Rosa Ramalho, e outras artistas do barro, agora em documentário

Rosa Ramalho, uma das mais talentosas e conceituadas artistas portuguesas, surge em destaque num documentário sobre o figurado de Barcelos. O trabalho, de Alberto Serra e Marco Oliveira, estreia esta sexta-feira, pelas 22h, no Museu de Olaria do município.

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A obra de Rosa Ramalho chegou a ser comparada à de Picasso. DR

Rosa Ramalho nasceu em Galegos (São Martinho), Barcelos, em Agosto de 1888. Conhece o barro desde os sete anos, quando, deitada no colo na vizinha, aprendeu a fazer tiras de cesta. Não foi preciso muito para se destacar. Duas semanas depois, já fazia melhores cestas do que quem a ensinara, iniciando um percurso que a levaria àquela imortalidade a que só os grandes artistas têm direito. Agora, 120 anos depois do seu nascimento, o documentário Sentido Figurado, de Alberto Serra e Marco Oliveira, revisita-a para, a partir dela, nos propor uma viagem por uma arte com muitos, e bons, protagonistas.

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Rosa Ramalho nasceu em Galegos (São Martinho), Barcelos, em Agosto de 1888. Conhece o barro desde os sete anos, quando, deitada no colo na vizinha, aprendeu a fazer tiras de cesta. Não foi preciso muito para se destacar. Duas semanas depois, já fazia melhores cestas do que quem a ensinara, iniciando um percurso que a levaria àquela imortalidade a que só os grandes artistas têm direito. Agora, 120 anos depois do seu nascimento, o documentário Sentido Figurado, de Alberto Serra e Marco Oliveira, revisita-a para, a partir dela, nos propor uma viagem por uma arte com muitos, e bons, protagonistas.

Que Rosa seja a maior delas, devêmo-lo ao acaso, tendo em conta que, depois de se ter casado, aos 18 anos e, durante cinco décadas, ela abandonou a olaria para cuidar dos filhos. Foi apenas quando o marido faleceu, tinha ela já 68, que voltou a dedicar-se ao ofício. António Quadros descobriu-a, no final dos anos 50, numa feira nas Fontainhas e deu a conhecer ao mundo aqueles bonecos de barro, numa combinação de beleza e estranheza, que a tornaram numa figura emblemática da olaria tradicional portuguesa.

Segundo Alberto Serra, produtor do documentário realizado por Marco Oliveira, a ideia de fazer um trabalho sobre Rosa Ramalho não é nova. Mas mais do que uma viagem pela vida e obra da artista minhota, o jornalista queria que este fosse um retrato do famoso figurado de Barcelos. “A Rosa Ramalho é de facto o ícone, mas há depois toda uma envolvência que tem a ver com a olaria, a tradição e com as outras famílias que se dedicaram ao figurado”, explica Serra, também ele natural de Barcelos.

Rosa Ramalho e a neta, Júlia Ramalho, Rosa Côta e a família Mistério estão em destaque no documentário que vai ser apresentado esta sexta-feira à noite no Museu de Olaria. “A minha ideia era fazer um documentário antes que estas personagens acabassem ou morressem, porque isto já faz parte também da arte portuguesa”, acrescenta o autor.

O figurado de Barcelos, muito dele bizarro e inconfundível, não poderia ser deixado de parte. Característico pelas figuras surreais, Alberto Serra acredita que há algo mais do que isso – talento, também ele fora do normal. Para o produtor, aqueles profissionais não são comuns artesãos, “são artistas”. Diria mesmo que chega “a não ser racional”.

Descreve-o como “arte pura”, porque essa não se explica, e identifica o surrealismo como o movimento mais próximo desta expressão artística. Afinal, em que outro lugar poderíamos encontrar homens com cabeça de burro?

O documentário, filmado há um ano, começa com um poema de Vasco Graça Moura, num episódio caricato com a artista, mas a história é conduzida pelo arquitecto Alves Costa, que não se cansa de elogiar a “criatividade inacreditável” de Rosa Ramalho e admite que quando a artista se libertava dos cânones, entrava numa área “de total surrealismo”.

Citando o arquitecto Fernando Távora, Alves Costa afirma que o século XX teve duas grandes figuras: Rosa Ramalho e Picasso. Alberto Serra reconhece que é um exagero, mas não nega que “Rosa Ramalho representa aquilo a que se chama a genuína arte popular”. Acrescenta ainda que não é por acaso que a Escola de Belas Artes do Porto, constituída por professores e artistas, a foi buscar, ainda nos anos 60, para falar à comunidade. Porque será Rosa Ramalho comparada a Picasso? É simples: “Porque também faz cabras”, responde prontamente o produtor.

A sensibilidade, originalidade e agilidade da artista portuguesa resultaram em peças ímpares, que habitam num mundo de fantasia, onde cabem monstros, lobisomens, feiticeiras, diabos e bichos peculiares. Não há limites para o figurado de Barcelos.

Quanto ao maior obstáculo na produção do documentário, Alberto Serra aponta a dificuldade em encontrar um elemento que identificasse António Quadros, que surge retratado apenas por uma fotografia e um catálogo. “Não havia, como não há, informação. Andámos quase um ano à procura de alguém que tivesse alguma coisa dele e descobrimos uma rapariga que está a fazer uma tese de doutoramento sobre ele, que gentilmente nos cedeu um catálogo”, revela o produtor.

O documentário estreia esta sexta-feira, em Barcelos, mas terá uma segunda versão mais alargada. As primeiras reacções de quem viu os esboços deste filme foram de aplauso e perplexidade, perante a singularidade de Rosa Ramalho.