“O espaço para críticas ao Governo e à ocupação está a diminuir em Israel”

Benjamin Netanyahu era há escassos meses um líder acossado. Mas celebra os 70 anos da criação do Estado hebraico numa posição de força. Graças a Trump e à sua embaixada e guerra contra o Irão. "Levantam-se questões reais sobre o caminho que o país está a tomar".

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Benjamin Netanyahu YIANNIS KOURTOGLOU/EPA

Mickey Gitzin está habituado a discursos de ódio e a inimizades. É algo que é normal para o director de uma organização que trabalha para que se vejam “alguns aspectos menos bons da sociedade israelita com que a maioria das pessoas não gosta de se confrontar”. Mas, diz, devagar, devagar, o ódio está a aumentar. E o que é mais grave, o incitamento vem da figura mais poderosa de Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

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Mickey Gitzin está habituado a discursos de ódio e a inimizades. É algo que é normal para o director de uma organização que trabalha para que se vejam “alguns aspectos menos bons da sociedade israelita com que a maioria das pessoas não gosta de se confrontar”. Mas, diz, devagar, devagar, o ódio está a aumentar. E o que é mais grave, o incitamento vem da figura mais poderosa de Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

O poder do primeiro-ministro tem sido fortalecido pelo apoio do Presidente norte-americano, Donald Trump. A passagem da embaixada americana de Telavive - onde estão todas as outras embaixadas - para Jerusalém nesta segunda-feira marca um ponto de viragem na política americana. A saída dos Estados Unidos do acordo nuclear com o Irão responde a uma pretensão e uma campanha que vem a ser feita há anos por Netanyahu. E o sucesso do ataque de quinta-feira passada contra a presença do Irão na Síria  - “se fosse um jogo de futebol o resultado da operação seria 10-0" para Netanuahu, comentou o jornal Maariv - também contribui para o seu fortalecimento.

Há escassos meses, Netanyahu estava acossado por uma série de investigações judiciais envolvendo acusações de corrupção, tráfico de influências e interferência nos media, e reagia: contra os media, contra o sistema judicial, contra organizações não-governamentais. “Temos um primeiro-ministro muito poderoso que pode fazer o que quer, e que por outro lado tem promovido a narrativa de que estão todos contra si”, sublinha Gitzin.

Gitzin foi o alvo directo de uma acusação de Netanyahu, a propósito de um acordo sobre imigrantes, a maioria eritreus e sudaneses, que estavam ameaçados de expulsão. O primeiro-ministro disse que a  organização de Gitzin, o New Israeli Fund, impediu um acordo com o Ruanda para enviar para ali os imigrantes. O destino dos 37 mil pessoas tem sido alvo de várias propostas de Netanyahu, que apresentou um plano de manter metade em Israel e recolocar outra metade (evitando a expulsão de todos, que estava em cima da mesa), mas cancelou-o horas depois.

O New Israeli Fund, de que Mickey Gitzin é director-executivo, recebe verbas do estrangeiro que distribui por centenas de organizações da sociedade civil – da muito estabelecida B’Tselem (documenta os colonatos em território ocupado e as violações de direitos humanos), à Breaking the Silence (que recolhe testemunhos de militares sobre a sua actividade nos territórios ocupados), do Fórum de mulheres religiosas ao Centro para os Imigrantes Etíopes, entre muitas outras que apoiem causas progressistas, de promoção da democracia e igualdade.

Esta organização, disse Netanyahu, “põe em risco a segurança e o futuro do Estado hebraico como o Estado-nação do povo judeu”.

Um ataque sem precedentes, diz Gitzin. “Quando o Governo põe todo o seu poder no incitamento contra um inimigo interno, isso é muito perigoso para a democracia”.

Um dos alvos do primeiro-ministro são organizações da sociedade civil, que sempre foi muito forte e empenhada em Israel. Mas não só. Gitzin dá outro exemplo do caminho que Netanyahu está a seguir: a proposta do primeiro-ministro para alterar o poder do Supremo Tribunal, permitindo recursos das decisões deste órgão.

“O que está a acontecer aqui é muito suave, não tem a ver com a situação na Hungria. Não há nada a desaparecer num dia – mas o espaço para críticas está a ficar cada vez mais pequeno, especialmente para críticas ao Governo ou à ocupação [de territórios palestinianos]”. E isso “levanta questões reais sobre o caminho que Israel está a tomar”.

Outra decisão sem precedentes aconteceu na terça-feira passada, quando as autoridades revogaram a autorização de trabalho de um responsável da Human Rights Watch (HRW), Omar Shakir, acusado de promover a campanha de BDS (boicote, desinvestimento, sanções) que o Governo já declarou ser uma ameaça estratégica para Israel. Um apelo ao boicote a Israel é, por lei, motivo para que alguém veja negada a entrada no país. “É inconcebível que um activista do boicote possa ter autorização para continuar em Israel e agir contra o Estado de todas as maneiras possíveis”, justificou uma nota do ministro do Interior, Aryeh Deri.

A HRW nega que Shair tenha tido qualquer actividade de promoção à campanha de boicotes desde que trabalha na organização e acusa Israel de “intolerância cada vez maior em relação a quem critica o seu desempenho em termos de direitos humanos”.

Gitzin sublinha que a New Israeli Fund se opõe a campanhas de boicotes. Mas compara a decisão a algo que poderia acontecer na Rússia, não num Estado democrático. Tudo faz parte - conclui - de uma tentativa de "ter um controlo mais apertado sobre tudo".