Um terço das áreas protegidas no mundo sofre intensamente com a pressão humana

Mais de 30% das áreas protegidas estão sujeitas a impactos como a construção de estradas, a pastagem, a desflorestação e urbanização. As áreas mais afectadas encontram-se na Europa, na Ásia e em África.

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Será que as áreas protegidas estão a conseguir conservar bem o património natural? Têm sido fundamentais na conservação da biodiversidade, mas um estudo publicado esta sexta-feira na revista científica Science deixa um aviso: um terço das áreas protegidas do planeta está a sofrer intensamente com as actividades humanas. Estima-se que cerca de seis milhões de quilómetros quadrados dessas áreas – o que equivale a mais de 65 vezes do tamanho do território de Portugal, Açores e Madeira – estão sujeitos à construção de estradas, pastagens, desflorestação ou à urbanização. As áreas mais afectadas são a Europa, a Ásia e África.

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Será que as áreas protegidas estão a conseguir conservar bem o património natural? Têm sido fundamentais na conservação da biodiversidade, mas um estudo publicado esta sexta-feira na revista científica Science deixa um aviso: um terço das áreas protegidas do planeta está a sofrer intensamente com as actividades humanas. Estima-se que cerca de seis milhões de quilómetros quadrados dessas áreas – o que equivale a mais de 65 vezes do tamanho do território de Portugal, Açores e Madeira – estão sujeitos à construção de estradas, pastagens, desflorestação ou à urbanização. As áreas mais afectadas são a Europa, a Ásia e África.

James Watson trabalha para Sociedade de Conservação da Vida Selvagem (EUA) e, na última década, tem percorrido o mundo. Tem visitado muitas áreas protegidas e observado projectos de conservação, assim como zonas que estão a ser degradadas pelos humanos. “Fiquei surpreendido quando descobri que ninguém tinha mapeado o estado das áreas protegidas a nível global, até porque são incrivelmente importantes nas discussões das estratégias da biodiversidade pós-2020”, conta James Watson, que também é investigador da Universidade de Queensland (Austrália). Por isso, juntamente com outros cientistas, decidiu quantificar a pressão humana nas áreas protegidas em todo o mundo.

As áreas protegidas foram criadas como uma defesa contra a diminuição da biodiversidade. “Em resposta a uma perda maciça de biodiversidade no mundo, a extensão global de terra protegida tem duplicado em tamanho desde a Cimeira da Terra em 1992, no Rio de Janeiro, no Brasil. Mais de 202 mil áreas protegidas cobrem agora 14,7% da área terrestre do mundo”, lê-se no artigo científico. Foi aqui que teve origem a Convenção sobre Diversidade Biológica, que tem o objectivo de proteger a biodiversidade de cada país e como um dos seus compromissos a criação de áreas protegidas.

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Santuário de Vida Selvagem Keo Seima, no Camboja Sociedade de Conservação da Vida Selvagem

Para perceber o impacto humano nessas áreas (antes e depois de 1993, quando a Convenção sobre Diversidade Biológica começou a ser aplicada), a equipa usou mapas terrestres da pegada humana recentemente actualizados. Através desses mapas puderam analisar vários impactos humanos como a agricultura intensiva, os centros urbanos, a pastagem, a densidade da população humana, a iluminação nocturna, as estradas, o transporte ferroviário e as vias navegáveis aquáticas.

“Os resultados são surpreendentes”, reage James Watson. A equipa percebeu então que há cerca de seis milhões de quilómetros quadrados que estão a sofrer intensamente com as actividades humanas. Isto equivale a 32,8% de toda a área protegida da Terra. Já cerca de 42% das áreas protegidas do planeta estão livres de qualquer pressão humana.

Observou-se ainda que 57% das áreas afectadas têm todo o seu território sujeito a pressões humanas intensas. Essas áreas concentram-se no Oeste da Europa, no Sul da Ásia e em África. Em termos de número de áreas (e não da média global) completamente livres de impactos humanos intensos, contaram-se só 10% (4334 áreas protegidas) e encontram-se, sobretudo, em zonas remotas e de elevadas latitudes, como na Rússia e no Canadá.

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Resultado da agricultura na Reserva Nacional do Niassa, em Moçambique James Allan

Sobrestimadas pelos governos

Quanto às áreas criadas antes da convenção de 1992 ou ainda nesse ano, cerca de 55% delas tem sofrido um aumento da pressão humana. “As áreas protegidas estabelecidas depois de 1993 têm um nível mais baixo de pressão humana intensa dentro das suas fronteiras, comparado com as [áreas] estabelecidas durante ou antes de 1993, sugerindo que as áreas protegidas recentemente estabelecidas têm coberto uma maior percentagem de área com menor pressão humana”, lê-se no artigo científico.

Questionado sobre as áreas protegidas em Portugal mais afectadas pelas actividades humanas, James Watson responde que não consegue indicar áreas específicas porque não conhece o país. Contudo, num mapa que acompanha o trabalho, podemos observar que o impacto humano em Portugal, em geral, é de cerca de 75%.

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Green Fire Science

“[A nossa maior surpresa] foi o tamanho do problema. Os países estão a entrar nas discussões pós-2020 para a nova estratégia global para a biodiversidade, mas estes resultados mostram que os esforços até à data são menos satisfatórios do aqueles que as nações consideravam e, portanto, a crise que estão a enfrentar é pior do que pensávamos”, refere James Watson, acrescentando que os governos sobrestimam estas áreas e afirmam que elas estão protegidas enquanto, na realidade, não estão. 

O que deve então ser feito? “Precisamos de reconhecer que declarar simplesmente uma área protegida é só o primeiro passo que as nações devem dar”, indica o cientista. Para isso, James Watson considera que é necessário começar a investigar os sítios biologicamente importantes e praticamente intactos para que continuem protegidos, assim como se deve criar mecanismos para a assegurar a sua futura protecção.

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Reserva Nacional do Niassa, em Moçambique JB Deffontaines

“Ainda temos uma réstia de esperança. Parece estar a ser feito um bom trabalho em muitas áreas que foram identificadas como estritamente protegidas, mesmo em territórios que têm sido maciçamente desgastados pela humanidade”, avisa, dando o exemplo do Santuário de Vida Selvagem Keo Seima, no Camboja, ou da Reserva Nacional do Niassa, em Moçambique. “Estão a mostrar uma capacidade para parar com estas pressões [humanas] em circunstâncias onde elas são imensas. Estes lugares são eficazes porque usam os recursos da maneira que devem ser usados.”