“Esta era a nossa hora histórica”
A história judaica do século XX mostra-nos com toda a clareza que a liberdade e a dignidade de um povo só são reais num quadro de soberania politica.
O Estado de Israel celebra este ano o seu 70.º aniversário. Foi com efeito na tarde de sexta-feira, 14 de Maio de 1948, 5 de Yar de 5708 do calendário hebraico, às 16h, que foi proclamado o Estado de Israel por David Ben-Gurion numa sala do Museu de Telavive. Na parede, por detrás da mesa onde estavam sentados os 13 membros do governo provisório, uma foto de Theodor Herzl evocava o longo caminho percorrido desde o I Congresso sionista em 1897 e a sua profecia sobre a criação do Estado Judaico: “Talvez daqui a cinco anos, mas certamente daqui a 50...” Foram precisamente 50 anos e nove meses.
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O Estado de Israel celebra este ano o seu 70.º aniversário. Foi com efeito na tarde de sexta-feira, 14 de Maio de 1948, 5 de Yar de 5708 do calendário hebraico, às 16h, que foi proclamado o Estado de Israel por David Ben-Gurion numa sala do Museu de Telavive. Na parede, por detrás da mesa onde estavam sentados os 13 membros do governo provisório, uma foto de Theodor Herzl evocava o longo caminho percorrido desde o I Congresso sionista em 1897 e a sua profecia sobre a criação do Estado Judaico: “Talvez daqui a cinco anos, mas certamente daqui a 50...” Foram precisamente 50 anos e nove meses.
Do outro lado do mundo, Washington hesitara longamente no apoio à Declaração de Independência. Os funcionários da Casa Branca e a própria ONU consideravam que as possibilidades de sobrevivência do Estado judaico eram poucas. Com efeito, depois do voto da partilha da Palestina, a hostilidade dos países árabes redobrara de vigor, reforçada pelo armamento britânico que escorria abundantemente entre eles. Em contrapartida, os judeus estavam numa situação militar infinitamente inferior, tanto mais que, apesar das ajudas financeiras internacionais para a compra de armas, a entrada destas na Palestina continuava clandestina, proibida pelos ingleses.
Assim, em Fevereiro-Março de 1948 a corrente contrária à Partilha reforçara-se significativamente no Departamento de Estado dos EUA. A poucos dias do final do Mandato Britânico, o futuro ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, Moshe Shertok, foi avisado pelo Secretário de Estado, o general Marshall, que se o Estado Judaico fosse atacado, não contariam com a ajuda militar americana.
Mas para o executivo sionista “o pêndulo já não podia voltar atrás, para a situação anterior ao 29 de Novembro. Já nos regemos pelas nossas próprias instituições”. A 12 de Maio tem lugar em Telavive a reunião do Governo Provisório que iria decidir a proclamação (ou não) do Estado. Todos os presentes estavam cientes de que uma eventual proclamação seria imediatamente seguida de uma invasão árabe. Para além de Ben-Gurion, que dirigia a reunião, e de outros membros do Governo Provisório, estavam também dois comandantes da Haganah – organização de defesa judaica –, Yigael Yadin e Israel Galili, para fazerem o ponto da situação militar. “Que hipótese temos?”, questiona Ben-Gurion. A resposta de Yadin vem célere: “No máximo 50%...” Mas Ben-Gurion sabia que, independentemente da decisão tomada, os árabes atacariam. Assim pronuncia-se a favor. Cinco dos dez participantes na reunião juntam-se a ele, quatro votam contra. O Estado Judaico será proclamado dois dias depois.
Às 23h30 desse dia histórico, o último Alto-Comissário britânico, Sir Alan Cunningham, deixava o porto de Haifa, ao fim de 30 anos de Mandato inglês na Palestina. Os ingleses partiam sem dizer adeus, hostilizados por ambos os campos. Onze minutos depois os EUA e a URSS reconhecem o Estado de Israel. Nessa mesma noite começa a invasão árabe: foi o início de uma série de guerras que nunca cessariam completamente.
