Socialistas já pensam no depois da votação de hoje da eutanásia - e no veto
Marcelo tem dito que só falará depois de ver o diploma, mas no PS já se admite o veto. Votação desta tarde é uma incógnita devido aos deputados do PSD e às faltas e desalinhados à esquerda, mas os diplomas do BE, PEV e PAN deverão ficar pelo caminho.
Mesmo que a despenalização da morte assistida consiga ser aprovada no final da tarde de hoje no Parlamento, os socialistas estão já a contar com o veto do Presidente da República e começam a olhar para uma solução para voltar ao assunto no início da próxima legislatura. Porque nesta nunca conseguiriam chegar ao número mínimo de 116 deputados necessários para confirmar a lei, já que o PCP vota contra por princípio. Já os deputados do PSD que votam contra também contam com Marcelo Rebelo de Sousa para o veto.
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Mesmo que a despenalização da morte assistida consiga ser aprovada no final da tarde de hoje no Parlamento, os socialistas estão já a contar com o veto do Presidente da República e começam a olhar para uma solução para voltar ao assunto no início da próxima legislatura. Porque nesta nunca conseguiriam chegar ao número mínimo de 116 deputados necessários para confirmar a lei, já que o PCP vota contra por princípio. Já os deputados do PSD que votam contra também contam com Marcelo Rebelo de Sousa para o veto.
No entanto, a contagem de cabeças para aprovar hoje pelo menos a proposta do PS parece ser suficiente com a ajuda de, no mínimo, sete deputados do PSD que já afirmaram publicamente que vão votar a favor – bancada onde vai faltar pelo menos Rui Silva, em viagem à China – e apesar de um voto contra já assumido do socialista Ascenso Simões.
Ao PÚBLICO, o deputado socialista Renato Sampaio – um dos nomes que era avançado como contra – contou que votará a favor do projecto do PS mas contra os restantes do BE, PEV e PAN e é essa também a sensibilidade entre alguns deputados do PSD que apoiam a despenalização da eutanásia, como é o caso de Margarida Balseiro Lopes. O CDS vota contra, a maioria do PSD também.
Sendo um contratempo para as expectativas de muitos apoiantes da causa da despenalização da morte assistida, esse cenário do veto presidencial permitiria que os quatro partidos que agora apresentaram projectos de lei pudessem levar o tema para a campanha eleitoral. Ou pelo menos três deles, já que o PEV – Partido Ecologista Os Verdes não deverá conseguir inscrever o assunto no programa eleitoral da CDU, a coligação com o PCP em que os ecologistas participam desde sempre, já que os comunistas são, por princípio, contra a eutanásia.
Marcelo Rebelo de Sousa, que em dois anos e quatro meses não enviou nenhum diploma para o Tribunal Constitucional, poderá usar diversos argumentos para vetar a lei sem precisar entrar pela análise jurídica. Entre eles estão o facto de o diploma não ter uma votação expressiva no Parlamento, de o processo legislativo efectivo se fazer em apenas dois meses (se for a votação final global antes das férias de Verão, como querem PS, BE e PAN) ou por não ter tido um significativo debate público envolvendo toda a sociedade. Embora seja normal que muitos projectos de lei sejam levados a votação na generalidade antes de serem pedidos os pareceres às entidades competentes, o tema em discussão tem um peso maior do que o normal e este momento há entidades como o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (que deu parecer negativo à proposta do PAN) que ainda não se pronunciaram sobre todos os projectos.
Limite da legitimidade dos deputados é a Constituição
Entre PS, Bloco, PEV e PAN, que apresentaram projectos de lei para a despenalização da morte assistida, apenas o último incluiu o tema no seu programa eleitoral, dizendo apenas querer “abrir a discussão” sobre a legalização da eutanásia “criando fóruns de discussão” – e não referindo o processo legislativo.
A socialista Isabel Moreira contesta a crítica de que os deputados não estarão, por isso, legitimados para legislar sobre o assunto. “Os programas eleitorais são as linhas essenciais de compromisso dos partidos, mas nós estamos eleitos para o que está definido na Constituição e a matéria de direitos, liberdades e garantias é da competência exclusiva da Assembleia.” E dispara contra a direita, que acusa de ter alterado, no último dia da legislatura, a lei do aborto, “matéria que foi alvo de referendo, obrigando as mulheres a consultas com objectores de consciência e acabando com a sua liberdade de escolha e privacidade”.
A deputada, que é a segunda subscritora da proposta, admite que o resultado de hoje “é uma incógnita” mas está “optimista” na aprovação por uma pequena margem. A votação será nominal, o que implica que cada um dos 230 deputados será chamado individualmente para anunciar o seu sentido de voto em cada um dos quatro projectos – e que o processo demore pelo menos uma hora. Isabel Moreira diz que será preciso fazer um “trabalho muito apurado na especialidade nestes dois meses até às férias de Verão”, aproveitando toda a bagagem de audições feitas para as petições a favor e contra a eutanásia que já foram debatidas no Parlamento.
A última reunião plenária do Parlamento está marcada para 18 de Julho. “Antecipar um cenário de veto em Belém é prematuro”, vinca a deputada, que diz estar concentrada no debate “sereno, com honestidade intelectual, e concreto sobre o que está efectivamente nos projectos”.
De direita ou de esquerda?
É por aí que Margarida Balseiro Lopes também quer ir esta tarde e confessa que “foi a decisão mais difícil” que teve que tomar nestes dois anos e meio. A questão não é “responder se somos a favor ou contra a eutanásia em geral, mas especificamente sobre o que está em votação e quais são as condições em que o acto médico é possível”. Vai votar a favor apenas do diploma do PS e contra os outros. Porque, no caso do PS permite que o processo seja interrompido se o doente ficar inconsciente; a comissão de verificação tem um leque alargado de especialistas além de médicos; há garantia de que é uma decisão ponderada, livre, consciente; e não inclui crianças nem doentes com depressão, descreve a deputada.
O debate terá cerca de duas horas e meia e o Governo não estará presente. Pelo PS, serão pelo menos Maria Antónia Almeida Santos e Isabel Moreira a defender o projecto. Já no PSD, a falta de uma posição oficial e o facto de o líder da bancada e o do partido terem visões opostas sobre o tema levanta a Fernando Negrão um problema para distribuir os 27 minutos a que a bancada tem direito no debate. Negrão confirmou ao PÚBLICO que fará uma intervenção e que haverá mais “um ou dois” deputados a falar, sem especificar se serão apoiantes do não ou do sim. “Teremos um debate construtivo e de esclarecimento de dúvidas”, prometeu.
Esta notória divisão do Parlamento mostra que a eutanásia não é um tema de que a direita ou a esquerda se possam apropriar. Isabel Moreira recusa essa “simplificação” porque defender ou rejeitar a morte assistida atravessa as ideologias políticas e religiosas. Margarida Balseiro Lopes também e coloca a questão no plano da “consciência, da experiência e das crenças mais profundas”.
Mas o politólogo do ICS António Costa Pinto discorda: “Globalmente a divergência em relação à eutanásia exprime-se quanto mais à direita se posicionar a pessoa e quanto maior for a sua consciência católica e a prática religiosa.” Mas há sempre excepções dentro dos partidos quando toca a “temas divisivos”. Este é um deles. A votação, por volta das 18h, seja ela qual for, provará isso mesmo.