Morreu Philip Roth, o herói literário da América
Vencedor de um Pulitzer e um dos mais conceituados escritores do mundo, o romancista norte-americano deixa livros como Pastoral Americana e O Complexo de Portnoy, providos de marcas críticas sobre o judaísmo, a luxúria e o sonho americano. Tinha 85 anos.
O escritor norte-americano Philip Roth morreu aos 85 anos, nesta terça-feira à noite, em Nova Iorque. Para trás deixa obras que publicou ao longo de quase seis décadas, reconhecidas pelo público e pela crítica literária; muitas delas retratam o anti-semitismo e a cultura na América, a morte, a luxúria. Todas elas com um pouco de si, chegando a ser difícil distinguir onde termina o escritor e começa o narrador.
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O escritor norte-americano Philip Roth morreu aos 85 anos, nesta terça-feira à noite, em Nova Iorque. Para trás deixa obras que publicou ao longo de quase seis décadas, reconhecidas pelo público e pela crítica literária; muitas delas retratam o anti-semitismo e a cultura na América, a morte, a luxúria. Todas elas com um pouco de si, chegando a ser difícil distinguir onde termina o escritor e começa o narrador.
A notícia da sua morte, causada por uma insuficiência cardíaca, foi avançada pelo agente literário do romancista norte-americano, Andrew Wylie. O seu biógrafo, Blake Bailey, disse no Twitter que Roth morreu no hospital, rodeado de amigos.
Com mais de três dezenas de obras publicadas, Philip Roth é o autor de livros como A Mancha Humana, O Complexo de Portnoy, Casei com Um Comunista ou O Escritor Fantasma. Foi com a obra Pastoral Americana que venceu o Prémio Pulitzer de ficção em 1998. Apesar de ser anualmente apontado com um dos favoritos ao Nobel da Literatura, nunca chegou a receber essa distinção.
“Desde o início da sua longa e prestigiada carreira, a ficção de Philip Roth tem frequentemente explorado a necessidade humana de demolir, de contestar, de resistir e de se separar”, foram as palavras do Comité Pulitzer na altura em que lhe foi atribuído o prémio, a maior distinção de excelência não só no jornalismo, mas também em áreas como a música ou a ficção.
O reconhecimento não se ficou por aí: Roth é um dos raros escritores que juntam ao Pulitzer outros prémios de renome, como o importante galardão norte-americano Pen/Faulkner Award (que recebeu por três vezes), o National Book Award dos EUA com que foi agraciado, ou ainda o Man Booker International Prize.
Philip Roth começou a ser conhecido no universo literário com o livro de contos Adeus, Columbus (1959), fama que viria a ser cimentada com O Complexo de Portnoy, uma década mais tarde – este último é uma fantasia sexual narrada pelo protagonista, Alexander Portnoy, que desconstrói os mitos judeus acerca do corpo. Mas Roth preferia distanciar-se da fama e dos prémios. “A fama é uma distracção sem valor”, dizia ao PÚBLICO, em 2011. Os seus amigos mais próximos descrevem-no como reservado, modesto, com um discurso marcado por laivos de humor e um gosto por provocar os outros.
Muitos dos seus livros debruçam-se sobre temas como a luxúria, o judaísmo, o sonho americano, assim como a morte e a devastação inevitável do ser humano que vem de mãos dadas com a velhice.
Nove das suas obras têm como protagonista o seu alter-ego ficcional, Nathan Zuckerman. “Pouco me importa se sou eu ou é uma personagem. O que me interessa é o livro”, dizia numa entrevista de 2005 ao jornal britânico Guardian.
“Não me parece uma injustiça tão grande morrer”
De nome completo Philip Milton Roth, o escritor nasceu em 1933 na cidade norte-americana de Newark, Nova Jérsia; era o segundo filho de dois judeus de classe média. Roth era ateu, mas a sua educação judaica acabaria por ficar estampada em muitas das suas obras. “Não era religioso, nunca fui. A minha avó costumava dizer que o que se tinha passado antes da chegada deles aos Estados Unidos pertencia ao passado e, por isso, vivi sem ter de me relacionar com a pesada herança judaica e a permanente memória dessa história”, contou na entrevista ao PÚBLICO.
Chegou a ser criticado por isso. “Foram ataques muito sérios e vis de pessoas que não sabiam como é que eu vivia, qual era a minha realidade, e muito menos o que era uma obra de ficção”, explicava, em 2011. “Quem os fazia [ataques] não conseguia decidir-se se o que eu dizia era ou não baseado em experiências que tinha tido. Era a única preocupação que tinham.”
Em 2012, Philip Roth anunciou que o seu livro mais recente, Nemesis, seria o último de ficção que iria publicar – assim foi. Ainda que tivesse publicado posteriormente um livro de ensaios (Why Write?, 2017), escritos entre 1960 e 2013, tomou a decisão de não escrever mais ficção depois de reler todas as suas obras. “Sabia que não iria ter outra ideia boa”, disse ao New York Times, “sei que não vou escrever tão bem como escrevia.” “Não tenho a energia para aguentar a frustração. Escrever é frustração.”
Numa entrevista ao Guardian, em 2005, Roth dizia temer o esquecimento após a sua morte: “Não estar vivo, basicamente, não sentir a vida, não a cheirar. Mas a diferença entre hoje e o medo que tinha de morrer quando tinha 12 anos é que agora tenho uma espécie de resignação em relação à realidade. Já não me parece uma injustiça tão grande morrer.”