Dos Rudes aos Diabos, a cerveja começou a jorrar em terras de vinho verde

Em pouco tempo, surgiram três empresas de fabrico de cerveja artesanal em Amarante, uma região tradicionalmente vinícola.

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Se queriam ir pela produção de bebidas, Ricardo Santos, César Silva e Pedro Neves podiam ter apostado no vinho já que estão em Amarante, numa região demarcada do vinho verde, e cresceram entre vinhas e vindimas. Mas foram contra a corrente e cada um deles arriscou fazer da cerveja artesanal um negócio com marca própria. Correu-lhes bem e Pedro, o mais novo dos três em idade e em tempo no negócio — lançou há um mês a marca Rudes — “já não tem mãos a medir para as encomendas”.

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Se queriam ir pela produção de bebidas, Ricardo Santos, César Silva e Pedro Neves podiam ter apostado no vinho já que estão em Amarante, numa região demarcada do vinho verde, e cresceram entre vinhas e vindimas. Mas foram contra a corrente e cada um deles arriscou fazer da cerveja artesanal um negócio com marca própria. Correu-lhes bem e Pedro, o mais novo dos três em idade e em tempo no negócio — lançou há um mês a marca Rudes — “já não tem mãos a medir para as encomendas”.

Os três empresários começaram, primeiro por brincadeira, e alguns deles depois por necessidade para criar o próprio emprego. Foi o caso de Pedro Neves, 27 anos, depois de tirar o mestrado em biotecnologia ramo alimentar, onde teve contacto com o mundo das cervejas. Ficou com o bichinho atrás da orelha, mas não conseguia arranjar emprego na área. Abriu depois a fábrica da marca Rudes, no espaço de um familiar, no rés-do-chão de uma vivenda de esquina, na freguesia de Vila Meã. É numa sala apetrechada de equipamentos, como grandes panelas de inox, que Pedro conta como foi complicada toda a burocracia, nomeadamente na Alfandega por causa do imposto do álcool. Fez um micro-crédito de 15 mil euros e investiu na remodelação do espaço, equipamentos e matérias-primas. Meteu mãos à obra e fez as bancadas, as ligações das mangueiras e as bombas. É ali que produz sozinho as duas cervejas: a Zé do Telhado — conhecido por roubar aos ricos para dar aos pobres — que é “mais maltada, fácil de beber, com sabor a caramelo e mel”, conta. E ainda uma bebida mais frutada que é a Lavoisier em homenagem ao pai da química moderna.

Pedro trabalha sozinho, mas por pouco tempo, porque vai precisar de ajuda para dar resposta a tantos pedidos. “Nunca pensei vender, em três semanas, os lotes todos que fiz. Já tive que duplicar a produção, porque não chega para as encomendas”, conta, enquanto dá a provar a cerveja que tira da panela de fermentação e depois dá a cheirar o lúpulo que foi buscar ao frigorifico. A cerveja está a fermentar há duas semanas, mas ainda não está pronta para venda. Falta ser engarrafada e depois ainda vai ficar mais quatro semanas na sala de maturação. Aí, sim, está no ponto para ser bebida. Com toda esta azáfama, Pedro já pensa em mudar de instalações, porque vai ter de adquirir mais fermentadores e já não tem espaço. “Por enquanto, tenho capacidade para fazer 400 litros de cerveja por mês”, conclui já na sala ao lado, onde dá a provar os dois tipos de malte, um deles mais torrado que utiliza nas receitas.

