Marcelo, Costa e Angola: “Só faltava terem dançado apopleticamente”
Os responsáveis políticos portugueses não deviam reagir a decisões de tribunais, lamenta Sousa Pinto, Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros.
O Parlamento tem aprovado votos, em matéria de política externa, que são "embaraçosos", nuns casos, ou "uma vergonha" noutros, lamenta Sousa Pinto. Caso do Irão foi paradigmático, diz em entrevista ao PÚBLICO e Renascença.
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O Parlamento tem aprovado votos, em matéria de política externa, que são "embaraçosos", nuns casos, ou "uma vergonha" noutros, lamenta Sousa Pinto. Caso do Irão foi paradigmático, diz em entrevista ao PÚBLICO e Renascença.
Pediu à conferência de líderes que os votos em matéria de política externa passassem pela comissão a que preside, de Negócios Estrangeiros. Disse até que há "falta de ponderação, rigor e sentido de equilíbrio" em muitos deles. Por influência do PCP e BE?
Isso é injusto, dizer que a responsabilidade era do PCP ou do BE. As responsabilidades são partilhadas, porque os votos sobre matéria de política externa que vão a plenário são feitos pelos diferentes partidos, não são objecto de uma análise na comissão competente. Portanto não se preocupam em suavizar certas afirmações, tratar com complexidade e fazer justiça às situações com a cautela que seria desejável. E depois acabamos por aprovar textos que são embaraçosos para o Parlamento. Eu lembro-me da última, na semana passada...
Sobre o acordo nuclear com o Irão, em que votou desalinhado da sua bancada.
Votei, votei.
O Parlamento devia ter tido outra posição?
Eu acho que sim. E nós votamos uma coisa que não foi discutida. Os votos aparecem, nós lemos os votos e votamos aqueles que se aproximam mais do nosso ponto de vista, mas não há nenhuma discussão política sobre o conteúdo. E votamos coisa absurdas, que são, na minha opinião, uma vergonha para o Parlamento. Este último caso não terá sido uma vergonha, mas foi embaraçoso. A Administração americana, presidida pelo sr. Trump desvinculou os EUA de um tratado internacional, que é uma fonte de Direito. E como dizia o dr. Soares, um pequeno Estado tem de estar sempre do lado do Direito Internacional. Nós acreditávamos nas vantagens do acordo com o Irão para prevenir o desenvolvimento do programa nuclear, os especialistas confirmam que o Irão estava a honrar o acordo. O Direito internacional tinha prevalecido sobre a bestialidade e os argumentos de força. O sr. Trump retirou os EUA e qual foi a posição do Parlamento português? Em vez de condenar os EUA, como um país normal e civilizado com uma diplomacia independente faria, nós congratulá-mo-nos com o facto de a UE ter permanecido vinculada ao acordo. Foi um amontoado português para evitar dizer o que interessava ouvir: que Portugal critica a administração do sr. Trump.
Como é que viu o desfecho do caso Manuel Vicente, em que a Justiça portuguesa, depois de um drama diplomático que durou meses, se decidiu por enviar o processo do antigo vice-presidente angolano para Luanda? Também acha que "desapareceu o irritante" nas relações entre os dois países?
Bom, eu devo dizer que fiquei muito surpreendido. Não porque a solução seja negativa ou positiva, mas porque não percebo como é que agentes políticos geralmente tão prudentes em relação a decisões do poder judicial, que gostam de enfatizar que "à política o que é da política, à justiça o que é da justiça", de repente se pronunciem com um entusiasmo quase infantil - só faltava terem dançado apopleticamente, tão transidos estavam de felicidade por aquela decisão do poder judicial. Abraçaram e aplaudiram freneticamente uma decisão do poder judicial. Eu acho que não compete ao poder político meter-se nisso, com toda a franqueza. Os tribunais decidiram, não compete ao poder político português andar a celebrar uma decisão do poder judicial.
A justiça portuguesa foi permeável às dificuldades diplomáticas?
Não estou em condições de responder. Eu parti do princípio que não.