Empresas em crise vão poder ter advogado pago pelo Estado

Recusa de protecção jurídica a pessoas colectivas com fins lucrativos em dificuldades é inconstitucional. Estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada ficam fora da decisão do Tribunal Constitucional

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ADRIANO MIRANDA / PUBLICO

As empresas, ao contrário do que acontece neste momento, vão poder pedir apoio judiciário, isto é, a dispensa do pagamento de taxa de justiça ou o pagamento da compensação de um advogado. Isto porque, de acordo com o Tribunal Constitucional (TC), é inconstitucional a parte da lei n.º 47/2007, referente ao acesso ao Direito e aos tribunais, onde se “recusa protecção jurídica a pessoas colectivas com fins lucrativos, sem consideração pela concreta situação económica das mesmas”.

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As empresas, ao contrário do que acontece neste momento, vão poder pedir apoio judiciário, isto é, a dispensa do pagamento de taxa de justiça ou o pagamento da compensação de um advogado. Isto porque, de acordo com o Tribunal Constitucional (TC), é inconstitucional a parte da lei n.º 47/2007, referente ao acesso ao Direito e aos tribunais, onde se “recusa protecção jurídica a pessoas colectivas com fins lucrativos, sem consideração pela concreta situação económica das mesmas”.

De acordo com o n.º 3 do artigo 7 dessa lei (que introduziu alterações ao diploma 34/2004), apresentada pelo governo de José Sócrates, “as pessoas colectivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não têm direito a protecção jurídica”. De fora da decisão do TC, e dos apoios,  ficam para já os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada.

Segundo o TC, a exclusão das pessoas colectivas com fins lucrativos viola o nº. 1 do artigo 20 da Constituição, no qual se estipula que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.

O acórdão do TC, o n.º 242/2018, proferido no passado dia 8 de Maio, teve como relator o presidente deste tribunal, Pedro Machete, e surge na sequência de uma intervenção do Ministério Público, após a mesma norma ter sido julgada “inconstitucional ou ilegal em três casos concretos”, como foi o caso.

Universo limitado

Já sobre os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, a decisão do TC não é aplicável, porque, explica este tribunal, “nos diversos julgamentos de inconstitucionalidade esteve apenas em causa” as pessoas colectivas.

Ou seja, e conforme confirmou ao PÚBLICO o Ministério da Justiça, a decisão do TC torna inaplicável a norma julgada inconstitucional, designadamente pelos tribunais. Este efeito “produz-se de per se”, pelo que “não é necessária qualquer alteração legal” ao diploma em vigor, clarificou fonte oficial do Ministério da Justiça. Mas, se não houver outra iniciativa, a questão do não acesso à protecção jurídica mantém-se para os estabelecimentos de responsabilidade limitada. Sobre esta questão, fonte oficial sublinhou que “o Ministério da Justiça não tem o propósito de, na sequência ou por causa do acórdão do TC, proceder a qualquer alteração da lei”.

Este é um processo que já dura há vários anos. Em 2010, o anterior provedor de Justiça, Alfredo de Sousa, depois de recordar os tratamentos diferenciados dados às empresas nesta matéria por parte do legislador, e das decisões distintas do Tribunal Constitucional, já tinha feito uma recomendação ao Governo onde defendia a concessão de apoio judiciário “às entidades com fins lucrativos”. 

Reclamação de Braga

O acórdão do TC agora divulgado, e que faz jurisprudência, tem a sua génese numa empresa de Braga que pediu a inconstitucionalidade da norma que a impediu de pedir apoio judiciário através da dispensa da taxa de justiça e outros encargos com o processo, bem como o pagamento de compensação do advogado (designado por patrono nos casos cíveis).

Em causa estava uma litigância com o Instituto da Segurança Social do Centro Distrital de Braga, e um processo de injunção de quase 83 mil euros. Em Novembro de 2016, o TC deu razão à empresa, naquele que foi a primeira de três decisões idênticas.

No entanto, o acórdão agora divulgado, e cuja decisão de inconstitucionalidade tem “força obrigatória geral”, não foi consensual: dois dos juízes estiveram contra, com voto de vencido, Fátima Mata-Mouros e João Pedro Caupers. “Impressiona-me que entes constituídos com o (legítimo) propósito de ganhar dinheiro, por não o conseguirem fazer, sejam auxiliados com o dinheiro dos contribuintes naquilo que para uma pessoa singular resultará normalmente de uma infelicidade, mas que para elas decorrerá, muito provavelmente, de falta de capacidade empresarial, de deficiente avaliação de riscos ou de ignorância do mercado, nos litígios judiciais em que se vejam envolvidos no exercício da sua actividade”, defendeu João Pedro Caupers.

Referindo-se aos instrumentos que já existem para as empresas em dificuldades financeiras, e através das quais podem beneficiar de apoios como a isenção de custas judiciais, o acórdão que acabou por vingar, com oito votos favoráveis, diz que estas teriam de recorrer a um Processo Especial de Revitalização (PER). E, diz o TC, “pode configurar-se a possibilidade de uma sociedade se encontrar numa situação em que não tem capacidade para, de imediato, assegurar o pagamento das despesas inerentes a um litígio judicial determinado, sem que, necessariamente, seja exigível que inicie um PER”, dando-se o caso de uma empresa que tenha créditos em atraso por receber.   

Ao PÚBLICO, a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) refere que o acórdão “vem ao encontro das preocupações” já expressas relativamente à ausência de protecção jurídica a empresas “que por questões de especial fragilidade financeira estavam na prática impedidas do acesso à justiça, o que não raras vezes conduziu ao agravamento da situação de partida”.

A CCP, liderada por João Vieira Lopes, recorda que foi “muito crítica” da alteração feita no passado à lei em causa, “tendo, em vários momentos posteriores, designadamente, no âmbito de processos de concertação”, reivindicado a necessidade de “consagrar (repor) a faculdade das microempresas poderem recorrer a assistência judiciária para defesa dos seus interesses, em situações de fragilidade económica das mesmas”. A decisão de inconstitucionalidade por parte do TC vem dar assim “uma oportunidade às empresas em situação de fragilidade do acesso à justiça de uma forma efectiva”.

Segurança Social

Para aceder à protecção jurídica é preciso fazer o respectivo pedido ao Instituto da Segurança Social, com a entrega de diversa documentação que comprove a incapacidade económica para pagar as despesas de uma acção judicial.

Até aqui, estes apoios têm estado acessíveis apenas a pessoas e a entidades sem fins lucrativos. No caso destas últimas, exige-se a listagem de activos como imóveis ou acções, declarações de IRC ou IRS, de IVA, e documentos de prestação de contas dos últimos três exercícios (será preciso estabelecer a informação que caberá apresentar por parte das empresas). Depois, a decisão final de atribuir ou não o apoio cabe aos centros distritais.

Quanto ao advogado, este é nomeado pela Ordem dos Advogados, cabendo o pagamento de honorários ao Ministério da Justiça. Actualmente, e ao contrário dos particulares, as entidades sem fins lucrativos têm acesso ao apoio judiciário mas não à consulta jurídica (esclarecimento técnicos legais), quando a protecção jurídica, abordada pelo TC no acórdão em questão, é composta por estas duas vertentes.