Reitor da Fernando Pessoa condenado a prisão com pena suspensa por desviar 2,2 milhões
Tribunal aplica pena de um ano e três meses de prisão a Salvato Trigo, pena suspensa por igual período, após julgamento à porta fechada.
Um ano e três meses de prisão, suspensos por igual período. Foi esta a pena determinada pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que condenou esta sexta-feira o reitor da Universidade Fernando Pessoa, Salvato Trigo, por este ter desviado, através de uma empresa, quase 2,2 milhões de euros daquela instituição de ensino privado em benefício próprio e da sua família.
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Um ano e três meses de prisão, suspensos por igual período. Foi esta a pena determinada pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que condenou esta sexta-feira o reitor da Universidade Fernando Pessoa, Salvato Trigo, por este ter desviado, através de uma empresa, quase 2,2 milhões de euros daquela instituição de ensino privado em benefício próprio e da sua família.
Salvato Trigo esteve ausente da leitura da sentença e o seu advogado, José Ferreira Pinto, bem como a representante da universidade, recusaram fazer qualquer comentário à saída do tribunal.
Para justificar a medida da pena, o juiz considerou que a pena de multa não era compatível com a gravidade dos factos e o dolo que o arguido mostrara, mas ressalvou que o arguido está socialmente inserido e “não possui antecedentes criminais registados”.
Isto porque apesar de Salvato Trigo ter sido condenado, no final dos anos 90, a dez meses de prisão, suspensos, num processo relacionado com o desvio de subsídios do Fundo Social Europeu, quando era director da Escola Superior de Jornalismo do Porto, esse crime já foi apagado do seu registo criminal. É isso mesmo que prevê a lei, como se explica num documento informativo do próprio Ministério da Justiça, que diz que qualquer condenação por crime com pena de prisão inferior a cinco anos, só permanece no registo por um prazo de cinco anos a partir da data da extinção da pena.
No caso que estava agora em julgamento, a pena estava limitada a um máximo de três anos de prisão devido ao crime que o Ministério Público decidiu imputar ao reitor, o crime de infidelidade. O ilícito é punido “com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”, o que praticamente impossibilitava a aplicação de uma pena de prisão efectiva. Aliás foi esta moldura penal que levou o julgamento do caso para a Instância Local Criminal do Porto, habituada a lidar com crimes de menor gravidade.
Incorre no crime de infidelidade quem, tendo “o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses, intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incumbem, prejuízo patrimonial importante”.
Seria diferente, reconheceu o juiz José Guilhermino Freitas, se o Ministério Público tivesse optado por um crime mais pesado, que, no entanto, obrigaria a fazer prova de mais requisitos.
O julgamento arrancou em Outubro do ano passado e decorreu à porta fechada a pedido do arguido, mas a leitura da sentença foi pública como obriga a lei penal. Além de condenar Salvato Trigo, o juiz decidiu obrigar a sociedade Erasmo – detida pelo reitor, pela sua mulher e pelos dois filhos – a pagar quase 2,2 milhões de euros ao Estado, valor que corresponde ao prejuízo que a empresa gerou à fundação proprietária da universidade. No entanto, o juiz reconheceu que a Fernando Pessoa, que ainda hoje é controlada por Salvato Trigo, poderá vir a reivindicar esse montante para si, já que a fundação é a lesada pelo crime de infidelidade.
Na leitura da decisão, que demorou mais de duas horas, o juiz considerou provados praticamente todos os pontos da acusação. Contudo, fez uma contabilidade diferente dos prejuízos estimados pelo Ministério Público na acusação, avaliados em pelo menos 3.033.056 euros.
O juiz contabilizou um prejuízo total de 2.197.990 euros à fundação que detém a Universidade Fernando Pessoa, prejuízo esse causado pela empresa Erasmo - Empreendimentos Educativos, Lda, da qual Salvato Trigo é gerente.
Audaz e com personalidade dinâmica
O tribunal deu igualmente como provado que Salvato Trigo é uma pessoa educada, inteligente, com uma personalidade dinâmica e audaz. No entanto, na fundamentação da decisão, o juiz fez questão de citar estudos sobre o perfil dos criminosos de colarinho branco para dizer que são normalmente pessoas inteligentes e criativas, que cometem este tipo de crimes tentando dar uma aparência de legalidade aos seus actos.
