Instituir o consumo da água da torneira é uma causa pública e amiga do ambiente
Se a qualidade da água da torneira é hoje em Portugal uma referência de que nos devemos orgulhar e o plástico um dos maiores problemas ambientais no mundo, qual será a razão que ainda leva algumas entidades públicas a não instituirem esta boa prática ambiental?
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Se a qualidade da água da torneira é hoje em Portugal uma referência de que nos devemos orgulhar e o plástico um dos maiores problemas ambientais no mundo, qual será a razão que ainda leva algumas entidades públicas a não instituirem esta boa prática ambiental?
Há duas razões que afirmamos, com coragem e frontalidade: A primeira são os maus hábitos e negligências ambientais, de alguns decisores de topo, situação que terá que ser resolvida pelo replicação de boas práticas ambientais nas entidades do estado. A resolução passa pela perceção urgente dos efeitos dos problemas ambientais, fruto das nossas opções do dia-a-dia e o investimento contínuo na educação ambiental, já hoje promovido nas escolas, para sensibilização das novas gerações.
A segunda razão é o lobby das empresas das águas engarrafadas, que através de uma estratégia de patrocínios a muitas iniciativas de elevada concentração de pessoas (ex: concertos, maratonas, congressos, festas municipais), limita totalmente o acesso gratuito à água da torneira por parte dos cidadãos, e disponiliza apenas o quase “monopólio” da água engarrafada, de um bem que é essencial à vida, a preços altos e incompreensíveis.
Esta situação só poderá ser resolvida através uma posição política clara e disruptiva. Com nova legislação, que garanta que o acesso à água da torneira, por parte dos cidadãos, passe a ser um direito, em condições de higiene e saúde pública, em todos os locais e eventos públicos: sejam eles as repartições das finanças, as escolas, os hotéis, os restaurantes, os cafés, mas também os eventos de grande concentração de pessoas, tais como, os concertos, festas da cidade, maratonas, congressos, como é aliás hoje considerado boa prática ambiental em muitas cidades do mundo.
A situação que hoje vivemos, e que limita o acesso à agua da torneira em espaços públicos, não deixa de ser intrigrante, do ponto de vista da sustentabilidade. Senão vejamos os factos:
- Se é do conhecimento público que o último Relatório Anual sobre o Controlo da Qualidade da Água para Consumo Humano em Portugal, apresentado pela ERSAR, reconhece que cerca 98,69% da água da torneira é controlada e de boa qualidade, e que esta continua a melhorar de forma consistente e permanente;
- Se todos sabemos que o volume total de resíduos em Portugal está estimado entre 20 a 30 milhões de toneladas, e que, desses, 4,64 milhões de toneladas são respeitantes a resíduos urbanos. E que nestes, 20% são referentes a resíduos de embalagem, aferindo-se em cerca de 11% o valor atinente a resíduos plásticos. E que, só no ano de 2016, e no âmbito da retoma do Sistema Integrado da Sociedade Ponto Verde, foram contabilizadas cerca de 26 milhões de toneladas de garrafas plásticas;
- Se neste momento um dos principais problemas ambientais no mundo é o lixo marinho, com destaque para as garrafas de bebidas, e que que se tornou uma ameaça não só à saúde dos nossos mares e costas, mas também à nossa economia e às nossas comunidades;
- Que o recurso à água da torneira apresenta vantagens inequívocas ao nível da redução da produção de resíduos e da racionalização do uso de recursos naturais, desígnios maiores da política de ambiente;
- Que o consumo da água da torneira pode gerar uma poupança, até 280 vezes, em comparação com o valor de compra de um litro de água engarrafada, reduzir o consumo de 5 kg de plásticos por cidadão/ano e contribuir de forma significativa para a diminuição da poluição do ar;
Por que razão a Assembleia da República, Orgão de Soberania representativo de todos os portugueses, ainda não adotou medidas claras, designadamente na substituição do consumo de água engarrafada por água da torneira, em todos os trabalhos parlamentares? Por que motivo ainda não implementou a medida, quando desde 2010 já foram aprovadas em plenário e em sede de comissão do ambiente duas propostas com esse objetivo amigo do ambiente?
Passados oito anos de termos iniciado esta discussão no parlamento, decidimos, num acto de cidadania e em defesa do ambiente, levar esta discussão ao XXII Congresso do PS e discuti-la amplamente com todos os seus participantes.
Pretendemos que esta discussão, no seio do maior partido português, leve todas as estruturas do PS (nacionais, distritais, concelhias e secções), assim como os seus eleitos em funções públicas, a implementarem este bom exemplo ambiental. E que o Grupo Parlamentar do PS, volte a propor em plenário a instituição do uso da água da torneira, com a maior celeridade, em todos os trabalhos parlamentares realizados na Assembleia da República.
Este será um bom exemplo replicável em outros órgãos de soberania e instituições públicas ou sob tutela do Estado, autarquias, agentes da área da educação e do turismo, podendo contribuir decisivamente para uma mudança de mentalidades que promova uma maior sustentabilidade ambiental e reconhecimento público do bom trabalho que tem sido realizado por todas as Entidades Gestoras de Água em Portugal.
Este movimento é simbólico, mas será na prática um dos maiores contributos ambientais que daremos às gerações futuras. Basta mudar a atitude, dar o exemplo e não negar a realidade.
Marcos Sá e Pedro Farmhouse, antigos Coordenadores do Ambiente do Grupo Parlamentar do PS e proponentes da Moção Setorial que “Institui a utilização de água da torneira na Assembleia da República, Entidades Públicas e Eventos Públicos de grande dimensão”, no XXII Congresso do PS