Queerquivo é um arquivo LGBT português “feito com o coração”
André Murraças criou o Queerquivo — Arquivo LGBT Português para receber e partilhar testemunhos emocionais de personalidades anónimas ou conhecidas sobre algo ou alguém que teve importância no seu desenvolvimento pessoal
"Qual é a drag portuguesa que te faz vibrar? Porque é que aquela canção da Amália te chegou ao coração? Que efeito teve em ti o coming out de determinado português? Porque é que a Eurovisão é o teu evento preferido? O que sentiste quando viste a Deborah Krystal ao vivo pela primeira vez? Como foi ver o primeiro beijo lésbico numa telenovela portuguesa? Como foi a tua primeira ida ao Frágil?"
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"Qual é a drag portuguesa que te faz vibrar? Porque é que aquela canção da Amália te chegou ao coração? Que efeito teve em ti o coming out de determinado português? Porque é que a Eurovisão é o teu evento preferido? O que sentiste quando viste a Deborah Krystal ao vivo pela primeira vez? Como foi ver o primeiro beijo lésbico numa telenovela portuguesa? Como foi a tua primeira ida ao Frágil?"
São estas as histórias que André Murraças procura. Depois de Barba Rija (a primeira websérie LGBT portuguesa) e de 50 Orlando, ouve (espectáculo de homenagem às vítimas do atentado em Orlando), o dramaturgo, cenógrafo e encenador português sentiu necessidade de criar um registo de personalidades LGBT nacionais.
Mais do que um repositório histórico, o Queerquivo – Arquivo LGBT Português pretende ser um "testemunho emocional, feito a várias vozes", sobre personalidades e ícones das artes (ou não), espaços que foram importantes para a comunidade — como os bares Frágil ou As Primas, em Lisboa — e eventos, como a Eurovisão ou o Festival da Canção. "Tem uma base documental, mas é feito com o coração", sumariza o impulsionador do projecto.
Neste sentido, André Murraças desafiou uma série de personalidades a escreverem sobre algo ou alguém que teve importância no seu desenvolvimento pessoal, cultural e artístico. "Não se pretende uma simples caracterização em como, por exemplo, o poeta Al Berto se destaca na vida LGBT portuguesa e, obviamente, na história de Portugal", descreve. "Há vários caminhos possíveis e inúmeras histórias por contar e que têm de ser contadas, registadas num arquivo repleto de identidades, vozes, classes sociais e disciplinas."
No Queerquivo já é possível ler a entrada de Lila Fadista (do projecto Fado Bicha) sobre Amália Rodrigues, o quanto António Variações marcou a adolescência de Carlos Reis, como um filme protagonizado por Ana Zanatti foi revelador para uma então jovem lésbica (Anabela Rocha) ou como Simone de Oliveira ajudou Simão Telles a criar Symone Lá Dragma. Durante o Verão, semanalmente, o site vai disponibilizar os testemunhos de personalidades como Miguel Abreu e Eduardo Pitta — que destacaram Lydia Barloff (nome de palco de José Manuel Rosado) e Guilherme de Melo. De momento, André Murraças tem em lista de espera cerca de 20 textos, mas "muitos mais estão a caminho". "No geral, as pessoas concordaram que fazia falta um arquivo consistente e, por isso, estão a reagir muito bem", justifica o dramaturgo.
André Murraças conta que tem recebido textos de pessoas de todas as idades, muitas vezes sobre a mesma figura. Para o encenador, "é engraçado ver como uma personalidade toca várias pessoas de perspectivas diferentes." "Bastam dez anos de diferença para que os testemunhos sejam totalmente distintos", acrescenta. Ao mesmo tempo, as histórias também são feitas de contrastes: "Há escritores que vão falar sobre a Natália Correia e como ela poderá ter sido a primeira poetisa a despertar o lado erótico na poesia; por outro lado, tenho alguém com 20 anos que quer escrever sobre uma drag queen que está agora a dar que falar nas noites lisboetas." Este arquivo "sobre todos, escrito por todos e acessível a todos" também não esquece os abandonados e maltratados bailarino Valentim de Barros, o transformista José Manuel Rosado (Lydia Barloff) ou o poeta António Botto.
Em Setembro, o Queerquivo passa do virtual para o material no Queer Lisboa, onde será lançado em formato livro, numa colecção com todos os textos. E depois? "Eu penso que é um projecto que, por ser tão variado e ter tantas camadas, pode continuar durante algum tempo", adianta André Murraças. Até lá, procura e está a receber "relatos abertos, sem filtros, de vários cantos, muitas vozes, sobre aqueles que admiramos e que têm de ficar escritos".