Merkel dá uma resposta tímida às propostas de Macron para reformar a zona euro
Chanceler alemã dá luz verde ao orçamento da zona euro e ao Fundo Monetário Europeu mas torce o nariz à união orçamental. Aproximação às propostas do Presidente francês ficou a meio caminho.
Quando em Setembro do ano passado apresentou o seu ambicioso plano para a reforma da União Europeia, Emmanuel Macron tinha perfeita noção de que sem o apoio da Alemanha dificilmente o poderia colocar em prática. Volvidos mais de oito meses desse arrojado discurso na Universidade de Sorbonne, o Presidente francês teve finalmente uma resposta de Berlim. Angela Merkel mostra disponibilidade para repensar a zona euro, mas mantém significativas reticências sobre a pretensão francesa de uma reestruturação de fundo.
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Quando em Setembro do ano passado apresentou o seu ambicioso plano para a reforma da União Europeia, Emmanuel Macron tinha perfeita noção de que sem o apoio da Alemanha dificilmente o poderia colocar em prática. Volvidos mais de oito meses desse arrojado discurso na Universidade de Sorbonne, o Presidente francês teve finalmente uma resposta de Berlim. Angela Merkel mostra disponibilidade para repensar a zona euro, mas mantém significativas reticências sobre a pretensão francesa de uma reestruturação de fundo.
Numa entrevista ao jornal Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung publicada no domingo, a chanceler alemã diz aceitar transformar o Mecanismo Europeu de Estabilidade num Fundo Monetário Europeu (EMF) e aprova a instituição de um orçamento comum para os Estados da zona euro, em nome da necessidade de “uma maior convergência económica” entre os países.
Pela forma como Merkel abordou as reformas propostas por Macron, as ambições do Presidente francês para a zona euro ficam bastante limitadas.
“Berlim vai colocar um pouco mais de dinheiro na mesa e aceitar um bocadinho mais de repartição de riscos, mas França e o resto da zona euro bem podem enterrar qualquer esperança de que a Alemanha leve a cabo uma grande reforma da zona euro e apoiar algo semelhante a uma verdadeira união orçamental”, resumem os jornalistas Matthew Karnitschnig e Pierre Briançon do Politico.
Relativamente ao orçamento comunitário, a líder do Governo alemão aponta para “umas poucas dezenas de milhares de milhões”, sem revelar, no entanto, se deverá estar integrado no orçamento alargado da UE ou se será da exclusiva competência dos ministros das Finanças dos países da zona euro. Macron tinha proposto a criação do cargo de ‘super-ministro’ das Finanças.
Quanto ao EMF, Merkel exige que esteja sujeito ao controlo dos parlamentos nacionais. O novo mecanismo teria capacidade para conceder financiamento com prazos até cinco anos a países que atravessem “dificuldades económicas” devido a “circunstâncias extraordinárias” e em casos em que “toda a zona euro esteja em perigo”. Tais empréstimos, defende a chanceler, devem ser pagos a trinta anos e estar condicionados às referidas “reformas estruturais” internas.
Pelo meio, a chanceler deixou ainda um aviso às pretensões do novo Governo eurocéptico italiano em aliviar a sua dívida: “A solidariedade entre os Estados da zona euro nunca poderá criar uma união de dívidas. Deve ajudar os outros a ajudarem-se a si mesmos”.
Resistência interna
A resposta tímida da chanceler aos apetites reformadores de Macron é bem demonstrativa do cepticismo com que na Alemanha se encararam, desde cedo, as propostas do Presidente francês. As recentes crises financeiras na Europa do Sul fizeram crescer a percepção, junto do eleitorado alemão, de um esforço desmesurado que foi exigido aos contribuintes e aos bancos do país, que por sua vez deu azo a uma disposição diminuta em ceder ainda mais soberania ao clube europeu.
Esta visão encontra paralelo em vários partidos políticos alemães, nomeadamente na ala mais conservadora da CDU, de Merkel, e na CSU – partido gémeo na Baviera. E a ela acresce que Martin Schulz saiu de cena. O ex-líder do SPD – o parceiro da coligação governamental com a CDU/CSU – foi o grande impulsionador da decisão de incluir a reforma europeia no primeiro capítulo do programa de governo, pelo que o seu afastamento deixou a ala de centro-esquerda do executivo sem um representante de renome na defesa de uma maior integração europeia.
Com partidos e políticos populistas e anti-europeus em posições de destaque em países como a Itália, a Áustria, a Hungria ou a Polónia e com o Reino Unido prestes a abandonar a UE, Merkel pode até ter vontade em mostrar a Paris que Berlim não é uma força de bloqueio à reforma europeia, mas uma aliada. A resistência do seu próprio partido e eleitorado à mudança, porém, não lhe dão grande margem de manobra neste capítulo.
Mais do que aquilo que Merkel gostaria para a Europa, a sua reacção às reformas de Macron é o que a chanceler pode oferecer neste momento. Neste sentido, mesmo que longe do que pretendia o Presidente francês, há em França a consciência de que o eixo franco-alemão está por agora obrigado a trabalhar com o que tem em mãos, sob pena de não poder trabalhar com nada.
A primeira reacção do Palácio do Eliseu às declarações da líder alemã foi, por isso, um elogio à sua movimentação “em direcção à visão francesa” para a UE. Falta agora o resto do trajecto, quando faltam cerca de três semanas para a cimeira de chefes de governo europeus.
'Sim' à força de intervenção rápida europeia
A chanceler alemã deu o seu aval à criação de uma força de intervenção europeia, com capacidade para intervir e participar em missões fora do espaço europeu, sobretudo em casos de emergência. Proposta por Emmanuel Macron, pretende para operar de forma independente das estruturas da NATO e também da Pesco, a política europeia de cooperação de defesa. A ideia conta com o apoio de Portugal, Itália, Espanha, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Estónia e Reino Unido, além de França e Alemanha, escreve o Politico.
Merkel defende que a iniciativa “deve enquadrar-se” na estrutura de cooperação em matéria de segurança da UE e convida Londres para se juntar, depois da saída do Reino Unido da UE. Poderia aplicar-se, por exemplo, na evacuação de emergência de cidadãos europeus numa situação de guerra civil num país africano ou na até na Venezuela, em vez de ser uma unidade de combate militar. Esta força poderia ainda reduzir a multiplicidade de sistemas de armas na UE, dos actuais 130 para 80.
Merkel propôs ainda a criação de uma agência ‘paneuropeia’ para as migrações, com competência para criar uma política comum de asilo para todos os Estados-membros — criando legislação unificada para a protecção internacional dentro do espaço europeu – e para harmonizar procedimentos nas fronteiras externas da UE.