Resende: Um historial de incidentes cujo fim depende de novo operador
Matosinhos, com o aval do Conselho Metropolitano do Porto, quer antecipar o concurso público para escolher nova empresa responsável por parte do serviço público de transportes públicos do concelho agora entregue à Resende, até ao final do ano. Processo pode não ser assim tão simples. Para isso é preciso que haja um operador capaz de cobrir as linhas eventualmente deixadas em aberto pela Resende, que pode prolongar licença por mais um ano.
Em menos de um ano já foram três os veículos operados pela empresa de transportes Resende, que há cerca de 40 anos garante parte do serviço de transportes de passageiros em Matosinhos, que incendiaram em horário de expediente. A estas três camionetas juntam-se outros veículos que por motivos diversos tiveram de interromper a circulação entre paragens por apresentarem anomalias mecânicas.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Em menos de um ano já foram três os veículos operados pela empresa de transportes Resende, que há cerca de 40 anos garante parte do serviço de transportes de passageiros em Matosinhos, que incendiaram em horário de expediente. A estas três camionetas juntam-se outros veículos que por motivos diversos tiveram de interromper a circulação entre paragens por apresentarem anomalias mecânicas.
Não é algo inédito e exclusivo deste último ano de operação. Durante décadas, muitos dos matosinhenses utentes desta empresa privada com sede no concelho foram-se habituando, mas não conformando, a muitas das deficiências associadas ao serviço prestado por este operador.
Face a esta realidade, e na sequência da delegação de competências na matéria de mobilidade e serviços públicos de transporte de passageiros municipais às autarquias, em 2015, a Câmara Municipal de Matosinhos (CMM) encetou um processo de sensibilização junto do operador privado no sentido de uma melhoria do serviço prestado.
Em Junho de 2016, a CMM, a Área Metropolitana do Porto (AMP) e a Resende, no seguimento da entrada em vigor do novo regime jurídico reuniram-se para serem traçadas as condições e regras para a empresa poder operar até ao final do ano de 2019, altura em que o resultado do concurso global para atribuição das concessões de transportes nas diferentes autarquias deve estar terminado.
Licenças renovadas, mas acidentes continuam
Conclui-se que para que pudesse operar até essa data a Resende teria de obedecer a um conjunto significativo de regras. Passariam essas regras por impor alterações na rede de operação de transportes em Matosinhos e pela imposição da substituição de um número considerável de viaturas com vista a qualificar de forma visível a operação no concelho. Outra exigência prendia-se com a integração de um conjunto de linhas na rede Andante. É dada licença de circulação à empresa por um período de um ano e, em Setembro do mesmo ano, estas alterações entram paulatinamente em vigor.
Um mês depois, em Outubro, uma viatura da Resende embateu numa paragem que cedeu e deu origem a uma vítima mortal. Na sequência do sucedido, o Conselho Metropolitano do Porto (CmP) solicitou uma reunião ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) para expor os problemas relacionados com a operação e solicitar que fossem tomadas medidas para averiguar a situação.
Em Dezembro de 2016, a autarquia anunciou que o IMT levaria a cabo uma acção inspectiva extraordinária a vários veículos da frota da Resende, que terá sido realizada antes do ano terminar. Em 2014 a empresa já teria passado por um processo semelhante.
Perante esta realidade, o município entendeu não estarem reunidas as condições para autorizar extraordinariamente a circulação do privado até ao final de 2019. Contudo, concedeu-lhe licença por mais um ano, mais uma vez com condições inerentes ao contrato que visavam um conjunto de modificações e melhorias do serviço, nomeadamente relativas ao material circulante.
Esta cronologia é traçada com a ajuda do vereador eleito pela CDU, responsável pelos pelouros dos Transportes e Mobilidade, José Pedro Rodrigues, que afirma que desde então houve um “esforço e insistência permanente” para que os problemas identificados fossem corrigidos.
