflação, o aumento em relação ao anterior programa representa menos de 10 mil milhões. Seja como for, há um aumento do investimento na ciência no horizonte que vai de 2021 a 2027. E Carlos Moedas, Comissário europeu para a Ciência, Investigação e Inovação, mostra-se bastante satisfeito com este reforço que não conta com a participação do Reino Unido, um importante contribuinte que com o Brexit fica fora destas contas. Resumidamente, diz Carlos Moedas, o objectivo é “manter o que fazemos bem e revolucionar o que ainda não conseguimos fazer tão bem”. O que traduzindo, diz, quer dizer que se vai continuar a apostar na ciência fundamental e reforçar o investimento na inovação.
Especificamente sobre Portugal, Carlos Moedas adianta que, segundo os dados fornecidos pelo ministro da Ciência Manuel Heitor, a esta data o país já recebeu 556 milhões de euros do programa Horizonte 2020. A expectativa é chegar a mil milhões no final do actual programa e, mais ambiciosa ainda, duplicar este valor até 2027 com o Horizonte Europa.
Três pilares para sete anos
Nos planos da Comissão Europeia o novo programa tem três pilares. A maior fatia, de 52,7 mil milhões de euros, é destinada aos Desafios Globais e Competitividade Industrial. Este é o pilar que apoia directamente “a investigação relacionada com os desafios societais, reforça as capacidades tecnológicas e industriais e define missões à escala da União Europeia com objectivos ambiciosos que abordam alguns dos nossos maiores problemas”. As missões, adianta Carlos Moedas ao PÚBLICO, pressupõem a definição de metas que serão definidas até ao final do ano para os cinco “clusters” das áreas da saúde, sociedade segura e inclusiva, digital e indústria, clima, energia e mobilidade e, por fim, alimentação e recursos naturais. “A ideia é usar uma linguagem simples para resolver de forma ambiciosa um problema social”, diz Carlos Moedas, que arrisca um exemplo: “Podemos definir como missão qualquer coisa como que ninguém morra de cancro em 2030.”
Num comunicado da Comissão Europeia surgem exemplos mais genéricos para estas “novas missões de investigação e inovação à escala europeia” que deverão procurar resolver as questões que afectam a nossa vida quotidiana, entre os quais estão a luta contra o cancro, os transportes limpos ou os oceanos sem plásticos. “Estas missões serão concebidas em conjunto com os cidadãos, as partes interessadas, o Parlamento Europeu e os Estados-membros”, adianta ainda o documento. Este pilar dos Desafios Globais inclui também as actividades do Centro Comum de Investigação (2,2 mil milhões de euros), que apoia os decisores políticos “com provas científicas independentes e apoio técnico”.
O pilar designado Ciência Aberta tem 25,8 mil milhões para distribuir entre o Conselho Europeu de Investigação (ERC, na sigla em inglês) que terá 16,6 mil milhões (no programa Horizonte 2020 o orçamento é de 13 mil milhões) para financiar através de bolsas os projectos de investigadores e as bolsas Marie Curie que terão uma verba de 6,8 mil milhões para apoiar os cientistas. Este é, portanto, o pilar que reforça a ciência fundamental, ou, nas palavras de Carlos Moedas, “o que fazemos bem”. Por outro lado, impõe-se uma regra: o conhecimento adquirido terá de ser partilhado. A Comissão Europeia avisa que o “princípio da ‘ciência aberta’ tornar-se-á o ‘modus operandi’ do programa Horizonte Europa, que exigirá o livre acesso às publicações e aos dados, contribuindo, assim, para a aceitação pelo mercado e para o aumento do potencial inovador dos resultados gerados do financiamento pela União Europeia”.
Vamos cortar na ambição?
Por fim, o terceiro pilar é onde se encontra menos dinheiro mas é onde está a principal novidade deste “orçamento para o futuro” da UE. Chama-se Inovação Aberta e terá 13,5 mil milhões de euros para colocar a Europa “na vanguarda da inovação geradora de mercado”. Entre outras medidas inclui a criação de um novo organismo chamado Conselho Europeu da Inovação (EIC, na sigla em inglês, com 10 mil milhões de euros) que “ajudará a desenvolver o panorama global da inovação na Europa” e o reforço do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT) para promover a integração das empresas, da investigação, do ensino superior e do empreendedorismo (três mil milhões de euros)”.
