Macron enerva estudantes com reforma do acesso à universidade
No dia em que saíram as primeiras colocações no ensino superior, quase 400 mil alunos ficaram sem saber se vão ter lugar numa universidade. Reforma tem motivado protestos e ocupações.
Na última semana, a rotina de centenas de milhares de jovens franceses passou a incluir uma consulta ansiosa a uma plataforma online que agrega as colocações no ensino superior e a esperança de deixar de ver a expressão “em espera” junto ao seu nome. O acesso garantido às universidades é mais um dos princípios basilares da sociedade francesa que Emmanuel Macron quer revolucionar. O resultado, dizem pais e professores, são jovens pressionados e angustiados com o futuro.
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Na última semana, a rotina de centenas de milhares de jovens franceses passou a incluir uma consulta ansiosa a uma plataforma online que agrega as colocações no ensino superior e a esperança de deixar de ver a expressão “em espera” junto ao seu nome. O acesso garantido às universidades é mais um dos princípios basilares da sociedade francesa que Emmanuel Macron quer revolucionar. O resultado, dizem pais e professores, são jovens pressionados e angustiados com o futuro.
No ano passado, o Governo decidiu pôr em prática uma profunda reforma do sistema de acesso ao ensino superior. A grande prioridade da ministra Frédérique Vidal era travar a taxa de reprovações, que atinge 60% dos alunos no primeiro ano da universidade. Contudo, o Governo evitou sempre falar numa “selecção”. Mexer no acesso às universidades é algo de muito sensível em França, onde é tradicionalmente garantida a entrada no ensino superior a todos os estudantes que concluam o secundário.
“Não se trata de recusar alguém que queira continuar os seus estudos”, garantia no Verão a ministra, numa entrevista ao Le Monde. “Queremos pôr em prática medidas pragmáticas de acompanhamento dos estudantes para terem sucesso no ensino superior.”
“Parcoursup”
Apesar das garantias dadas pelo executivo, os estudantes não deixaram de ver o “Parcoursup” -o nome da nova plataforma informática pela qual passa o acesso ao ensino superior, que se tornou sinónimo da reforma - como uma tentativa de dificultar a entrada nas universidades. O resultado foram as várias ocupações de edifícios universitários um pouco por todo o país nesta Primavera. Num protesto num liceu de Paris, a polícia chegou a deter mais de cem pessoas, incluindo vários menores.
Uma das principais alterações é que os estudantes deixam de poder hierarquizar as suas opções de entrada. Até agora, os candidatos apresentavam uma lista de cursos por ordem de preferência e eram colocados de forma automática, de acordo com as suas médias – um pouco à semelhança do que acontece em Portugal. Mas o sistema causou muita polémica no último ano lectivo, devido a casos de alunos colocados por sorteio em cursos onde a procura era elevada.
Com a reforma, os estudantes escolhem apenas dez cursos, sem ordem de preferência, mas os seus professores do liceu passam a entrar no processo, expressando opiniões sobre as escolhas de cada aluno. O dossier de cada aluno é avaliado pelas universidades.
A integração das escolas secundárias no processo de escolha foi mal recebida pelos estudantes. “Todos tivemos um dia aquele professor que nos disse que nunca iríamos a lado nenhum na vida”, disse ao Le Parisien o dirigente estudantil Mathias Goasmat.
São as universidades que escolhem, um a um, os estudantes que entendem terem mais condições de sucesso. Esta é outra das grandes alterações do “Parcoursup”. Nas últimas semanas as universidades foram “inundadas” por milhares de dossiers individuais para analisar.
O Le Monde dava o exemplo do curso de Ciências da Educação na Universidade Paris V, que recebeu três mil candidaturas para 80 lugares. Depois de seleccionarem os candidatos mais apropriados, o processo regressa às mãos dos estudantes que, entre os cursos para os quais foram aceites, fazem a sua opção.
“Em espera”
O dia 22 de Maio estava na mente de milhares de famílias que aguardavam notícias sobre as colocações dos jovens finalistas do secundário. Mas para quase metade dos 800 mil candidatos, o dia começou com um choque, ao depararem com a informação de que a sua candidatura estava “em espera”.
O Governo tem tentado desde então acalmar estudantes e famílias, explicando que essa informação não significa que o aluno não consiga entrar na universidade.
Receando o choque que as colocações iriam trazer, o Ministério do Ensino Superior emitiu guiões para que os professores acalmassem os jovens. “Tranquilizar as famílias: isto é um processo que está a ‘começar’” ou “lembrar aos candidatos susceptíveis de estarem interessados que as vagas em cursos de aprendizagem estão ainda abertas”, eram algumas das instruções.
Mas a ansiedade está já instalada. “O ‘Parcoursup’ fez parte das nossas vidas desde o início do ano (…), todo este trabalho com as cartas de motivação e o currículo, um investimento incrível para todos os estudantes e os pais”, dizia ao Le Monde Agnès, mãe de um aluno dos arredores de Paris, que descreve ter sentido “uma estalada de uma violência inédita” ao ler “em espera” na candidatura do filho.