Após a inspecção de 2016, cujas conclusões, de acordo com o mesmo, “ficaram com o IMT”, a câmara nunca as conheceu, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), por iniciativa da AMP, levou a cabo uma auditoria à Resende, em Março de 2017, cujo relatório foi tornado público no segundo semestre do mesmo ano. Este documento, que nos foi enviado pela a AMT, corrobora a tese da existência de anomalias nomeadamente relativas ao material circulante ou a incumprimentos de horários e de linhas.
Terá sido este relatório, de acordo com o vereador comunista, que levou também o Conselho Metropolitano, em Julho de 2017, a tomar a decisão de reconhecer o caracter excepcional da situação de Matosinhos do ponto de vista da gestão dos transportes públicos. Consequência disso, decide reconhecer a necessidade de antecipar o concurso de concessão em Matosinhos.
Apesar desse reconhecimento e de manifestada a intenção por parte da CMM, a decisão não foi materializada. No final de Abril, após mais um incidente envolvendo uma camioneta da empresa que incendiou no Freixieiro, a mesma intenção voltou a ser manifestada em reunião do CmP, e voltou a ser reconhecido o carácter urgente e excepcional por parte da AMP. Até ao final do ano, altura em que a licença de circulação da Resende termina, a CMM tem a espectativa de garantir novo operador a ocupar o serviço eventualmente deixado em aberto por este privado. Embora, talvez não seja tão fácil. Já lá vamos.
Há contornos desta cronologia que a empresa responsável por 22 linhas no concelho, algumas delas com ligação ao Porto, Maia, Valongo, Gondomar e Vila do Conde não confirma nem desmente.
Uma das alegações que desmente categoricamente é a de que várias viaturas da frota tenham sido inspeccionadas pelo IMT. Afirma a empresa que apenas uma foi inspecionada, a que esteve envolvida no acidente que originou uma vítima mortal. Viatura esta que garante estar a circular porque o resultado da inspecção “foi inconclusivo”, sendo que de acordo com o que terá sido comunicado pelo IMT, a viatura “não apresentava nenhuma anomalia”.
Contactamos o IMT para nos dar conta de quantas viaturas foram inspeccionadas e dos resultados da vistoria, mas não obtivemos qualquer resposta.
Quanto ao motorista, que de acordo com o que nos foi dito já não trabalha na empresa, não terá o tribunal lavrado ainda qualquer veredicto.
Inspecções periódicas em dia que levantam dúvidas à autarquia
A Resende dá conta de que nos últimos anos fez um esforço para renovar parte da frota e para integrar todas as linhas na rede Andante. Nesta segunda matéria já atingiu o pleno. A frota diz ser composta por carros modernos. O último que ardeu será dos mais antigos, de 2000.
Sublinha que todos os veículos circulam com as inspecções periódicas e seguro em dia. Mesmo assim continuam a acontecer incidentes. Questionada sobre o motivo para isso continuar a acontecer, a empresa diz não ter qualquer resposta.
José Pedro Rodrigues diz existirem motivos para desconfiar das inspecções periódicas e da qualidade da manutenção dos veículos.
“Não duvido de que todos os carros que estão a circular tenham inspecção. O drama é esse. Quando reunimos com IMT chamamos à atenção para que os sinais de degradação que muitas destas viaturas apresentavam faziam-nos ter um conjunto de desconfianças para a forma como as inspecções estavam a ser realizadas e para a forma como alguns destes veículos passavam nas inspecções aparentando degradação muito superior ao tempo médio do intervalo entre inspecções”, afirma.
Por isso mesmo, diz que o município apresentou junto do IMT um conjunto de documentos fotográficos com veículos cuja degradação levantava dúvidas sobre como teriam passado nas inspecções periódicas.
De qualquer forma, interessa agora para o vereador resolver a questão o mais rapidamente possível para que até ao fim do ano se encontre forma de existir novo ou novos operadores a preencher a vaga que poderá ser deixada em aberto pela Resende.
