Palestinianos denunciam Israel no tribunal de Haia por crimes na ocupação
Estado hebraico desvaloriza iniciativa, dizendo que acção não tem validade legal. Queixa é “teste ao mecanismo de responsabilização da lei internacional”, diz ministro palestiniano.
O ministro palestiniano dos Negócios Estrangeiros, Riyad al-Maliki, pediu nesta terça-feira aos procuradores do Tribunal Penal Internacional (TPI) que abra uma investigação a abusos e crimes cometidos em território palestiniano.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O ministro palestiniano dos Negócios Estrangeiros, Riyad al-Maliki, pediu nesta terça-feira aos procuradores do Tribunal Penal Internacional (TPI) que abra uma investigação a abusos e crimes cometidos em território palestiniano.
Esta é a primeira vez que os palestinianos pedem directamente a acção do TPI, que já analisa desde 2015 acusações contra Israel, incluindo actos cometidos na guerra do ano anterior em Gaza.
Israel diz que o pedido palestiniano não tem “validade legal”, pois a Autoridade Palestiniana não é um Estado e Israel tem tribunais que analisam questões relacionadas com as suas operações militares e nos territórios ocupados. O TPI, com sede em Haia, é considerado um tribunal de último recurso, pronunciando-se apenas quando as autoridades nacionais não actuam.
Em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel acusou a liderança palestiniana de “explorar o tribunal com objectivos políticos”.
O TPI aceitou a Palestina como membro em 2015 e assim pode investigar crimes cometidos no território, mesmo que os suspeitos sejam de Israel, que não é signatário. A investigação preliminar vinha a analisar os processos israelitas quanto às suas operações na guerra na Faixa de Gaza de 2014, em que morreram mais de dois mil palestinianos. Se estes processos forem consideradas insuficientes, isso poderia ser razão para uma investigação do TPI.
A denúncia palestiniana junto do TPI ocorre após semanas de protestos em Gaza em que morreram mais de cem pessoas e milhares ficaram feridas. Na chamada “Marcha do Retorno”, snipers israelitas dispararam contra palestinianos que se aproximaram da barreira que divide os dois territórios, matando 110 pessoas e deixando milhares de feridos.
Israel diz que a força letal foi necessária para impedir infiltrações do Hamas, no poder na Faixa de Gaza e que tenta levar a cabo ataques contra o Estado hebraico. Os manifestantes estavam desarmados, embora tivessem queimado pneus para dificultar a visibilidade dos atiradores e para se aproximarem da barreira, atirado pedras aos soldados, e lançado alguns papagaios com cocktails Molotov que causaram incêndios do lado israelita. Nenhum israelita ficou ferido durante estes protestos.
“Há uma cultura de impunidade de Israel em relação a crimes contra os palestinianos”, disse Malki, depois de se encontrar com a procuradora do TPI, Fatou Bensouda. “Esta queixa é o teste da Palestina ao mecanismo internacional de responsabilização e respeito pela lei internacional” e, por isso, “um passo histórico e importante”.
A decisão deveu-se, acrescentou, “à intensificação dos crimes” contra os palestinianos, incluindo contra “manifestantes desarmados na Faixa de Gaza”. Na queixa estão sublinhados crimes ligados à existência de colonatos judaicos em território ocupado, considerados ilegais pela lei internacional, e que foram objecto de uma opinião (não vinculativa) do Tribunal Internacional de Justiça (da ONU).
O TPI visitou os territórios no âmbito da investigação preliminar em 2015, mas ainda não decidiu se avança para uma investigação formal.
Para o especialista em direito internacional Alex Whiting o efeito imediato desta denúncia é que “faz com que seja mais difícil ao tribunal manter-se na fase de investigação durante anos e anos”, disse no Twitter.
Para o director do programa de Justiça Internacional da Human Rights Watch, Richard Dicker, a responsável do TPI deve agora “levar a cabo acções para uma investigação formal com o objectivo de responsabilizar os perpetradores de crimes graves e assegurar justiça imparcial e completa consistente com o estatuto do tribunal”.
Por outro lado, sublinha Alex Whiting, apesar do pedido palestiniano falar dos crimes israelitas, qualquer investigação do TPI avaliará todos os crimes potencialmente cometidos no território, incluindo por palestinianos.
Organizações de defesa de direitos humanos como a Human Rights Watch ou a Amnistia Internacional consideraram que Israel pode ter cometido crimes de guerra com os disparos sobre manifestantes desarmados das últimas semanas na Faixa de Gaza. Mas além de criticarem Israel também já apontaram, nos últimos anos, o dedo à Autoridade Palestiniana ou ao Hamas, por exemplo, por actos contra críticos, abusos ou tortura de prisioneiros, ou, no caso do Hamas, lançamento de rockets contra Israel.