“Numa legislatura não creio que seja possível alcançar 1% para a Cultura no OE”

O primeiro-ministro defende que a tão desejada meta orçamental só se pode atingir por etapas. É um objectivo, garante Costa, mas não sabe quando poderá alcançá-lo.

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Miguel Manso

Com um pai escritor e uma mãe jornalista (que, aliás, acabou de lançar um livro sobre o Maio de 68 em França, com conversas com Jean-Luc Godard e Jacques Brel), António Costa é um primeiro-ministro que criou muitas expectativas entre os artistas e os criadores quando chegou ao poder. Mas o momento da cultura, ouviu-se dizer nos últimos meses de contestação, parece ainda não ter chegado. Costa sabe que há “uma enorme ansiedade”, apontando que um aumento de 40% nos apoios em relação ao quadriénio anterior foi percebido como um corte. Mostrando os seus pergaminhos, cita Sérgio Godinho, rematando que 1% do Orçamento do Estado (OE) para a Cultura “é um caminho muito ambicioso”, mas que é um objectivo que se faz por etapas.

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Com um pai escritor e uma mãe jornalista (que, aliás, acabou de lançar um livro sobre o Maio de 68 em França, com conversas com Jean-Luc Godard e Jacques Brel), António Costa é um primeiro-ministro que criou muitas expectativas entre os artistas e os criadores quando chegou ao poder. Mas o momento da cultura, ouviu-se dizer nos últimos meses de contestação, parece ainda não ter chegado. Costa sabe que há “uma enorme ansiedade”, apontando que um aumento de 40% nos apoios em relação ao quadriénio anterior foi percebido como um corte. Mostrando os seus pergaminhos, cita Sérgio Godinho, rematando que 1% do Orçamento do Estado (OE) para a Cultura “é um caminho muito ambicioso”, mas que é um objectivo que se faz por etapas.

Entramos agora na última parte desta entrevista, dedicada ao Ministério da Cultura: depois da agitação dos últimos meses, como é que está a correr o diálogo com o sector?
Para já, há um ponto bom, que é haver diálogo. Estamos a criar condições para estabilizar o modelo [de apoio às artes], para depois o podermos analisar.

Em Portugal, quando surgem os novos modelos, não temos uma grande cultura de participação atempada nos processos de discussão pública. Acaba-se por tratar dos problemas mais depois da aplicação do que no momento na concepção. Porventura, se tivesse havido mais debate, maior atenção, maiores contributos na fase da concepção do modelo, talvez muitos destes problemas pudessem ter sido evitados.

Há outros problemas absolutamente inevitáveis, que têm a ver com a avaliação subjectiva do júri, e essa é sempre irredutível. Nós os dois, muito provavelmente, faríamos avaliações distintas e consideraríamos um projecto melhor do que outro. Mas têm de existir regras comummente aceites por todos como válidas para apoiar este ou aquele.

Voltando um bocadinho às origens, diríamos que é um primeiro-ministro cheio de pergaminhos do lado da mãe e do pai, cheio de capital cultural, como se costuma dizer. Acha que isso contribui de alguma forma para que existam mais expectativas em relação ao Antonio Costa como primeiro-ministro? Como se ouviu nestes últimos meses, ainda não chegou o momento da Cultura?
Há uma canção do Sérgio Godinho, logo a seguir ao 25 de Abril, em que ele diz que a sede de uma espera só se estanca na torrente. Nós temos de perceber bem o momento em que vivemos. Estamos num país que viveu uma crise profunda e dramática, não só do ponto de vista da carência económica e financeira, mas sobretudo da desesperança das pessoas, de acreditar que podia haver futuro. Isso aconteceu em todos os sectores da sociedade e também, até particularmente, se quiser, no sector da cultura.

De repente, o país tem a notícia de que as coisas estão a melhorar — voltou a crescer, o défice está controlado, a dívida está a diminuir. É como se se tivesse retirado a tampa de uma panela de pressão. Tendo havido um aumento de 40% das verbas atribuídas a este concurso plurianual relativamente às do quadriénio anterior, as pessoas têm a sensação de que não só não houve mais, como, pelo contrário, têm a ideia de que houve cortes. Esta percepção resulta de haver uma enorme ansiedade.

E como é que se gerem essas tensões?
Como se gere a abertura da panela de pressão. Vai-se libertando a pressão com a válvula. Mas tem de se falar com as pessoas, sobretudo tem de se ter um pacto de confiança com elas. As pessoas têm de sentir que este aumento de 40% não repõe a totalidade do que é necessário, mas é uma etapa de um caminho que vai ter continuidade. Para o ano haverá nova etapa e no ano seguinte outra. Se não for assim, a frustração é imensa. E seria muito maior se quiséssemos simplesmente tirar a tampa da panela de pressão, porque corríamos um seriíssimo risco de voltar a introduzir cortes.

Tem a expectativa de alguma vez enquanto primeiro-ministro chegar ao 1% do Orçamento de Estado para a Cultura?
É um caminho muito ambicioso, mas temos de ter essa trajectória. Não creio que numa legislatura seja possível alcançar esse objectivo, a não ser que as condições se revelem absolutamente excepcionais.

Já respondeu que não será nesta legislatura, mas tem a expectativa?
Detesto assumir compromissos sem ter a certeza de que os posso assumir. Sei que esse é o objectivo que queremos alcançar, ainda não lhe posso dizer quando.

Só lhe perguntei se tinha a expectativa, não lhe perguntei quando...
E eu dir-lhe-ia assim: “Teria um imenso gosto [risos].”