Cavaco diz que os deputados não têm mandato para aprovar a eutanásia
No mesmo dia em que Rio lamentou a “pressão” dos que estão contra a morte assistida, o ex-Presidente ?da República e antigo líder do PSD avisa que não votará em 2019 em partidos que aprovarem a eutanásia.
Interrompendo o silêncio a que se tem obrigado, Cavaco Silva interveio ontem para desferir um violento ataque à legalização da morte assistida, que vê como uma autorização para “matar outra pessoa”. Numa declaração gravada em vídeo para a Rádio Renascença, o ex-chefe de Estado defende que os eleitores não devem votar, nas legislativas de 2019, nos partidos que apoiarem a legalização da eutanásia.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Interrompendo o silêncio a que se tem obrigado, Cavaco Silva interveio ontem para desferir um violento ataque à legalização da morte assistida, que vê como uma autorização para “matar outra pessoa”. Numa declaração gravada em vídeo para a Rádio Renascença, o ex-chefe de Estado defende que os eleitores não devem votar, nas legislativas de 2019, nos partidos que apoiarem a legalização da eutanásia.
Pelo menos o ex-Presidente da República não o fará. E até deixa um aviso: “Como eleitor, em 2019, não posso esquecer o que os deputados fizerem agora”. Cavaco, que também foi líder do PSD durante dez anos, não faz qualquer alusão ao facto de o actual presidente do partido ser favorável à despenalização da eutanásia. Aliás, nesta sexta-feira, horas antes de a declaração de Cavaco Silva ser conhecida, Rui Rio queixou-se do “excesso de pressão” que, em seu entender, os que são contra a eutanásia fazem sobre o que são a favor.
“Considero a legalização da eutanásia a decisão mais grave para a sociedade portuguesa que a Assembleia da República pode tomar. Como cidadão, sem responsabilidades políticas, o que posso fazer para manifestar a minha discordância é fazer uso do meu direito ao voto contra aquelas que votarem a favor da eutanásia.” Na declaração à Renascença, o ex-Presidente da República acusa os deputados que defenderem os projectos — do PAN, BE, PS e PEV — que serão votados na terça-feira de não terem legitimidade para tal. Argumenta que o assunto não foi objecto de debate na campanha de 2015, pelo que os eleitores “não concederam mandato” aos parlamentares então eleitos para aprovarem nova legislação sobre o assunto.
“O que está em causa é a vida humana, o bem mais precioso de cada indivíduo”, enfatiza Cavaco, que questiona “como podem os deputados ignorar o parecer dos profissionais de saúde” e o “parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida”. “Como podem os deputados ignorar a posição das várias religiões em que os portugueses se revêem e que se juntaram para condenar a legalização da eutanásia? Estas são questões que os deputados não podem deixar de colocar à sua consciência.”
À consciência de “cada português”, Cavaco Silva pede que pense bem “o que significa uma pessoa, um médico, ser autorizado por lei da Assembleia da República a matar outra pessoa. Se tal acontecer, a nossa sociedade rompe uma barreira e dá um salto no desconhecido muitíssimo perigoso”.
Horas antes, o líder do PSD, Rui Rio, lamentava a pressão que tem notado daqueles que são contra a despenalização da eutanásia sobre os que são a favor, apelando a que se dê liberdade aos deputados para votar “em consciência”. No final de uma reunião com o Conselho Superior da Magistratura, Rio disse não ver “problema rigorosamente nenhum” em ter sobre esta matéria uma posição diferente do líder da bancada parlamentar, Fernando Negrão. “E é justamente por não ver problema nenhum que eu, logo no início, dei uma completa liberdade de voto ao grupo parlamentar do PSD. Nem sequer é colocável em cima da mesa que não haja liberdade de voto”, acentuou.
Para isso, o presidente do PSD considerou que os deputados têm de “poder votar totalmente em consciência”, notando que “daqueles que estão do lado do não há uma excessiva pressão sobre outros que possam estar no sim ou que possam estar com dúvidas no sentido de tentar trazê-los para a sua posição”. “E isso, sinceramente, choca com a minha maneira de ser. Lamento um pouco notar que, relativamente aos movimentos e às pessoas que defendem o não, há um excesso na pressão sobre os do sim”, criticou.
Rio não quis especificar de quem estaria a falar, mas garantiu que na sua cabeça “tem nomes” e conhecimento de algumas situações. “Infelizmente, à medida que nos aproximamos do momento da votação, que é terça-feira, tenho notado essa pressão que me desgosta. Gostava de ver uma sociedade mais livre, em que todos nos respeitássemos mais uns aos outros”, lamentou.
De acordo com o líder social-democrata, têm-se “assistido a pressões de fora para dentro, a tentar condicionar a Assembleia da República”. “O apelo que eu faço é que na sociedade portuguesa todos fizessem isso: dessem liberdade e não exercessem pressão nenhuma sobre os deputados, que são quem vai votar”, apelou. Rui Rio admitiu que faz “um esforço enorme para dar essa liberdade de voto”: “Porque o impulso para eu defender o sim de uma forma muito violenta é muito grande, mas depois tenho de respeitar os outros e tenho de me conter.”
No livro Morrer com Dignidade - A decisão de cada um, organizado pelo médico e ex-deputado bloquista João Semedo, o presidente do PSD considera “um imperativo do Estado, através dos seus instrumentos de intervenção política, assumir que a despenalização da eutanásia deve ser um direito consagrado no ordenamento jurídico português”. Com Lusa