Nem elogio à esquerda, nem crítica à direita
O congresso do PS marcou uma mudança sibilina no discurso e posicionamento do PS, preparando uma nova legislatura muito diferente.
Esqueçam Pedro Nuno Santos e a discussão sobre a viragem à esquerda, porque o congresso deste fim-de-semana foi o congresso de António Costa. E talvez o surpreenda admitindo que marcou uma mudança sibilina no discurso e posicionamento do Partido Socialista. Na verdade, surpreendeu-me a mim.
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Esqueçam Pedro Nuno Santos e a discussão sobre a viragem à esquerda, porque o congresso deste fim-de-semana foi o congresso de António Costa. E talvez o surpreenda admitindo que marcou uma mudança sibilina no discurso e posicionamento do Partido Socialista. Na verdade, surpreendeu-me a mim.
Começando pelo princípio: este não foi o congresso de Pedro Nuno, porque o PS de António Costa não o deixou sozinho no palco dos potenciais sucessores. A par do discurso pragmático de Fernando Medina, que foi lá marcar território, os socialistas ouviram e aclamaram Ana Catarina Mendes, quando a número dois de Costa subiu ao palco para celebrar Centeno e repor o PS no lugar de partido “de charneira”, a velha expressão de Mário Soares quando disputava espaço à direita, mas afastava as frentes de esquerda. No fundo, quando punha o PS como único partido que conseguia negociar com a direita e com a esquerda.
Este foi o congresso de Costa, precisamente, porque ele reposicionou o PS. Fê-lo por omissão, com um discurso de encerramento que não teve um único elogio à esquerda, que o tem apoiado na governação; e que também não teve uma única crítica à direita, com que já abriu vias de comunicação.
Pode parecer coincidência, mas nós sabemos como Costa não é dado a coincidências. E sabemos também que vêm aí legislativas e como, na hipótese de o PS as vencer, é provável que o partido tenha de regressar ao lugar de Guterres, governando sem acordos fixos, ora à esquerda, ora à direita.
Mas o regresso ao lugar “de charneira” não ficou só pelo que não foi dito. Porque Costa definiu uma prioridade absoluta para o próximo Orçamento que nada tem que ver com mais investimento na Saúde e Educação, ou com os aumentos salariais para a função pública que BE e PCP não se cansam de reclamar. Ao invés, a prioridade de Costa é um programa para trazer de volta os jovens qualificados, aqueles na geração dos 20 e 30 anos, que pouco votaram nas últimas legislativas e tão decisivos podem ser, se voltarem a votar.
Sem coincidências também, a prioridade de Costa encaixa como uma rosa na velha “paixão pela Educação” de Guterres. Assim como encaixa no novo lema que passou pelo ecrã do congresso, no dia do encerramento: “Um país para todos.”
Sem dizer nada, sem afrontar ninguém, Costa mudou a agulha do seu PS e posicionou-o nas campanhas que se seguem. Se as vencer e a esquerda não se quiser juntar, ele será um primeiro-ministro “para todos”, governando à vez com quem quiser. Só não lhe chamará a “terceira via”, porque na contagem de Costa será a sua segunda.