“O que aconteceu no ano passado marcou toda a gente e está a influenciar a prevenção”
Caminha já passou por verões negros. A mistura entre o calor e o vento que se sentem em Agosto, e dificultam o combate às chamas, e o facto de a região não ter ardido no ano passado, com excepção do concelho de Monção, ajudarão a explicar por que razão é o terceiro município do país com maior risco. Este ano, intensificou as medidas contra os fogos.
O facto de ter sido considerada uma das zonas do país com maior risco de incêndio não é propriamente uma surpresa em Caminha, mas a câmara municipal já limpou, até agora, mais de 400 hectares do terreno a seu cargo, apoiando-se numa prevenção baseada em medidas de ordenamento do território aprovadas desde 2016 e intensificada neste ano.
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O facto de ter sido considerada uma das zonas do país com maior risco de incêndio não é propriamente uma surpresa em Caminha, mas a câmara municipal já limpou, até agora, mais de 400 hectares do terreno a seu cargo, apoiando-se numa prevenção baseada em medidas de ordenamento do território aprovadas desde 2016 e intensificada neste ano.
O concelho do Alto Minho, na fronteira com Espanha, é o terceiro do país com risco mais elevado de incêndios que ultrapassem os 250 hectares, após Monchique e Oleiros, afirma um estudo da Universidade de Lisboa e do Instituto Superior de Agronomia, divulgado na semana passada.
Apesar de não conhecer os parâmetros do estudo, o presidente da Câmara Municipal de Caminha supõe que a avaliação feita seja o resultado de vários factores: das densas florestas em zonas mais interiores do concelho, da orografia do território, com “zonas onde é muito difícil chegar”, da mistura entre o calor e o vento — a “nortada” — que se sente em Agosto e dificulta o combate às chamas e do facto de a região não ter ardido no ano passado, com excepção do concelho de Monção.
Caminha já passou por verões negros no século XXI. O ano de 2005 foi o pior do século, quando cerca de 40% do território florestal (4532 hectares) ardeu. Em 2013, o concelho foi novamente varrido pelas chamas, quando 1635 hectares se transformaram em cinza.
O monte de Santo Antão, com miradouro para o rio Minho e para Espanha, e a serra d’Arga, no interior do concelho, foram as áreas mais afectadas desde 2004 e 2012 e continuam a ser zonas de risco, tal como as zonas de Gondar e Orbacém, no sudeste do concelho, de Âncora, a sudoeste, e de Vilarelho, a noroeste, já perto da vila de Caminha.
Estes dados constam no Plano Municipal de Defesa da Floresta contra Incêndios, uma das medidas contra os incêndios aprovadas pelo município desde 2016, além do novo PDM, em 2017, que protege algumas áreas da construção em meio de floresta, e do Plano Municipal de Fogo Controlado, deste ano, refere o autarca Miguel Alves, que é também o presidente da Comissão Distrital de Protecção Civil de Viana do Castelo.
Estas medidas, explica, têm sustentado as acções de prevenção que permitiram ao município, até agora, limpar 411 hectares de território — 263 hectares junto às redes viárias e 158 em queimadas controladas, realizadas em zonas de difícil acesso ou declive acentuado. “Há algum adiantamento em relação a outros municípios. Mas o que aconteceu no ano passado, naqueles dois momentos trágicos, marcou toda a gente e está a influenciar o trabalho de prevenção”, acrescenta.
Miguel Alves reitera que todos os terrenos a cargo do município vão estar limpos até hoje, 31 de Maio, com excepção de algumas das faixas de gestão de combustível junto às estradas municipais, sem prazo limite definido. Sublinha, no entanto, que o município vai procurar ter o maior número de faixas de combustível instaladas até ao Verão.
Além da limpeza, também já investiu numa nova equipa de sapadores florestais, de cinco elementos, já no terreno, e na criação de duas Equipas de Intervenção Permanente, com cinco pessoas cada, para aumentar a capacidade de resposta das corporações de bombeiros do município — Caminha e Vila Praia de Âncora.
Para Miguel Alves, as duas corporações têm poucos elementos — 40, cada uma — à semelhança do que acontece no resto do distrito. “Nos últimos três anos, em média, somos o terceiro distrito com mais ignições e área ardida por habitante em Portugal, mas somos o último em termos de número de bombeiros por habitante.”
Medo da Hakea Sericea
O contraste entre a costa atlântica e a serra d’Arga, na zona mais interior do concelho, marca a paisagem de Caminha, apesar de se estender também a Viana do Castelo e a Ponte de Lima. Entre os relevos montanhosos, reduzidos núcleos populacionais formam a União de Freguesias de São João de Arga, Arga de Baixo e Arga de Cima, com pouco mais de 200 habitantes, muitos já envelhecidos, mas habituados a lidar com os incêndios.
“As pessoas aqui estão disponíveis. Sempre estiveram habituadas aos incêndios, e sempre se uniram para os apagar”, refere Ventura Gonçalves, membro da assembleia daquela união de freguesias.
A serra deparou-se com o calor das chamas nos verões de 2015 e de 2016. Perante os fogos, os três conselhos directivos de baldios da união de freguesias começaram a limpar as silvas, os fetos e os tojos que obstruíam os trilhos que recortam os montes.
Há outros receios, porém: chama-se háquea-espinhosa (Hakea Sericea). Originário da Austrália, o arbusto tem-se espalhado pelo litoral português, junto dos pinhais, e tem “um material combustível que arde muito rápido”, causa erosão do solo e pode danificar a urze, a origem do mel da região, afirma Ventura Gonçalves, embora os baldios já estejam a cortá-las.
A população está mais prevenida, reconhece, mas também mais preparada para o combate aos fogos, após ter recebido três kits de combate a incêndio — cada um tem 500 litros de água, 100 metros de mangueira e reboques —, no âmbito do orçamento participativo da câmara, em 2017. O município vai ainda realizar no território um simulacro de incêndio, em Junho, já prometeu também um investimento de 65.000 euros para instalação de antenas de telemóvel.
Apoios às famílias
“Serviços, neste ano, para particulares, já fizemos para aí uns 30. Ainda, no sábado, recusei trabalho, porque não tínhamos condições de fazer”, revela Jorge Silva, com o suor de 48 anos de trabalho a escorrer-lhe pelo rosto, enquanto desbasta o mato num terreno particular entre duas habitações, em Seixas, freguesia próxima à sede de concelho.
Líder de uma equipa de cinco pessoas, responsável, desde 1999, por cuidar do baldio de Riba d’Âncora, o sapador afirma que os incêndios do ano passado e a lei que obriga à limpeza de terrenos são os motivos que explicam o aumento da procura dos proprietários, já que, em anos anteriores, alguns deles nunca limparam por razões financeiras. “Se tivessem lá as árvores e não limpassem, ganhavam o mesmo como se limpassem. Se limpassem, tinham de pagar. Havia esse prejuízo”, explica.
Depois de algumas experiências em anos anteriores com terrenos juntos a habitações, que, normalmente, não são tão complicados como as florestas — a vegetação não é tão grossa e densa, afirma —, Jorge Silva, de 62 anos, esteve a limpar o terreno de um dos quatro proprietários até agora apoiados pelo município por razões económicas. “Aprovámos uma medida de apoio às famílias que não têm possibilidades nem físicas, nem financeiras para promover essa limpeza”, diz Miguel Alves.