O presidente da câmara de Gondomar e responsável na AMP pelos Transportes e Mobilidade, Marco Martins, dá conta de que para que isso aconteça é necessário logo à partida formalizar essa intenção para que o concurso público avance. A STCP, sendo agora gerida pelas autarquias e estando responsável por 20 linhas no concelho de Matosinhos, poderia ser à partida uma solução. Porém, é prudente e não arrisca numa via por entender ser prematuro avançar já com uma solução sem que primeiro se estudem as alternativas. De qualquer forma, diz acreditar não existir um operador capaz de cobrir as 22 linhas da Resende no imediato. A STCP, contactada pelo PÚBLICO para nos dar conta se será viável assumir a operação, não nos respondeu.
“Primeiro é necessário saber qual é a receita que essas linhas geram para depois também perceber qual o custo que isso terá para as autarquias. Depois há mais operadores que podem querer concorrer”, afirma.
Contudo, fazendo agora as autarquias parte da administração da STCP, basta à AMP reunir consenso para candidatar o operador no concurso.
Solução não pode ser de recurso
A presidente da CMM, Luísa Salgueiro, diz que dificilmente se fará uma adjudicação sem concurso, primeiro porque também acredita não existir no momento nenhum operador com meios para garantir o serviço e depois porque em termos jurídicos poderá não ser exequível: “Do ponto de vista material não há nenhuma entidade que possa poder operar no concelho todo de um dia para o outro. Haveria pessoas em Matosinhos que ficariam sem o serviço de transporte público. Para se garantir que isso não aconteça há decisões políticas a tomar, mas que têm de ser ponderadas em simultâneo com os factores jurídicos e técnicos”.
Fora de questão está encontrar uma solução temporária. “Nos termos da lei pode ser concurso público, pode ser ajuste directo, pode ser uma consulta. Mas o que adianta fazer uma consulta a entidades que não têm capacidades para responder?”, questiona.
Resende pode operar mais um ano
O caso de Matosinhos é excepcional por ser o único da AMP que tem um operador cujo contrato acaba já este ano, ao contrário da maioria que termina no final de 2019, por isso será avaliado de forma isolada. O tempo escasseia e para lançar concurso público e escolher em tempo útil novo operador tem de ser uma decisão bem ponderada porque de acordo com a autarca esta é uma resolução que tem de ser tomada o mais urgentemente possível. Porém, não estando garantido novo operador, admite não estar excluído do cenário, numa situação limite, a possibilidade de prorrogar por mais um ano o contrato com a Resende.
José Pedro Rodrigues, defende, em tese, que a operação poderia ser adjudicada à STCP e acredita que se algumas sobreposições de linhas fossem ajustadas e se a operação fosse optimizada, a operação tornar-se-ia viável para a empresa, nem que tivesse de recorrer “a subconcessões”.
Sublinha que não deixa de ser perverso que, neste caso, as autarquias tenham agora de arcar com os custos que possam advir da reposição de níveis de qualidade do transporte público e o alargamento da rede que foi sendo esmagada e nalguns casos, como em Matosinhos, “desaparecendo”. Contudo, considera que se não for para tomar estas decisões, o novo regime jurídico não terá grande utilidade.
Mais de 200 postos de trabalho em causa
A Resende diz que no caso de a empresa deixar de operar no concelho, cerca de 230 pessoas podem ir parar ao desemprego. Afirma que estão a ser vítimas de “perseguição” e que têm feito todos os esforços para conseguirem melhorar a qualidade do serviço. “A nossa matéria prima é bastante cara, não é matéria prima barata. Ao contrário do público, não temos apoios nenhuns, o que também interfere na manutenção e angariação de carros novos”, afirma a empresa.
O vereador da Mobilidade, José Pedro Rodrigues, diz que caso se verifiquem despedimentos será uma das prioridades da autarquia fazer com que os eventuais desempregados sejam integrados no novo operador. “Garantir a integração dos trabalhadores que actualmente desempenham funções será garantidamente uma das minhas primeiras preocupações”, afirma, porém sublinha: “Se a empresa deixar de operar em Matosinhos é por sua exclusiva responsabilidade porque teve todas as oportunidades para prestar um serviço de qualidade. Teve sempre do município uma postura razoável e construtiva pelo menos nos últimos dois anos para poder corrigir os problemas associados à sua operação e se estamos hoje nesta situação ou é por desleixo ou por falta de interesse em aproveitar as oportunidades”.