PCP recusa eutanásia: inscrever na lei o direito a matar-se é um "retrocesso civilizacional"
Comunistas defendem que deve prevalecer o "valor intrínseco da vida" e não a valoração da vida humana em função da sua utilidade, interesses económicos ou "discutíveis padrões de dignidade social". E deixam no ar a ideia de um eventual recurso ao TC.
É oficial: o PCP vai votar contra os quatro projectos de lei do PS, BE, PEV e PAN que propõem a despenalização da morte assistida e não concorda com a realização de um eventual referendo. Os comunistas fazem-no por uma questão de "princípio" baseada no que dizem ser uma "concepção de vida profundamente humanista", que defende a necessidade de assegurar o progresso social através de "condições de vida dignas para todos", argumentou o líder parlamentar, João Oliveira, durante uma conferência de imprensa nesta quinta-feira de manhã no Parlamento.
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É oficial: o PCP vai votar contra os quatro projectos de lei do PS, BE, PEV e PAN que propõem a despenalização da morte assistida e não concorda com a realização de um eventual referendo. Os comunistas fazem-no por uma questão de "princípio" baseada no que dizem ser uma "concepção de vida profundamente humanista", que defende a necessidade de assegurar o progresso social através de "condições de vida dignas para todos", argumentou o líder parlamentar, João Oliveira, durante uma conferência de imprensa nesta quinta-feira de manhã no Parlamento.
"A legalização da eutanásia não pode ser apresentada como matéria de opção ou reserva individual", defendem os comunistas, que acrescentam que "inscrever na lei o direito a matar ou a matar-se não é um sinal de progresso mas um passo no sentido do retrocesso civilizacional". Além disso, a morte antecipada tem "profundas implicações sociais, comportamentais e éticas que questionam elementos centrais de uma sociedade que se guie por valores humanistas e solidários".
É a consideração do "valor intrínseco da vida que deve prevalecer", defende o PCP, "e não a da valoração da vida humana em função da sua utilidade, de interesses económicos ou de discutíveis padrões de dignidade social". Até porque, diz João Oliveira, os "avanços científicos e técnicos (incluindo na medicina)" devem ser usados para "assegurar o aumento da esperança de vida e não para a encurtar, na dignificação da vida em vida".
Os projectos de lei do PS, Bloco, PEV e PAN que prevêem a despenalização da morte assistida a pedido do doente vão ser discutidos e votados na generalidade na próxima terça-feira, dia 29, na Assembleia da República. Se forem aprovados, os diplomas passam para a discussão na especialidade e PS, BE e PAN já defenderam que há condições para chegar à votação final global de uma lei ainda antes do Verão. O PEV tem sido mais cauteloso e preferia prolongar o debate até ao próximo ano. O CDS é frontalmente contra a eutanásia e é assim que toda a bancada irá votar, e o PSD - cujo presidente, Rui Rio, é a favor da morte assistida - deu liberdade de voto (e sem qualquer indicação de sentido de voto) aos seus deputados.
Caso venha a ser aprovado um diploma que derive dos quatro agora propostos e que admita a possibilidade da morte antecipada, João Oliveira admite que seja uma lei que pode estar ferida de inconstitucionalidade por a Constituição consagrar o direito à vida. "Toda esta discussão convoca princípios constitucionais evidentes, como a inviolabilidade da vida humana, o direito à vida ou a responsabilidade de o Estado assegurar e respeitar a via humana. E estes princípios terão que ser considerados", defendeu o deputado.
Se alguma das iniciativas for aprovada, "naturalmente também esses elementos precisam de ser considerados, e a posição que o PCP assume traduz os princípios constitucionais na sua integral ponderação, nenhum pode ser considerado isoladamente", argumentou João Oliveira.
Ficou no ar a hipótese de um eventual recurso ao Tribunal Constitucional no cenário de haver uma lei aprovada. Questionada pelo PÚBLICO já depois da conferência de imprensa, fonte da bancada disse, no entanto, que "está fora de questão" um pedido de fiscalização.
O líder do grupo parlamentar vincou que a oposição do PCP não tem a ver com a oportunidade nem o timing para esta discussão, embora também realce não haver “necessidade” destas medidas. “Não temos em Portugal uma situação do ponto de vista social, médico e clínico que coloque esta discussão como prioritária ou estas medidas como absolutamente necessárias para dar resposta a um problema social”, apontou.
"Perante os problemas do sofrimento humano, da doença, da deficiência ou da incapacidade, a solução não é a de desresponsabilizar a sociedade promovendo a morte antecipada das pessoas nessas circunstâncias, mas sim a do progresso social no sentido de assegurar condições para uma vida digna, mobilizando todos os meios e capacidades sociais, a ciência e a tecnologia para debelar o sofrimento e a doença e assegurar a inclusão social e o apoio familiar", defendeu o deputado.
O PCP, que utiliza a expressão "possibilidade da provocação da morte antecipada", lembra que a ciência já dispõe de recursos para "diminuir ou eliminar o sofrimento físico e psicológico" e que os cidadãos também já têm instrumentos jurídicos que lhes permitem decidir sobre o destino da sua vida. Como são os casos do testamento vital ou da abstinência médica. "Há uma diferença substancial entre manter artificialmente a vida ou antecipar deliberadamente a morte, entre diminuir ou eliminar o sofrimento ou precipitar o fim da vida", afirmou João Oliveira.
O deputado comunista deixou ainda críticas à forma como terão sido defendidos alguns projectos, sobretudo por classificarem a morte antecipada como um "acto de dignidade". "Pode expressar em alguns casos juízos motivados por vivência própria, concepções individuais que se devem respeitar, mas é também, para uma parte dos seus promotores, uma inscrição do tema em busca de protagonismos e de agendas políticas promocionais."