"A sociedade devia valorizar mais os professores”
Professor Jorge Teixeira criou um clube experimental de Ciências e, com isso, elevou as notas à disciplina de Física e Química. A experiência, que se arrasta há 12 anos e que se alargou ao pré-escolar, valeu-lhe o Global Teacher Prize Portugal. Foi no que deu levar colheres de café, raquetes e barcos de brincar para as aulas.
Depois do reboliço dos últimos dias, Jorge Teixeira, o professor de Física e Química que viajou de Chaves a Lisboa para vencer o Global Teacher Prize Portugal, não tinha decidido na quinta-feira se ia ou não estar presente na manifestação que este sábado junta milhares de professores na reivindicação da contagem integral do tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira.
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Depois do reboliço dos últimos dias, Jorge Teixeira, o professor de Física e Química que viajou de Chaves a Lisboa para vencer o Global Teacher Prize Portugal, não tinha decidido na quinta-feira se ia ou não estar presente na manifestação que este sábado junta milhares de professores na reivindicação da contagem integral do tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira.
“Considero que a sociedade devia valorizar mais os professores”, desvia-se quando o PÚBLICO lhe pergunta se a tutela tem maltratado os professores e se concorda com as reivindicações da manifestação, que abarcam ainda horários efectivos de 35 horas semanais de trabalho, a abertura de novos lugares de quadro e medidas de combate à precariedade laboral.
“Há que dar muito valor aos professores que todos os anos mudam de escola. De Setembro a Dezembro, vivem num stress terrível porque mudar de escola é entrar num mundo completamente novo”, concede ainda. E sobre isto não se lhe arranca nem mais uma vírgula.
Apesar de ter tido a carreira congelada durante nove anos, quatro meses e dois dias, a cabeça deste professor está na disciplina de Física e Química e a sua preocupação é não desviar a conversa daquilo que motivou a entrevista: o prémio de 30 mil euros que distingue professores “inspiradores” e que tenham desenvolvido soluções inovadoras para lidar “com os desafios concretos dos contextos escolares”, conforme anunciam os promotores do concurso.
Logo para arranque de conversa, previsivelmente voltada para as metodologias usadas para espicaçar nos alunos a curiosidade e a apetência para as intrincadas fórmulas da Física e Química, Jorge Teixeira saca de uma colher de café do bolso das calças, abre uma garrafa térmica cheia de água quente e mergulha lá a colher que, segundos depois, se dobra.
— Isso é água quente?
— Muito pouco quente —, responde.
— Mas como é que dobrou?
— Aqui fazemos magia —, brinca, para acrescentar que, quando se começa uma aula assim, está garantida a atenção dos alunos para as explicações que se seguem.
Os exemplos sucedem-se ao longo das quase duas horas de uma conversa, onde entram barquinhos de brincar movidos por uma vela acesa, histórias sobre como raquetes de ténis pousadas sobre a mesa não se movem nem a murro e demonstrações de como o fluído magnético, sujeito a um íman, cria um efeito parecido aos picos de um ouriço-cacheiro; bastantes para tornar mais inteligíveis conceitos como nanotecnologia, termodinâmica, quantidade de movimento e pressão atmosférica.
“A matéria é demasiada”
Os cartazes que explicam e comprovam as experiências feitas com os alunos cobrem as paredes do laboratório da Escola Dr. Júlio Martins, no centro de Chaves, para onde este professor se transferiu recentemente. Com ele foi o Clube do Ensino Experimental das Ciências (CEEC), criado há 12 anos noutra escola, a Fernão de Magalhães, para envolver os alunos do secundário em experiências laboratoriais, num ensino não formal, fora da componente lectiva da disciplina.
“Os alunos têm as aulas normais — não posso roubar tempo ao ensino formal — e depois vêm para o clube às sextas-feiras à tarde. Vêm voluntariamente. Às vezes passam dias de férias aqui comigo, e os resultados [nas aprendizagens] são surpreendentes”, garante. O clube, ainda por cima, não custa muito dinheiro: “Um professor, uma caneta, um livro e uma colher podem fazer a diferença. As tecnologias são importantes, mas não são condição fundamental.”
Não é tarefa menor. A Física e Química é tradicionalmente uma das disciplinas com pior desempenho nos exames nacionais. A matéria “é complexa”, concorda Jorge Teixeira, mas consegue-se torná-la mais clara fazendo com que os alunos, a partir de exemplos do quotidiano, "observem a realidade à volta e sintam curiosidade" em decifrá-la. “A Física é tudo menos abstracta. É a realidade. Se, em vez de me pôr a dizer que a nanotecnologia são partículas muito pequeninas que ninguém vê, lhes mostrar o efeito do fluido magnético, dizendo que foi criado pela NASA para controlar combustíveis na ausência de gravidade e que agora é usado, por exemplo, nos amortecedores dos automóveis, consigo que compreendam. E se entusiasmem."
Esta conclusão, e o menor número de negativas que foi dando comparativamente com a média da disciplina, não o impede de constatar que o mau desempenho dos alunos a Física e Química tem outras explicações. “O principal ‘monstro’ que vejo aqui é a quantidade de conteúdos que existem. Ao fim de dois anos de os meninos estarem a estudar todas aquelas matérias — um assunto por aula — , o cérebro tem dificuldade em armazenar tanta informação. A matéria é demasiada, o estudo é muito intenso e os alunos não têm tempo para consolidar os conhecimentos."
Da periferia para a Google
Por ter conseguido contornar condicionalismos como estes, Jorge Teixeira orgulha-se hoje de ter um antigo aluno prestes a ingressar na Google, onde irá trabalhar em Inteligência Artificial. "É o futuro."
Recentemente, as experiências do CEEC alargaram-se a um novo público: os alunos do pré-escolar e do básico das escolas do agrupamento. Depois de terem testado em laboratório um conjunto de experiências relacionadas com o fogo, os alunos do secundário fizeram-se professores junto dos colegas do pré-escolar, junto dos quais, qual mágicos, fizeram coisas como exibir as mãos em chamas.
A ideia era demonstrar a capacidade que a água tem de absorver grandes quantidades de energia, logo a importância de cada um deles se manter molhado num cenário de fogo florestal. Mas o projecto foi mais longe. Somando pinturas de Nadir Afonso, nascido em Chaves, elaborou-se um calendário didáctico, com indicação do que se deve fazer a cada mês para proteger a floresta do risco de incêndios.
Cada calendário custa três euros. O dinheiro recolhido irá para a compra de espécies autóctones para reflorestar área ardida. Tudo ideias saídas do ensino da Físico e Química. Tudo com pouco dinheiro. E a partir da periferia, ainda por cima. Daí que Jorge Teixeira tenha dedicado o prémio aos professores do interior “que não têm os mesmos recursos e sofrem um bocadinho mais de dificuldades”.