Com mais detalhe, o comunicado divulgado esta quinta-feira refere que o EIC funcionará como “um balcão único para levar do laboratório para o mercado as tecnologias inovadoras mais promissoras e de elevado potencial e ajudar as “startups” e as empresas mais inovadoras a desenvolver as suas ideias”. O novo fundo ajudará a identificar e a financiar as inovações com grandes potencialidades em termos de criação de mercados inteiramente novos e vai apoiar-se em dois instrumentos de financiamento principais: um para as fases iniciais e outro para o desenvolvimento e a implantação no mercado. Um dos principais desafios desta aposta na inovação será conciliar as diferentes regras que os vários países membros usam para questões que vão desde o sistema das taxas e impostos aplicados aos regimes que regulam as patentes e a propriedade intelectual.
A dotação orçamental proposta de 100 mil milhões de euros para 2021-2027 inclui 97,6 mil milhões de euros ao abrigo do Horizonte Europa e 2,4 mil milhões de euros para o Programa de Investigação e Formação da Euratom. “O programa Euratom, que financia a investigação e a formação no domínio da segurança nuclear e da segurança e protecção contra as radiações, articular-se-á mais em torno de aplicações outras que a produção energética, tais como a saúde e equipamentos médicos, e apoiará igualmente a mobilidade dos investigadores nucleares no âmbito das acções Marie Sklodowska-Curie”, explica o comunicado da Comissão Europeia.
“O programa Horizonte 2020 é uma das maiores histórias de sucesso da Europa. O novo programa Horizonte Europa tem objectivos ainda mais ambiciosos”, resume Carlos Moedas. Para que a ambição se cumpra será preciso conseguir aprovar esta proposta em 2019, antes das eleições europeias marcadas para Maio, para assegurar uma transição tranquila entre o Horizonte 2020 e o Horizonte Europa. “Eventuais atrasos obrigariam as mentes mais brilhantes da Europa a procurar oportunidades noutros lados, o que implicaria a perda de milhares de postos de trabalho no sector da investigação e prejudicaria a competitividade da Europa”, avisa a Comissão Europeia, alertando para o perigo de “uma desaceleração em progressos fundamentais como os cuidados de saúde e a acção climática, os transportes ecológicos e a agricultura sustentável”. Mais concretamente: “As soluções para os tratamentos contra o cancro, as emissões de gases com efeito de estufa, os automóveis inteligentes e os regimes alimentares saudáveis sofreriam atrasos.”
No comunicado divulgado hoje, o vice-presidente da Comissão Europeia, Jyrki Katainen, responsável pelo emprego, crescimento, investimento e competitividade, considera que “investir em investigação e inovação é investir no futuro da Europa”. E acrescenta: “O financiamento da UE permitiu que equipas de vários países e disciplinas científicas trabalhassem em conjunto e fizessem descobertas inimagináveis, tornando a Europa um líder de classe mundial em investigação e inovação. Com o Horizonte Europa, queremos aproveitar este sucesso e continuar a fazer uma diferença real na vida dos cidadãos e da sociedade como um todo.”
O processo de negociação que vai decorrer nos próximos meses será duro, como é habitual nestas questões. Os países-membros vão tentar reduzir as participações e cortar um pouco na ambição deste orçamento e, por outro lado, as vozes de quem já por esta altura reclama que este orçamento não chega vão seguramente ganhar força. O deputado alemão do Parlamento Europeu, Christian Ehler, por exemplo, já garantiu que vai lutar por um aumento desta verba até aos 120 mil milhões e a Associação das Universidades Europeias, que reúne 800 instituições de 47 países, também já emitiu um relatório onde conclui que “o aumento é bom, mas não está ao nível do que seria considerado adequado”. Um dos argumentos usados para reclamar pelo aumento da verba tem sido a baixa taxa de execução do Horizonte 2020, que não passa de uns desanimadores 11,9%.
A verdade é que tal como aconteceu com o actual Horizonte 2020 (que partiu de uma proposta de 80 mil milhões da Comissão Europeia e de 100 mil milhões do Parlamento Europeu e acabou no total de 77 mil milhões), este orçamento corre ainda o sério risco de sofrer alguns cortes. Mas, tendo em conta o ponto de partida, tudo indica que teremos no horizonte de 2021 e 2027 um maior investimento da UE em ciência.