Pessoas com doença mental criam livro de receitas saudáveis
Projecto no Hospital Magalhães Lemos associa a culinária à terapia ocupacional. Hoje apresentam um livro para o qual contribuíram vários chefs conhecidos.
De avental atado à cintura e touca na cabeça, Fernando Pereira, 46 anos, vai dizendo que “queria muito que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, provasse o gelado de banana com chocolate e coco” que está a fazer, numa cozinha do Hospital de Magalhães Lemos, no Porto. Passou o dia de ontem com os colegas, a maioria deles pessoas com esquizofrenia, a confeccionar as “iguarias saudáveis” do livro de receitas Sábio Sabor — Alimente o Seu Cérebro, que é apresentado nesta sexta-feira no hospital e que resulta de um projecto de terapia ocupacional de culinária no qual participam.
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De avental atado à cintura e touca na cabeça, Fernando Pereira, 46 anos, vai dizendo que “queria muito que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, provasse o gelado de banana com chocolate e coco” que está a fazer, numa cozinha do Hospital de Magalhães Lemos, no Porto. Passou o dia de ontem com os colegas, a maioria deles pessoas com esquizofrenia, a confeccionar as “iguarias saudáveis” do livro de receitas Sábio Sabor — Alimente o Seu Cérebro, que é apresentado nesta sexta-feira no hospital e que resulta de um projecto de terapia ocupacional de culinária no qual participam.
Fernando não vai concretizar o sonho de ver o Presidente, mas tem a importante tarefa de representar os colegas na sessão de apresentação deste projecto da Associação de Familiares, Utentes e Amigos do Hospital Magalhães Lemos (AFUA-HML) — associação que comemora, de resto, 19 anos de vida. Nervoso? “Ainda não!”, responde, certo de que vai falar perante meia de centenas de pessoas, como a madrinha do projecto, a nutricionista Ana Bravo, e a chef Joana Alves. Todos contribuíram com receitas para o livro de pequenos-almoços e lanches.
O livro também contém receitas dos chefs Justa Nobre, Kiko Martins e Miguel Mesquita que aceitaram o desafio da AFUA. “Todos receberam uma lista de ingredientes que estimulam o cérebro para introduzir nas receitas que iriam criar, como banana, noz, linhaça e abacate”, conta a psicóloga da AFUA-HML, Susana Sá Fernandes. E que está à frente do projecto social Sábio Sabor que nasceu, em 2017, como terapia ocupacional, em ateliers de culinária, para os utentes com doença mental.
Juntam-se duas vezes por semana. Treinam competências psicossociais como a autonomia, auto-estima e a realização pessoal. E aprendem a comer de forma saudável. “Somos o que comemos”, diz a psicóloga. No caso de uma pessoa com esquizofrenia, com maior dificuldade de concentração, planeamento e dificuldade de memória a curto prazo, “esses ingredientes são fundamentais para o cérebro”, defende. Crê mesmo que a banana e as tâmaras são excelentes para o bom humor. “São propulsores da serotonina, que é um neurotransmissor do cérebro fundamental para o humor.” Os utentes que estão a cozinhar já sabem disso. A nutricionista Ana Bravo também ajudou nessa tarefa, “ao garantir o equilíbrio nutricional das receitas, porque uma boa nutrição é essencial para a saúde mental, desde as nozes, os cereais integrais, as leguminosas e os alimentos horto-frutículos”.
E qual o grande objectivo do projecto Sábio Sabor? Fernando responde logo, atarefado a descascar maçãs: “Informar as pessoas sobre alimentação saudável e arranjar emprego para nós.” A associação já registou Sábio Sabor como marca social para abrir um espaço onde possa empregar os utentes e vender os pratos das receitas do livro. Também explora o bar do hospital e tem alguns utentes ali a trabalhar.
Daniela Marques, 25 anos, está muito empolgada. “É mesmo meter a mão na massa”, diz, enquanto desfaz as rodelas de banana com a varinha mágica. “Já fiz as barritas de cereais. Vê?” Adora participar no atelier de culinária. “Ajuda-me a manter ocupada e depois noutros dias ajudo na parte administrativa e informática da associação. Não consigo arranjar emprego.” Depois de completar o 12.º ano, começarem as dores de cabeça que lhe viraram a vida do avesso. É seguida no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos. O mesmo sucedeu a Fernando. Aos 44 anos começou “a ter dores de cabeça” e a ouvir vozes. O diagnóstico de esquizofrenia “foi um choque”, conta. “Agora sinto-me normal, estou medicado, até moro sozinho. E este projecto é um desafio a cada momento.”