O maior anfíbio do mundo corre um enorme perigo de extinção na natureza
Um dos maiores levantamentos de campo na China constatou que a salamandra-gigante-da-china está à beira da extinção na natureza. Uma das principais causas é a elevada procura do mercado gourmet. Percebeu-se ainda que há, pelo menos, cinco espécies destas salamandras.
O futuro do maior anfíbio do mundo está cada vez mais em risco. Este é um dos alertas que duas equipas de cientistas fazem em dois artigos científicos na última edição da revista Current Biology. Se não se tomarem novas medidas de conservação, a salamandra-gigante-da-china pode mesmo desaparecer da natureza. Os cientistas avisam ainda que há falta de informação genética sobre as espécies. E como prova disso, anunciam que existem, pelo menos, cinco espécies de salamandras-gigantes-da-china e não apenas uma como se pensava.
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O futuro do maior anfíbio do mundo está cada vez mais em risco. Este é um dos alertas que duas equipas de cientistas fazem em dois artigos científicos na última edição da revista Current Biology. Se não se tomarem novas medidas de conservação, a salamandra-gigante-da-china pode mesmo desaparecer da natureza. Os cientistas avisam ainda que há falta de informação genética sobre as espécies. E como prova disso, anunciam que existem, pelo menos, cinco espécies de salamandras-gigantes-da-china e não apenas uma como se pensava.
Pode medir até 1,8 metros de comprimento e pesar cerca de 65 quilos. Estas características fazem da salamandra-gigante-da-china (ou Andrias davidianus) o maior anfíbio da Terra. Endémico do país que lhe dá o nome, faz parte da família Cryptobranchidae, que divergiu de outros anfíbios durante o período Jurássico.
Contudo, este anfíbio enfrenta tempos difíceis: está classificado pela Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) como “criticamente em perigo”. Desde os anos 50 que a sua população tem diminuído e as principais ameaças são a destruição do habitat, as alterações climáticas e a elevada procura do mercado gourmet. Devido a isso, estas salamandras são criadas em quintas para depois serem vendidas. “Actualmente, milhões de salamandras-gigantes-da-china vivem em quintas e os seus progenitores têm sido libertados em rios locais como parte de acções de conservação do governo, mas sem pré-avaliação das libertações através de testes genéticos ou rastreio de doenças”, alerta-se num dos artigos.
Para perceber o estado destas salamandras na natureza, uma equipa de cientistas realizou, entre 2013 e 2016, levantamentos de campo e inquéritos à população em 97 sítios de 23 províncias da China. Este é já “possivelmente” o maior levantamento à vida selvagem feito no país. Os dados mostram que as populações selvagens destas salamandras, que já foram numerosas, estão agora muito reduzidas (ou até extintas) nas áreas dos levantamentos. Constatou-se ainda que a caça ilegal é muito frequente.
“Não conseguimos confirmar se há populações selvagens de salamandras-gigantes-da-china vivas nos sítios estudados, e consideramos que a espécie encontra-se extremamente reduzida ou funcionalmente extinta ao longo de uma enorme área estudada”, escrevem os cientistas no artigo, acrescentando que não conseguiram fazer levantamentos em muitas áreas protegidas e que muitas das salamandras detectadas na natureza podem ter sido libertadas ou fugido das quintas onde foram criadas.
“A exploração excessiva destes incríveis animais para consumo humano tem tido um efeito catastrófico nos seus números na natureza num intervalo de tempo incrivelmente curto”, considera Samuel Turvey, da Sociedade Zoológica de Londres e um dos autores dos dois artigos, num comunicado da Cell Press, que edita a “Current Biology”.
Diversidade subestimada
No outro artigo científico, mostra-se que a falta de informação genética sobre as espécies pode ter efeitos negativos na sua conservação e que a diversidade genética é subestimada, sobretudo nos anfíbios.
Ao realizar testes genéticos à salamandra-gigante-da-china, a equipa verificou que haverá entre cinco e oito espécies destes anfíbios. Uma delas é já muito rara e, possivelmente, poderá estar extinta na natureza. “Não foi surpreendente descobrirmos mais do que uma espécie, como um estudo anterior já sugeria, mas a dimensão da sua diversidade, que pode chegar às oito espécies, e que ficou provada nas análises genéticas, deixou-nos quase sem fala”, refere no comunicado Jing Che, da Academia Chinesa de Ciências e também autora dos dois artigos.
Os testes genéticos vieram assim confirmar algo que já se suspeitava. Os investigadores observaram que as salamandras habitavam três rios principais na China – e muitos outros mais pequenos – que correm de forma independente para o mar. “Dado que as salamandras-gigantes-da-china não podem movimentar-se por terra, suspeita-se que, vivendo em diferentes sistemas fluviais, terão divergido ao longo do tempo. Agora deverão ser reconhecidas como espécies diferentes”, lê-se no comunicado.
Em ambos os trabalhos, os cientistas alertam ainda para a ineficácia e falta de medidas de conservação para estes anfíbios. Por exemplo, enquanto a legislação chinesa proíbe a captura de populações selvagens de salamandras-gigantes-da-china, o Ministério da Agricultura chinês apoia a libertação destes animais criados nas quintas como medida de conservação. Contudo, esta acção pode pôr em risco as salamandras-gigantes-da-china selvagens, pois as diferentes linhagens genéticas podem ficar misturadas e haver um alastramento de doenças na natureza.
“As estratégias de conservação para a salamandra-gigante-da-china requerem uma actualização urgente”, realça Jing Che. “Juntamente com grandes pressões como a caça destinada a quintas comerciais e a perda de habitat, é essencial que medidas de conservação adequadas sejam criadas para proteger a linhagem genética única destes fantásticos animais, que remonta ao tempo dos dinossauros”, diz por sua vez Fang Yan, do Centro Sprott para Investigação de Células Estaminais (em Otava, Canadá), que também assina um dos artigos.
O que propõem os cientistas? Acções fora do habitat das salamandras, como a criação de populações de diferentes linhagens genéticas em cativeiro, para que se consigam reproduzir e serem depois reintroduzidas na natureza. Como forma de apelo, Samuel Turvey salienta: “ Se não forem tomadas medidas urgentes de conservação, o futuro do maior anfíbio do mundo está seriamente em risco.”