Uma princesa ao volante na Vogue, activistas na prisão
Capa da edição saudita da revista provoca indignação quando mulheres que lutaram pelo direito a conduzir foram detidas justamente em vésperas do final da proibição.
A capa da edição do Médio Oriente da Vogue, com uma princesa saudita num descapotável vermelho, deu mais força a uma onda de indignação com uma contradição que ninguém parece compreender: ao mesmo tempo que está prestes a ser levantada a proibição das mulheres conduzirem, foram detidas uma série de activistas que há anos ou décadas lutaram precisamente por este direito.
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A capa da edição do Médio Oriente da Vogue, com uma princesa saudita num descapotável vermelho, deu mais força a uma onda de indignação com uma contradição que ninguém parece compreender: ao mesmo tempo que está prestes a ser levantada a proibição das mulheres conduzirem, foram detidas uma série de activistas que há anos ou décadas lutaram precisamente por este direito.
No Twitter, a ironia foi notada e algumas activistas (sobretudo as que vivem fora do país) colaram imagens das caras das mais importantes detidas no lugar da cara da princesa Hayfa bint Abdullah al-Saud, filha do rei Abdullah, que morreu em 2015, que aparece na capa da revista feminina.
O artigo da Vogue elogiava ainda o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, também conhecido como MBS (filho do rei Salman, meio-irmão de Abdullah), por realizar algumas reformas – mencionando o fim da proibição dos cinemas em Abril, por exemplo, e também a proibição de conduzir, que deverá ter efeito a partir de dia 24 deste mês.
Mas nas últimas semanas foram detidas pelo menos onze mulheres conhecidas pela sua luta pelo direito de conduzir. Algumas foram entretanto libertadas, outras estão presas em locais incertos. Ao mesmo tempo, autoridades e media acusam-nas de “traição”, de serem “agentes de embaixadas”, e de conspirarem contra a “estabilidade e segurança do reino”.
A Human Rights Watch notava que algumas das activistas foram avisadas em Setembro para não comentarem o levantamento da proibição e não o comemorarem. “Tanto quanto sabemos, cumpriram este aviso, pelo que não percebemos porque é que isto está a acontecer”, disse Hiba Zayadin, da HRW, ao diário britânico The Guardian.
“É chocante que a Arábia Saudita esteja a deter importantes defensoras dos direitos das mulheres – as verdadeiras defensoras do fim da proibição de conduzir – mesmo antes de darem às mulheres o direito de conduzir”, disse pelo seu lado Rothna Begun, também da HRW, à Al-Jazira.
A Amnistia Internacional também notou que o tipo de acusações referidas por media e responsáveis poderão trazer penas elevadas – até 20 anos de prisão se forem condenadas.
Entre as detidas estão Loujain al-Hathloul, 28 anos, Aziza al-Yousef, 60, e Eman al-Nafjan, 39, três das mais importantes activistas.
Loujain al-Hathloul tentou conduzir dos Emirados Árabes Unidos até à Arábia Saudita em 2014, mas foi detida na fronteira e passou 73 dias presa, e tentou também ser candidata nas eleições de 2015, quando foi permitido pela primeira vez às mulheres votar e ser candidatas (o nome não estava nos boletins de voto). Voltou a ser detida no ano passado durante quatro dias.
Aziza al-Yousef, a mais velha das detidas, foi uma das primeiras activistas a lutar pelo direito das mulheres a conduzir, e foi também uma das promotoras de uma campanha pelo fim da exigência de as mulheres terem um guardião masculino (que pode ser o marido, pai, irmão, ou até um filho, e que é quem decide se podem estudar, trabalhar, pedir um passaporte, viajar, casar, separar-se, assinar contratos).
Eman al-Nafjan, uma conhecida blogger, foi já antes também detida, junto com Yousef, por terem conduzido sozinhas em Riad, em 2013. Foram libertadas depois de assinarem uma promessa de não voltarem a conduzir.
A Arábia Saudita "precisa de reformas e não de campanhas de relações públicas", comenta a Amnistia Internacional. “Enquanto o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman se continua a apresentar como um reformador, activistas pacíficos de direitos humanos que pedem reformas continuam a ser criminalizados”, disse Kareem Chehayeb, da Aministia Internacional, também à Al-Jazira. “Isto simplesmente não faz sentido.”
“Não há realmente reformas se os defensores de direitos humanos forem presos por pedirem apenas direitos humanos básicos”, disse Begum, da HRW.