Cineclube de Guimarães: 60 anos a intervir na cidade com filmes, mas não só
Com milhares de sessões acumuladas em seis décadas, esta instituição acompanhou a onda do movimento cineclubista vivida no resto do país, mas resistiu à crise dos anos 80. Hoje, tem mais de 800 sócios e ainda pretende crescer, mantendo o trabalho na fotografia e nos registos de memórias da cidade.
As escadas de acesso a uma das salas de exposição da Sociedade Martins Sarmento, em Guimarães, antecedem um plano geral com centenas de cartazes de filmes exibidos pelo menos desde 1990. Na parede contígua reside uma galeria de 11 clássicos apresentados pelo Cineclube nas décadas anteriores, que inclui O grande ditador, de Charlie Chaplin (1940), Citizen Kane, de Orson Welles (1941), e La Dolce Vita, de Federico Fellini (1960).
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As escadas de acesso a uma das salas de exposição da Sociedade Martins Sarmento, em Guimarães, antecedem um plano geral com centenas de cartazes de filmes exibidos pelo menos desde 1990. Na parede contígua reside uma galeria de 11 clássicos apresentados pelo Cineclube nas décadas anteriores, que inclui O grande ditador, de Charlie Chaplin (1940), Citizen Kane, de Orson Welles (1941), e La Dolce Vita, de Federico Fellini (1960).
Disponível até 30 de Maio, a exposição o “Cineclube e a Cidade” mostra ainda os projectores que exibiram cinema aos vimaranenses de gerações passadas, o trabalho da secção de fotografia, alguns dos livros que publicou, mas também a acta da primeira Assembleia-Geral, de 1958. O Cineclube de Guimarães foi criado a 17 de Maio, na senda de um movimento cinéfilo que arrancou em 1945, com o Cineclube do Porto, e comemora o 60.º aniversário nesta quinta-feira, com a exibição de “Cinema Paraíso”, de Giuseppe Tornatore (1988), no Centro Cultural Vila Flor.
A sua criação, recorda ao PÚBLICO o presidente do Cineclube, Carlos Mesquita, resultou da acção de um grupo de 20 pessoas, encabeçado por Joaquim Santos Simões, professor oriundo de Coimbra que chegara sete meses antes à cidade-berço para leccionar na então Escola Industrial e Comercial de Guimarães.
Tal como noutros cineclubes, as perseguições do regime de então, quer pelo Secretariado Nacional de Informação (SNI), quer pela PIDE, não tardaram, e vários dos dirigentes eleitos, inclusive Santos Simões, homem de formação marxista, eram vetados. Surgiu assim, logo em 1959, a luta da associação pela aprovação dos estatutos, recorrentemente negados pela censura. “Esse é um dos momentos de grande mobilização das pessoas. Mesmo não tendo algumas delas grandes convicções ideológicas, as pessoas eram democratas e queriam os seus dirigentes eleitos”, lembra Carlos Mesquita.
A política foi uma companhia quase permanente do Cineclube nas primeiras duas décadas. “O Couraçado Potemkine”, obra-prima de Sergei Eisenstein (1925) sobre a revolta dos marinheiros daquele navio, durante a revolução russa de 1905, vai ser exibido no dia 22 em alusão às sessões clandestinas dos anos 60.
Com o crescimento associativo proporcionado pelo 25 de Abril, o Cineclube de Guimarães cresceu e “acentuou o carácter popular”, com a presença de trabalhadores das indústrias em “alguns filmes de carácter ideológico mais marcado” quer na cidade, quer nas freguesias do concelho, diz Carlos Mesquita. “O Cineclube deixou de ser de uma elite popular, urbana, para também ser reconhecido no resto do território”, acrescenta.
“Políticas agressivas” para combater a crise
Nas idas às freguesias, o projeccionista mostrava aos espectadores como se montava então o filme que era exibido, e o reconhecimento da comunidade para o Cineclube ganhou uma expressão que permanece até hoje, apesar de ter esmorecido em meados dos anos 80, com a proliferação dos clubes de vídeo e das discotecas. A crise sentenciou o desaparecimento de vários cineclubes pelo país e dos espaços onde os filmes rodavam – o Teatro Jordão, que exibiu filmes do Cineclube até 1971, encerrou em 1994. Perante a crise do cinema, como resistiu então a instituição? “Pondo o cinema na rua”, responde Carlos Mesquita.
A instituição criou, em 1989, o ciclo “Cinema em Noites de Verão”, que se prolonga até hoje, e apostou também nos concertos, tendo apresentado Carlos Paredes pela primeira vez na cidade. “Uma empresa, na altura, não daria um centavo para o cinema. Mas a música tinha outra visibilidade. Pedíamos sempre um cachê um pouco acima do necessário para o concerto, e ainda sobrava algum dinheiro para o cinema”, diz o presidente do Cineclube.
Para Carlos Mesquita, foram as “políticas agressivas” que permitiram ao Cineclube sobreviver e crescer dos 300 sócios de então para os mais de 800 de hoje, ao mesmo tempo que registou o maior número de espectadores do país entre 2013 (9.693) e 2016 (10.137), segundo o Instituto do Cinema e do Audiovisual.
Na perspectiva do dirigente, esta vitalidade associativa explica-se pelo “sentido de comunidade muito forte” que reina na cidade, e pela própria geografia da cidade, onde tudo é perto, ao contrário de Lisboa e Porto, onde a migração de pessoas dos centros para as periferias prejudicou a actividade de um movimento de génese urbana.
Aprofundar a memória da cidade
O programa do 60.º aniversário inclui, até ao fim do mês, a exibição de filmes do ano transacto, como Eu, Tonya, de Craig Gillespie, no dia 20, e O Projecto Flórida, de Sean Baker, no dia 27, mas também a apresentação do livro Cinema e cinefilia em Guimarães: 1895-1957, de Paulo Cunha, no dia 25.
O professor de Cinema na Universidade da Beira Interior e vogal da direcção do Cineclube referiu ao PÚBLICO que a primeira sessão, decorrida em 1897, iniciou um período de cerca de quatro, cinco sessões itinerantes por ano, até à criação do primeiro espaço para ver cinema na cidade, o Teatro D. Afonso Henriques, em 1909. A fundação do Cineclube de Guimarães, porém, alterou o paradigma de “uma oferta comercial, que não se diferenciava de qualquer outra cidade da dimensão de Guimarães”.
Esta é mais uma publicação editorial do Cineclube, além de outras que procuram “retratar a cidade com fotografias não do património construído, mas com as pessoas”, diz Carlos Mesquita. No futuro, a instituição pretende continuar com os “registos de memória e de histórias de Guimarães” e ainda manter a colaboração com outras associações da cidade.
Quanto ao cinema, o dirigente alimenta a vontade de criar um festival de cinema, mas sem nunca colocar em causa a “actividade regular do Cineclube”. “A cinefilia não se cria nos festivais. Os cinéfilos são os que vêem sempre cinema”, reitera.
“Gostaríamos de fazer um festival de cinema em Guimarães, mas diferente dos que existem e que não pusessem em causa a actividade regular do Cineclube, porque a cinefilia não se cria nos festivais. Aos festivais, vai gente pelo lado social, porque têm outra exposição pelo lado mediático, mas os cinéfilos são os que veem regularmente cinema. Um viciado em cinema não vê só filmes depois de um belo repasto. Vê sempre cinema".