Israel enfrenta crise diplomática depois de exército matar 60 manifestantes em Gaza
Vários países pedem uma investigação da ONU sobre o que aconteceu na segunda-feira nos protestos nas imediações da barreira que divide a Faixa de Gaza e o Estado hebraico.
As críticas a Israel subiram de tom esta terça-feira, depois de na véspera soldados terem disparado sobre manifestantes palestinianos, matando pelo menos 60 e deixando mais de 2000 feridos com tiros e gás lacrimogéneo. Enquanto isso, em Gaza enterravam-se os mortos, os protestos voltavam embora com muito menos força, e pelo menos duas pessoas morreram.
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As críticas a Israel subiram de tom esta terça-feira, depois de na véspera soldados terem disparado sobre manifestantes palestinianos, matando pelo menos 60 e deixando mais de 2000 feridos com tiros e gás lacrimogéneo. Enquanto isso, em Gaza enterravam-se os mortos, os protestos voltavam embora com muito menos força, e pelo menos duas pessoas morreram.
Vários membros do Conselho de Segurança (CS) da ONU, que debateu a questão numa sessão de urgência, pediram uma investigação transparente aos disparos, por soldados israelitas, contra manifestantes do outro lado de uma barreira que separa Israel e a Faixa de Gaza. Na véspera, uma resolução proposta pelo Kuwait para esta investigação foi vetada pelos EUA.
Na reunião desta terça-feira, a embaixadora norte-americana, Nikki Haley, defendeu a acção de Israel dizendo que “nenhum país aqui reagiria com tanta contenção” quanto o Estado hebraico. Haley fez mais: saiu da sala quando o embaixador palestiniano (a Palestina tem estatuto de Estado não-membro, como o Vaticano) tomou a palavra, relata o Ha'aretz.
Mas a América esteve isolada na sua posição. França condenou o uso excessivo de força por Israel, e criticou o silêncio do Conselho de Segurança nesta questão, que é “cada vez menos compreensível”.
Além de França, outros membros do CS – o Reino Unido e a Suécia – pediram uma investigação aberta e transparente ao que aconteceu na barreira entre Israel e a Faixa de Gaza, mas qualquer resolução nesse sentido seria, como a da véspera, vetada pelos EUA. Neste caso o secretário-geral, António Guterres, poderia optar por pedir ele próprio uma investigação, lembra a emissora Al-Jazira – algo considerado, no entanto, pouco provável. Até agora, Guterres declarou-se “profundamente alarmado e preocupado pela escalada de violência e pelo número de palestinianos mortos e feridos nos protestos de Gaza”.
O relator dos direitos humanos da ONU, Michael Lynk, foi muito mais longe ao declarar que o uso de força por Israel poderia ser considerado crime de guerra. A Amnistia Internacional expressou a mesma opinião.
Corrupio diplomático
Um pequeno corrupio de embaixadores tornou evidente que Israel enfrentava uma crise diplomática, como apontava o diário hebraico Ha’aretz.
A África do Sul foi o primeiro país a anunciar a retirada do seu embaixador de Telavive em protesto; seguiu-se a Turquia, que retirou os embaixadores em Telavive e Washington e fez também sair temporariamente o embaixador israelita. Israel expulsou depois o cônsul turco em Jerusalém (que é responsável pela ligação com os palestinianos).
Os líderes dos dois países, Benjamin Netanyahu e Recep Tayyip Erdogan, trocaram galhardetes no Twitter. Os palestinianos retiraram o seu representante diplomático nos Estados Unidos.
Declarações da embaixadora israelita na Bélgica levaram o ministro dos Negócios Estrangeiros a chamá-la para expressar o seu protesto. Numa entrevista televisiva, Simona Frankel afirmou que quem morreu em Gaza “foram 55 terroristas” e que os soldados tinham de agir antes que houvesse baixas do seu lado. “São dois comentários que não podemos aceitar. O primeiro que todos os mortos ou feridos eram terroristas, o segundo sobre a proporcionalidade da força por não poderem esperar por baixas israelitas – não houve nenhuma”, sublinhou o ministro, Didier Reynders.
A Irlanda também chamou o embaixador israelita no país para mostrar o seu “choque” pelas mortes de Gaza, segundo o jornal Irish Times. Dublin pede ainda uma investigação ao sucedido.
O exército de Israel afirmou esta terça-feira que entre os mortos da véspera pelo menos 24 eram “terroristas com passado de terror documentado”, a maioria do Hamas.
"Desumanização"
Israel defende que não podia arriscar que nrm um manifestante passasse pela barreira que divide o seu território da Faixa de Gaza. As autoridades hebraicas alegam que militantes do Hamas tentariam aproveitar a brecha para levar a cabo ataques contra israelitas.
Snipers militares agiram, assim, com regras que ditavam disparos sobre quem passasse para uma faixa de entre 100 e 300 metros da barreira. Se fosse preciso atiravam a matar. Além dos mortos, muitos dos atingidos a tiro foram-no nas pernas e pés, e muitos sofreram amputações.
A falta de tratamento adequado também contribuiu para mais mortos e piores consequências de ferimentos – em Gaza, sujeita a cerco por Israel e pelo Egipto desde 2007, os hospitais trabalham com muita dificuldade. Além disso, foi abundantemente usado gás lacrimogéneo, que terá sido a causa da morte de uma bebé de seis meses.
A Turquia ofereceu-se para acolher e tratar alguns dos feridos graves – temia-se que o número de mortes aumentasse muito por haver demasiados feridos que não era possível tratar. O país disse estar a negociar esta possibilidade e à espera de resposta.
Na Faixa de Gaza, o último dia de protestos foi menos participado, com muitas pessoas a recuperar da véspera e muitas a participar nos funerais. No total de manifestações, morreram pelo menos 109 palestinianos, e 12 mil ficaram feridos, a maioria na segunda-feira, dia em que os EUA inauguraram a sua embaixada em Jerusalém, mudando décadas de política (e quebrando a unanimidade internacional) sobre a cidade, cujo estatuto deveria ficar definido após negociações entre israelitas e palestinianos.
Em editorial, o jornal francês Le Monde sublinhava outro efeito do que considerou a “segunda-feira negra”: “A desumanização quase total dos palestinianos por uma grande parte da classe política e da sociedade de Israel, que não vêem neles senão seguidores do Hamas, enquanto o movimento da Marcha do Grande Retorno provou que a sociedade palestiniana escolheu o protesto civil e popular, contra o terrorismo e as armas. Ignorar esta evolução é perigoso”.
Mostrando-se a excepção, o movimento israelita Peace Now convocou uma manifestação contra “a próxima guerra em Gaza”. Não ignorando a responsabilidade do Hamas que “mandou os jovens do território para a linha de fogo para provocar condenação internacional sobre Israel”, o país deveria ter evitado cair nessa armadilha. “Israel tem um dos exércitos com mais capacidades tecnológicas” do mundo, e teria “ferramentas para empregar métodos não letais de controlo de multidão contra indivíduos que não sejam uma ameaça letal”, diz a organização.