Sobre o comportamento de Salvato Trigo, o juiz disse que o reitor violou de forma grave os deveres por si assumidos. “Foi desleal e infiel à fundação que gere”, resumiu José Guilhermino Freitas, que insistiu que o património da fundação não se pode confundir com o dos seus fundadores. O juiz explicou exaustivamente o que significa criar uma fundação, uma entidade integrada no sector social e sem fins lucrativos, que só pode ser usada para os fins para que foi criada.
O negócio mais prejudicial para a fundação foi a compra, em final de 2006, de uma casa, contígua à reitoria da universidade, que alberga actualmente a Escola de Pós-Graduações da instituição. O imóvel, localizado na Praça 9 de Abril, no Porto (conhecido como Jardim de Arca d´Água), foi comprado formalmente pela Erasmo, que, no entanto, como não tinha dinheiro disponível para pagar os 1,4 milhões de euros que os vendedores pediam, acabou por pedir um empréstimo de 1,2 milhões à própria universidade.
Insólito é que apesar de, num primeiro momento, ter adiantado a esmagadora maioria do dinheiro, a universidade acabou a fazer um contrato de arrendamento pelo prazo de dez anos com a Erasmo, que lhe cobrava 40 mil euros mensais para esta poder usar o imóvel. Isto “apesar de a Fundação Ensino e Cultura Fernando Pessoa ter liquidez financeira”, naquela altura quase oito milhões de euros disponíveis, notava-se na acusação, num dos inúmeros pontos que o juiz deu como provado.
Apesar de ter sido a Erasmo a comprar a casa, foi a fundação que desembolsou os 584 mil de euros em obras que permitiram reparar a antiga moradia e adaptá-la para receber a Escola de Pós-Graduações. E mesmo durante as obras, apesar de “o imóvel não estar apto a ser utilizado”, a fundação pagou os 40 mil euros mensais de renda à empresa da família Trigo.
Só em 2007, calcula o Ministério Público, a Erasmo teve um rendimento de mais de um milhão de euros com a casa — nas obras e nas rendas —, o que representa “uma taxa de rentabilidade de cerca de 71% no primeiro ano”. Mas o contrato foi feito por dez anos e, na data da acusação, em Junho de 2016, a universidade já tinha pagado em rendas 4,6 milhões de euros, por um imóvel que custara 1,4 milhões.
Na leitura da decisão, José Guilhermino Freitas notou, contudo, que ficou provado no julgamento que a partir de 1 de Julho de 2012, já o Ministério Público abrira o inquérito-crime, a Erasmo baixou o preço da renda para 30 mil euros. E, em Janeiro de 2014, acabou por fazer um contrato de comodato com a universidade, que prevê o uso gratuito daquelas instalações pelo estabelecimento de ensino.
Outro negócio entre as duas entidades que foi considerado pelo juiz prejudicial para a universidade foi a exploração de dois bares/cantinas da universidade. “Apesar de esses serviços serem prestados nas instalações da Universidade Fernando Pessoa, quem procedia ao recebimento das rendas resultantes do aluguer desses espaços seria a sociedade Erasmo”, escreveu o Ministério Público na acusação. As entidades que exploravam estes espaços entregaram à empresa da família Trigo mais de 50 mil euros por ano, num valor global de quase 290 mil euros entre 2006 e 2010.
As despesas de gás, electricidade, limpeza e telefone dos bares eram pagas pela universidade, mas o reembolso feito pelos empresários era entregue à Erasmo e não à fundação. Entre Janeiro de 2006 e Julho de 2010, a fundação pagou mais de 56 mil euros em despesas, mas a devolução destas verbas foi entregue à Erasmo.
O juiz rejeitou quase por completo a tese sustentada pela defesa, de que estes negócios decorriam de um acordo entre a Erasmo e a fundação, que pretendia compensar a empresa por ter cedido uma parte significativa dos cursos que vieram a dar origem à Universidade Fernando Pessoa. O magistrado considerou que tal não fazia sentido, lembrando que em 1995 a universidade pagou 500 mil euros por essa cedência, no âmbito de um protocolo que há muito se extinguira.