A prática cinzenta do ministro Siza Vieira
Em Portugal já temos precedentes que cheguem para sabermos que políticos de negócios nunca nos trazem bons dividendos.
Quem abre uma empresa abre-a para fazer negócios. Esta constatação, banal de tão elementar, obriga-nos a perguntar que negócios tem em vista o ministro adjunto Pedro Siza Vieira ao abrir uma empresa com a esposa – a Prática Magenta, Lda. – literalmente na véspera de tomar posse no Governo. Seguramente não terá sido para se entreter nas horas vagas de ministro, que é cargo que não costuma oferecer muito tempo livre.
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Quem abre uma empresa abre-a para fazer negócios. Esta constatação, banal de tão elementar, obriga-nos a perguntar que negócios tem em vista o ministro adjunto Pedro Siza Vieira ao abrir uma empresa com a esposa – a Prática Magenta, Lda. – literalmente na véspera de tomar posse no Governo. Seguramente não terá sido para se entreter nas horas vagas de ministro, que é cargo que não costuma oferecer muito tempo livre.
A estranha iniciativa empreendedora de Pedro Siza Vieira suscitou uma discussão (com reflexos no debate quinzenal na Assembleia da República) centrada na violação claríssima da lei de incompatibilidades dos políticos. A isso, ministro e primeiro-ministro reagiram com um encolher de ombros: sim, a lei foi violada mas ninguém se magoou, pelo que basta pôr os papéis em ordem e seguir em frente. Esta resposta é em si reveladora do desdém com que a classe política encara as leis de prevenção da corrupção, atitude que aliás não é exclusiva deste Governo ou deste ou daquele partido. São leis que não para levar a sério, logo os políticos não as levam a sério. Aí, pelo menos, são transparentes.
Mas, mais uma vez, a discussão sobre a incompatibilidade (que se aplica apenas ao exercício de cargos sociais) ignora o verdadeiro problema, que é o facto de a Prática Magenta, Lda poder pacatamente existir. Um ministro que se permite deter uma empresa privada está numa situação perigosa por definição. Com a empresa constituída e em operação (ou pronta a operar) pode a qualquer momento um banqueiro, um grande advogado, um acionista de uma empresa energética ou qualquer outro interesse privado contratar o ministro para “gerir” a sua casa de campo, o seu bloco de apartamentos – por absurdo, a sua marquise – e por essa via transferir para a esfera do dito ministro, a coberto de um negócio entre privados, as somas de dinheiro que quiser. Os riscos de tráfico de influências e de corrupção são evidentes.
Em Portugal não temos a figura do “blind trust” existente em países como o Reino Unido ou os EUA, que obriga os titulares de cargos públicos a entregarem o seu património a um gestor independente enquanto estão em funções. Pedro Siza Vieira pode fazer os negócios de fim de semana que quiser, sem qualquer escrutínio. E, tanto quanto se sabe, a Comissão para a Transparência que há dois anos discute alterações legislativas no Parlamento não tem qualquer plano para abordar este problema, reduzindo as incompatibilidades ao mero exercício de cargos formais, o que em muitos casos significa atirar ao lado.
A ensombrar ainda mais a prática cinzenta do ministro Pedro Siza Vieira está o seu próprio currículo e a nebulosa das funções que exerce. Recorde-se que Siza Vieira, que veio substituir Eduardo Cabrita como ministro adjunto em 2017, não herdou nenhuma das pastas do seu antecessor. Os pelouros de Cabrita transitaram com ele para o Ministério da Administração Interna ou foram redistribuídos para a ministra da Presidência e Modernização Administrativa. Siza Vieira veio fazer a gestão política de processos avulsos por delegação do seu amigo António Costa. Entre esses processos, a política energética (onde são interessados os clientes da sua ex-sociedade de advogados, com quem aliás reuniu já no Governo) e a atração de investimento estrangeiro. Já tínhamos um ministro da Economia, ganhámos um ministro dos Negócios.
A empresa paralela, que tanto faz lembrar o precedente fresco de Manuel Pinho, tem de ser bem explicada. Faria bem o Ministério Público, ao abrigo dos seus poderes de averiguação preventiva, em verificar se de facto a Prática Magenta tem ou não atividade, com que clientes e em que montantes. Mas nem isso, mesmo que seja feito, iludirá o facto, também ele elementar, de que o servidor público e a empresa privada não podem coexistir. Em Portugal já temos precedentes que cheguem para sabermos que políticos de negócios nunca nos trazem bons dividendos.