As terceiras vias “blairistas” são pouco sociais e pouco democráticas
O caminho que os partidos socialistas têm de tomar é a defesa intransigente da social-democracia original.
A discussão, que tem sido intensa nos últimos dias neste jornal, entre diversas personalidades do Partido Socialista, sobre o que representa a social-democracia, quais as suas possibilidades de futuro, a definição de vias (desde a terceira em diante) até à adjectivação da mesma, reflectem uma fractura ideológica dentro desse partido, que mimetiza a fractura ideológica que se verifica noutros partidos socialistas europeus (vide o Labour Party na Inglaterra).
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A discussão, que tem sido intensa nos últimos dias neste jornal, entre diversas personalidades do Partido Socialista, sobre o que representa a social-democracia, quais as suas possibilidades de futuro, a definição de vias (desde a terceira em diante) até à adjectivação da mesma, reflectem uma fractura ideológica dentro desse partido, que mimetiza a fractura ideológica que se verifica noutros partidos socialistas europeus (vide o Labour Party na Inglaterra).
Na verdade, a social-democracia que surgiu após a Segunda Guerra Mundial, e que teve o seu epicentro na Europa democrática, é o único sistema social que, deveras, podemos denominar de social-democracia. Isto porque esse sistema é o único realmente social e realmente democrático.
Foi também esse o único sistema que conseguiu combinar prosperidade económica com distribuição da riqueza, combate efectivo à pobreza, inclusão e mobilidade social. Não por acaso, é esse o sistema que garante a máxima felicidade social (todos os estudos o comprovam).
O que aconteceu a partir dos anos 80 do séc. XX, com o avançar demolidor do neoliberalismo e a queda do muro de Berlim, no final dessa década, foi uma tomada de controlo de poder pelas ideologias da direita liberal, que foram constringindo cada vez mais o espaço e a possibilidade para a social-democracia.
Desde a liberalização incondicional dos mercados mundiais (permitindo o dumping social, a mobilidade dos capitias e a evasão fiscal) até à consagração de políticas direitistas nos tratados europeus (desenhados pelo Partido Popular Europeu), tudo isso fez com que os partidos socialistas tivessem cada vez mais dificuldade em seguir o rumo da social-democracia.
Como resposta, alguns líderes socialistas procuraram fazer um contraponto ao neoliberalismo através daquilo que podemos chamar de um liberalismo mitigado, com toques de preocupação social. Essa foi a terceira via de Blair, Clinton, Jospin ou Sócrates, entre outros.
Na prática, a lógica era privatizar quase todas as funções do Estado, estabelecer parcerias público-privado na saúde, segurança social, educação e obras públicas, acreditando que a gestão privada era mais eficiente que a pública, e que entidades reguladores e as regras de concessão garantiam os aspectos sociais necessários para uma vida em comum mais justa.
Acontece que a realidade da experimentação dessas terceiras vias demonstrou-se um rotundo fracasso: os contratos foram manipulados na direcção dos interesses privados, a qualidade dos serviços públicos assim construídos deteriorou-se (menor qualidade e maiores custos) e as agências de regulação mostraram-se altamente ineptas e capturadas pelos interesses daqueles que deviam controlar.
Os únicos que verdadeiramente lucraram com estas experiências foram os diversos políticos que tiveram responsabilidades na instalação de tais sistemas, uma vez que, mal abandonaram a vida política, instalaram-se em empresas privadas antes beneficiadas.
No fim do dia, essas terceiras vias provaram-se tudo menos sociais-democratas.
Pouco sociais, porque não foram capazes de responder às necessidades crescentes da população em termos de serviços de saúde, de segurança social, educativos e de emprego, notando-se, pela primeira vez em muitos anos, as gerações mais novas a terem piores condições de vida do que as gerações mais velhas.
Pouco democráticas, porque se percebeu que muitas das decisões fulcrais para o futuro das nações já não estavam na esfera de poder dos políticos nacionais, mas sim entregues nas mãos de burocratas de organizações supranacionais muito pouco democráticas.
Perante isso, as populações preferem votar nos liberais, que não prometem o social, mas acenam com a baixa de impostos e supostas eficiências de mercado, ou nos populistas que, percebendo que nem liberais nem socialistas estão a ser capazes de responder às necessidades do povo, chegam ao poder com promessas drásticas, que não se sabe se funcionarão.
Enfim, o caminho que os partidos socialistas têm de tomar é a defesa intransigente da social-democracia original, tendo para tal que combater em conjunto a evasão fiscal, a libertinagem financeira e o dumping social.
De resto, é hoje mais fácil fazer política social do que anteriormente: é que nunca o mundo foi tão rico. O que temos é que fazer uma fortíssima redistribuição dessa riqueza. E todos os partidos socialistas têm a obrigação de entrar nesse combate.