Em São Lourenço do Barrocal, “está tudo diferente, está tudo igual”

No dia em que Souto de Moura recebeu o Leão de Ouro na Bienal de Veneza, celebrou-se na herdade de São Lourenço do Barrocal.

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Sábado, no complexo turístico de São Lourenço do Barrocal, nos arredores de Monsaraz, foi dia de celebração. Foi com surpresa e pela leitura dos jornais que José António Sousa Uva soube que o Leão de Ouro da Bienal de Arquitectura de Veneza tinha sido nessa manhã atribuído a Eduardo Souto de Moura pelo projecto de recuperação do grande monte alentejano que está na sua família há muitas décadas e pela sua transformação num hotel de 5 estrelas.

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Sábado, no complexo turístico de São Lourenço do Barrocal, nos arredores de Monsaraz, foi dia de celebração. Foi com surpresa e pela leitura dos jornais que José António Sousa Uva soube que o Leão de Ouro da Bienal de Arquitectura de Veneza tinha sido nessa manhã atribuído a Eduardo Souto de Moura pelo projecto de recuperação do grande monte alentejano que está na sua família há muitas décadas e pela sua transformação num hotel de 5 estrelas.

O arquitecto português optou por mostrar na bienal italiana apenas duas grandes fotografias aéreas, tiradas antes e depois da intervenção, e os visitantes encontram-nas no espaço expositivo do Arsenal, enquadradas pela luz natural de uma das janelas. O júri que atribuiu o prémio referiu que ficaram impressionados com “a simplicidade da apresentação e com a elegância da representação”, tal como contava o PÚBLICO.

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O projecto premiado de Souto de Moura em Veneza Francesco Galli/cortesia da Bienal de Veneza

Além de estar ansioso por dar os parabéns a Eduardo Souto de Moura, José António Sousa Uva só lhe pode agradecer por ele ter seleccionado o Barrocal para levar à bienal. Quando leu a reportagem da jornalista do PÚBLICO em Veneza, o empreendedor alentejano achou muito interessante que se falasse de um gesto de uma “simplicidade radical”, pois considera que o conceito está muito presente nos 16 anos de trabalho que já leva no Barrocal.

Desde o momento que regressou do estrangeiro aos 26 anos, onde se formou em Gestão na Escola de Comércio de Paris, a ESCP, até ao momento em que abriram ao público em 2016 e ele tinha 40 anos, passaram-se 14 anos, oito dos quais a trabalhar com o arquitecto Souto de Moura e com a equipa dele. “Foi um processo de valorização da arquitectura popular e dessa sensibilidade referida no texto do PÚBLICO que está muito assente no princípio da auto-suficiência”, explica José António Uva durante uma conversa telefónica.

“Todo o processo de reabilitação do Barrocal foi bastante complexo”, conta. “Essa complexidade teve que ver também com a necessidade de se encontrar os materiais que deram origem à construção dos edifícios em 1820 e que são exactamente os mesmos materiais que se usaram na reabilitação: o tijolo-burro, a cal, a pedra. E é surpreendente que num evento como a Bienal de Veneza, onde a contemporaneidade é muitas vezes futurista, se veja a valorização e quase que uma homenagem aos ofícios e à auto-suficiência do campo.”

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Nelson Garrido

Na primeira visita que Eduardo Souto de Moura fez ao Barrocal, conta José António Uva, o arquitecto disse-lhe uma frase que considerou muito bonita e que considera ser o reflexo dos oito anos que trabalharam em conjunto. “Se eu começar a redesenhar estes edifícios, nunca mais acabo e vou acabar por descaracterizá-los. Os edifícios são estes, os materiais são estes e é com isto que vamos adequar.”

Num dos vídeos que estão disponíveis na página oficial de São Lourenço do Barrocal, Souto de Moura lembra um professor que teve e de quem gostava muito, o arquitecto Fernando Távora, que lhe dizia que, quando as coisas são muito complicadas, há que as pôr simples, para se resolverem os problemas pela simplicidade: “Se é de mais, isto estraga-se, se é de menos, não resiste.”

Foi esse o trabalho que o arquitecto, os engenheiros e todas as equipas que estiveram envolvidas no projecto tentaram fazer. “Os volumes são exactamente os mesmos, as volumetrias não foram alteradas. A simplicidade é tal que é muito difícil perceber quais são os vãos que foram abertos e aqueles que lá estavam, quais são os alçados originais e aqueles que tiveram de ser reabilitados. Isso é que foi fascinante nesta obra toda”, diz o empreendedor.

 “Tudo aconteceu num momento muito particular. Este é um projecto muito especial para mim, seguramente, dediquei a minha vida recente a ele, mas também para a equipa de Eduardo Souto de Moura, mesmo para o empreiteiro, para os arquitectos paisagistas e os engenheiros. Era um momento muito particular da economia portuguesa, estávamos a atravessar uma crise, mas não foi por isso que deixámos de acreditar no trabalho e na forma.”

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Nelson Garrido

Hoje, diz José António, são essencialmente uma empresa agrícola e uma empresa turística e nas duas actividades existem mais de 100 pessoas a trabalhar actualmente na herdade com 780 hectares. “Numa herdade que estava, literalmente, ao abandono”, acrescenta. Tal como no passado regem-se pelo princípio da auto-suficiência. Têm um modelo agrícola completamente diferente do de outros tempos, estão ligados ao turismo e à cultura de serviço, “que é uma coisa bastante recente no Alentejo”, afirma Sousa Uva. Têm a horta, fazem vinho, azeite, cultivam legumes, fruta, cereais e fazem o pão. “Sendo tempos diferentes, há uma certa continuidade. É engraçado que o que aconteceu quanto à arquitectura também acontece relativamente à vivência: estando tudo diferente, está tudo igual.”