Também César Silva, 45 anos, criou a marca Gaius depois de ter sido surpreendido pelo despedimento colectivo na empresa onde trabalhava. Há já algum tempo que fazia cerveja artesanal em casa para ele e para os amigos. E pensou: “Porque não arriscar com o negócio?”. Fez um pedido de criação do próprio emprego, no Centro de Emprego, e já estava a desesperar quando a resposta chegou. “Demorou muito tempo”, lembra, enquanto mostra o equipamento que adquiriu com o dinheiro que recebeu, como a panela onde coloca água quente e cereais maltados, ou os fermentadores em inox cónicos. Ao todo, César investiu 27 mil euros na remodelação da fábrica, nos equipamentos e na matéria-prima. Já produz cerveja artesanal desde 2017 com capacidade de dois mil litros por mês. “Desde que meto os cereais na panela até que ponho a cerveja a vender passam sete a oito semanas”, elucida, enquanto coloca numa mesa os quatro tipos de cerveja. “Esta é a Triga que é mais leve, com muito trigo e de sabor suave; depois tenho a Primus que é a que mais vendo, que não é muito amarga”, conta. Há ainda a Biga — condimentada com toque a coentros e laranja — e a Quadra que é mais suave com sabor intenso.  

Ricardo Santos, 38 anos, era designer gráfico quando decidiu fazer cerveja artesanal. Frequentou um curso prático na área da produção de cerveja, em Inglaterra. Começou por produzir, em Dezembro de 2013, 200 litros por mês da cerveja D´OS Diabos, primeiro numas instalações mais pequenas com um investimento de apenas dois mil euros. Um ano depois, Ricardo Santos mudou-se para o actual espaço, no Instituto Empresarial do Tâmega, uma incubadora de empresas, onde investiu cerca de 30 mil euros em equipamento, matéria-prima e rótulos para as garrafas. Hoje já tem uma capacidade de produção mensal de 2400 litros. Tem à venda no mercado a Brown Ale que é “intensa quanto aos maltes, mas o principal sabor vem dos cereais caramelizados”. Ainda produz a London Porter que “é a mais alcoólica, de sabor intenso com notas mais torradas e chocolate preto”. Também vende a Pale Ale com um sabor mais amargo, com casca de laranja, e a Strong Bitter com um aroma mais intenso e que não é tão maltada como as outras.

As marcas têm nomes inspirados na terra ou no Norte de Portugal. Ricardo Santos, por exemplo, escolheu D´OS Diabos em alusão aos Diabos de Amarante, um casal duas esculturas feitas de madeira, “fortemente sexualizadas”, que estão expostas no Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso. Pedro Neves decidiu-se por Rudes em homenagem às gentes “honestas, sem papas na língua do Norte”. César Silva já se inspirou nos tempos dos romanos com Júlio César e Gaius.

Todos eles cresceram no mundo do vinho. “Sempre pisei uvas, talvez desde que comecei a andar”, diz César Silva, entre risos. Também Ricardo Santos, que vem de uma família produtora de vinho, se chegou a interrogar quando pensou em criar o negócio numa terra vinícola. Mas correu bem. Só no ano passado, Ricardo facturou 30 mil euros. Esta nova vaga de produtores é vista com bons olhos pelo vereador do desenvolvimento económico e do empreendedorismo da câmara de Amarante. “Estes empresários, com espírito empreendedor, são uma mais-valia para o enriquecimento gastronómico da região, num concelho conhecido pela gastronomia e bom vinho verde”, diz o vereador André Costa. E até abriu, em Fevereiro, o bar Surviaria, onde só se vende cerveja artesanal. José Moreira, 32 anos, que chegou a ser oficial de exército, criou o negócio com o tio Valdemar Pinto. Querem apoiar os produtores regionais e promovem as marcas, nomeadamente de César, Ricardo e Pedro. Por aqui, os três empresários deixam de lado a concorrência e costumam partilhar experiências à mesa, com as suas cervejas no cardápio. César Silva gostaria que, à semelhança do vinho, a cerveja artesanal se tornasse um bom acompanhamento à refeição num restaurante. A pensar nisso, César tem garrafas de formato 750 mililitros, com rolha do género das utilizadas nas garrafas de champagne.

À pergunta se há segredos nas receitas da cerveja artesanal, Pedro Neves conclui: “Acaba por ser um pouco de tudo. Conforme as quantidades que se usa de cada ingrediente, afina-se a receita. Isto não é um bicho-de-sete-cabeças”.