Houve 28 juízes punidos em 2017 por infracções disciplinares
Três magistrados foram obrigados a deixar a profissão. Conselho Superior da Magistratura aplicou multas disciplinares no valor de 36.500 euros
Nuns casos deixaram acumular o serviço, noutros podem ter mostrado falta de urbanidade na forma como se relacionaram com os advogados ou com os arguidos. No ano passado o Conselho Superior da Magistratura aplicou penas disciplinares a 28 juízes, num universo de 1834 magistrados judiciais.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Nuns casos deixaram acumular o serviço, noutros podem ter mostrado falta de urbanidade na forma como se relacionaram com os advogados ou com os arguidos. No ano passado o Conselho Superior da Magistratura aplicou penas disciplinares a 28 juízes, num universo de 1834 magistrados judiciais.
Três destes casos dizem respeito a magistrados cujos comportamentos se revelaram de tal forma graves que foram obrigados a abandonar a profissão. Foi o caso da juíza Joana Salinas, condenada em tribunal por ter desviado dinheiro da Cruz Vermelha do Porto, que dirigia, com o objectivo de pagar a advogados para lhe escreverem as sentenças. A desembargadora viu-lhe aplicada a pena mais pesada de todas, a demissão – que, ao contrário da aposentação compulsiva, implica perda de regalias.
Estas estatísticas fazem parte do relatório anual do Conselho Superior da Magistratura, entregue esta semana ao presidente da Assembleia da República, segundo o qual no ano judicial anterior (de 1/9/2015 a 31/8/2016) o número de penas disciplinares aplicadas tinha sido de 31.
As mais leves são as advertências não registadas, mas os abusos dos juízes também podem originar transferências para zonas do país diferentes daquelas onde estão colocados, suspensões, perda de temporária de pensão – no caso de já se encontrarem aposentados – ou multas. No ano de 2017 o Conselho Superior da Magistratura encaixou cerca de 36.500 euros com as multas que aplicou, quando no relatório do ano anterior esse montante se tinha ficado pelos 32.700 euros.
Nas 28 penas disciplinares não está incluído o caso do juiz do Tribunal da Relação do Porto, Neto de Moura, que ficou famoso por ter proferido um acórdão em conjunto com uma colega que desculpava a violência doméstica contra uma mulher por ela ser "adúltera": o processo disciplinar de que foi alvo não está concluído. O mesmo sucede relativamente ao magistrado que tentou impedir a candidatura de Isaltino Morais à Câmara Municipal de Oeiras alegando que esta não cumpria todos os requisitos formais. Veio a descobrir-se que o juiz tinha um relacionamento próximo com um adversário eleitoral de Isaltino Morais.
Também ainda não é ainda conhecido o desfecho do processo disciplinar movido ao juiz de Lisboa que se recusou a cumprir as instruções do Conselho Superior da Magistratura para poupar papel e mandou os funcionários judiciais imprimir um processo na sua totalidade. Quando estes questionaram as suas ordens multou-os. Este magistrado foi suspenso preventivamente, ao contrário dos dois colegas anteriores, que se mantêm em funções. Neto de Moura até já voltou a julgar pelo menos um caso de violência doméstica.
Questionado sobre esta aparente disparidade de critérios no que à suspensão preventiva diz respeito, o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, Mário Morgado, escusou-se a dar explicações, alegando que não comenta casos concretos. À margem da assembleia-geral Rede Europeia de Conselhos de Justiça, a decorrer em Lisboa, Mário Morgado disse existir uma tendência de decréscimo das punições aplicadas por atrasos no serviço: "Mais de 90% das penas disciplinares resultam disso, mas uma monitorização mais próxima dos tribunais, feita através dos presidentes das comarcas, tem-nos permitido dar prazos aos juízes para normalizarem estas situações, resolvendo a maioria dos problemas sem necessidade de recurso a medidas drásticas."
Mário Morgado considera expectável que a maioria dos magistrados tenha obtido nas inspecções de que foi alvo a classificação de Muito Bom, como sucedeu quer em 2017 quer nos anos anteriores. Ressalvando que se trata de uma nota só atingível ao fim de dez anos de serviço, este responsável sublinha que o crivo por que passam os candidatos a juízes no Centro de Estudos Judiciários afasta desde logo aqueles que não estão tão bem preparados. "Cada juiz é avaliado de quatro em quatro anos. Mas se recebe a classificação de Medíocre é imediatamente suspenso, sendo aberto um inquérito para determinar se pode continuar em funções", descreve Mário Morgado.
Dos 369 profissionais inspeccionados em 2017, houve 172 classificados com Muito Bom, 91 com Bom com Distinção e 63 com Bom. O desempenho de 14 foi considerado suficiente e dois foram avaliados como tendo um desempenho medíocre.
Cativações criam problemas de pagamento
Apesar de ter passado a pagar os salários aos juízes, como reivindicava há vários anos, o Conselho Superior da Magistratura queixa-se no relatório anual de que nem sempre consegue que o Governo lhe entregue o dinheiro a tempo e horas. E dá conta de problemas com as cativações orçamentais que, de resto, Mário Morgado não nega: "Já tem havido atrasos no pagamento de ajudas de custo por causa disso." Houve alturas em que se viu obrigado a deitar mão de receitas próprias do Conselho para pagar transportes, deslocações e estadias dos magistrados ao seu serviço, como é o caso dos inspectores judiciais.