Chegou a hora H para Horácio Frutuoso

É um dos artistas emergentes de quem se fala. Depois da passagem pela feira de arte de São Paulo, Horácio Frutuoso apresenta-se na galeria Balcony com H, série de imagens-poemas que expõem tensão entre beleza e morte.

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Matilde Viegas

Nos últimos anos, entre exposições individuais e colectivas, performances e residências, Horácio Frutuoso (Porto, 1991) foi ganhando cada vez mais visibilidade. Hoje é hoje um dos artistas emergentes de quem se fala. Muito recentemente, evidenciou-se na SP-Arte, a feira de arte contemporânea de São Paulo. E tem agora em Lisboa, até 10 de Junho, a sua primeira exposição individual no espaço da galeria que o representa, a Balcony.

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Horácio Frutuoso estabeleceu-se há dois anos em Lisboa e desde então concentrou-se na poesia visual e no trabalho de computador BRUNO LOPES

O título: H. Podia ser uma alusão ao seu nome, mas remete mais para outras ideias. “É a única letra do abecedário que não tem um som associado, é muda, apontando para o silêncio”, diz-nos. É isso. O silêncio pode ser uma das portas de entrada no seu universo. Ou melhor, a falta de comunicação. “A dificuldade em expressar emoções, que é algo cada vez mais evidente a nível social”, afirma. Mas existem outras: o amor, como manual de sobrevivência em contextos onde os discursos são cada vez mais simplificados ou técnicos, ou a política, não no sentido do estado do país ou do mundo, mas das tensões que tudo contaminam, ou essas fronteiras nem sempre nítidas entre beleza, sensualidade e morte.

Na composição desse cosmos, Horácio Frutuoso tanto se inspira nas redes sociais, no escritor Yukio Mishima e em filósofos como Wittgenstein, como no imaginário iconográfico (e musical) do black metal ou de grupos como os Death In June. Nas pinturas a óleo que agora mostra, dá continuidade à exploração da palavra escrita e à sua composição, que vinha moldando a sua identidade, mas desta vez associando-a à imagem. “Esta exposição significa o maturar do trabalho de atelier nos últimos meses”, diz ao Ípsilon. “Quando vim para Lisboa, há dois anos, tive de adaptar o meu trabalho ao facto de não ter atelier, desenvolvendo projectos específicos para espaços expositivos. Foi aí que resolvi concentrar-me mais na poesia visual e no trabalho de computador. Mas nos últimos meses, depois de me ter estabelecido, passei a poder criar obras de maiores dimensões e a experimentar as pinturas a óleo. É um material tóxico, demora a secar, e só é possível num espaço que não tinha antes.”

Ele chama-lhe imagens-poemas. “Existe um relacionar de coisas, que já tinha feito anteriormente em pintura, com esse trabalho de poesia visual – coisas que vou recolhendo na rua ou na Internet, e que aponto num bloco, ou que sou eu que escrevo”, afirma, adiantando que lhe interessa reflectir, na esteira de filósofos alemães como Wittgenstein, “como podemos ser mais claros em termos de comunicação, pelo que dizemos ou escrevemos, ou, numa outra vertente, como é que as imagens podem ajudar ao pensamento”. Não lhe interessa que entre texto e imagem exista necessariamente uma relação directa. “A mera ilustração ou a descrição não me seduzem, interessa-me a possibilidade de isso criar outros significados ou então jogos de palavras”, expõe, dando como exemplo a pintura de um cão com a palavra “courage”, embora seja o “rage” que se evidencia.  

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Não bater certo

Horácio Frutuoso divide a exposição em dois blocos. Na parte de cima da galeria, “é como se estivéssemos à superfície, com o céu, a lua, com qualquer coisa de contemplativo ou de mais descritivo”, aponta, enquanto a parte de baixo “é o lugar das ideias e das emoções, qualquer coisa de mais íntimo”. As referências ao amor são uma constante – “muitos filósofos da tradição alemã pensam o amor como base dos problemas socais, quase como se todos os nossos problemas adviessem daí”, explica –, bem como alusões irónicas ao próprio campo da arte contemporânea, porque lhe "interessa reflectir" sobre a sua posição no meio artístico português.  

Um meio artístico que, na sua visão, ainda contém muitos vícios nocivos, mas que se tem vindo a dinamizar nos últimos anos, com a abertura de novas galerias – como a própria Balcony –, existindo um renovado interesse do exterior sobre o que se passa aqui. Um interesse que não se detém apenas na arte, mas do qual o tecido artístico acaba por beneficiar. “Senti muito isso em São Paulo”, reflecte. “Fiquei muito surpreso com o impacto na feira. A secção Solo não é a que chama mais a atenção, até porque há galerias muito grandes com trabalhos de óptimos artistas, mas as pessoas paravam lá e quando viam a placa Lisboa ficavam muito entusiasmadas, fazendo muitas perguntas sobre o que se passava aqui e sobre a galeria.”

Em São Paulo apresentou uma instalação site-specific composta por cinco tapetes, duas esculturas de acrílico e seis poesias visuais. “A ideia era criar um espaço íntimo, onde todos podiam entrar”, diz, revelando que algumas frases ou composições gráficas desse trabalho provinham do Facebook ou Instagram. O mesmo acontece na presente exposição. “Não posso negar que esses processos fazem parte do meu trabalho, até porque às vezes estou no atelier e, ao fazer uma pausa, vou ao Instagram, e podem surgir coisas que acabam por fazer algum tipo de clique e acabam por ser incluídas.”

Escritores nos quais se revê, como Mishima, também se cruzam com o seu trabalho. “A primeira pintura que fiz para esta exposição acaba por ser inspirada nele, pelo modo como desenvolve algum tipo de fetiche por figuras que estão em sofrimento, como se fossem mártires, mas que ao mesmo tempo expõem uma certa sensualidade. Há nele essa coisa do prazer, da busca da beleza, e ao mesmo tempo da destruição, da morte. Aliás, quando estava a montar a exposição lembrei-me de uma canção dos Death In June que aponta precisamente para aí. Chama-se Death is martyr of beauty.”

O grupo britânico, que criou impacto na década de 1980, pode ser outra forma de entrar em H. Não necessariamente pela música soturna, mas pela estética e pelas representações a ela associadas. “Eles despertam-me interesse porque têm aquele ar um pouco bélico e foram agregados a coisas politizadas e até ao fascismo, mas depois as letras são sobre morte, estrelas ou o nascer do sol; assumem-me como homossexuais e quando são confrontados com questões políticas dizem que não querem ter nada a ver com isso, e que até já mandaram embora músicos que estavam associados a partidos. Não batem certo. Gosto disso.”