Mais tarde David Ben-Gurion escreverá que até ao próprio dia da proclamação do Estado recebeu muitos pedidos de adiamento por parte de governos, personalidades e amigos que receavam que o Estado recém-criado fosse destruído. “No entanto”, afirma, “nada podia desviar-nos do caminho que escolhemos. Eles não podiam saber o que nós sabíamos, o que nós sentíamos no mais profundo de nós mesmos: esta hora era a nossa hora histórica. Se não estivéssemos à altura por receio ou falta de empenhamento, gerações, talvez mesmo séculos, suceder-se-iam antes que o nosso povo pudesse reencontrar outra oportunidade histórica – na condição de ainda estarmos vivos como grupo nacional. Por mais graves que fossem as consequências da nossa decisão, eu sabia que o futuro seria infinitamente pior para o meu povo se nós não fizéssemos esta declaração. Decidimos pois, ir para a frente e declarar-nos independentes como previsto...”
Tiveram razão, Ben-Gurion e o executivo sionista, em declarar o Estado de Israel?
Na época, tratava-se para os judeus de uma questão de vida ou de morte, era a sua sobrevivência como povo que estava em causa. No final da guerra a maioria dos sobreviventes judeus não podia nem queria voltar para o que agora eram apenas ruinas, perda e sofrimento. A grande maioria desejava ir para a Palestina, longe das sombras do passado europeu. No entanto, as portas continuavam fechadas pelo Livro Branco britânico de 1939 e nos anos de 1947/48 cerca de 250 mil judeus ainda vegetavam nos campos ditos de “deslocados” da Alemanha e da Áustria, em condições desumanas. Tal como os massacres e perseguições anti-semitas no leste e no centro europeu no final do século XIX levaram à criação do sionismo politico por Theodor Herzl, também foi o extermínio nazi o mais trágico argumento da necessidade de um lar onde os judeus pudessem finalmente ser donos do seu destino. E também a mais cruel das oportunidades...
Israel nasce marcado por dois números fatídicos: seis milhões de vítimas do genocídio nazi, cuja ausência nunca será colmatada, e os seis mil mortos na Guerra da Independência, ou seja, perto de 1% da população judaica na época, entre os quais numerosos sobreviventes. Nos seus 70 anos de existência, Israel viveu praticamente sempre em estado de guerra. É provavelmente o único Estado a nível mundial cuja existência está (ainda) dependente da sorte das armas e cuja legitimidade é constantemente questionada.
Apesar disso e fazendo o balanço destes 70 anos, a resposta é inequívoca. Nascido do sofrimento milenar de um povo, construído contra ventos e marés por homens e mulheres idealistas que ao mesmo tempo que reinventavam a língua hebraica e construíam universidades, secavam pântanos e plantavam desertos, o Estado de Israel cumpriu o objectivo inicial que lhe está subjacente: o de criar um lar onde os judeus fossem donos do seu próprio destino. Através de um esforço hercúleo de integração das vagas de imigrantes e refugiados, nasceu uma nação, com a sua própria língua e cultura original que já conta hoje com 12 prémios Nobel. Uma nação cujos princípios democráticos fundadores resistem a uma vida inteira passada em contínuo estado de alerta num ambiente regional hostil.
Mas há um outro motivo e esse infelizmente bem actual que vem dar razão à decisão tomada há 70 anos: a insegurança na qual vive hoje de novo uma parte significativa dos judeus europeus. Para além da França, onde não há praticamente um dia em que não se verifiquem incidentes que podem chegar até à morte, o último dos quais na pessoa de uma sobrevivente do Holocausto, também na Alemanha o número de ataques anti-semitas não para de crescer. Adam Armoush, árabe israelita de 21 anos, foi uma testemunha involuntária deste crescendo em Berlim: duvidando da veracidade do que lhe afiançavam os seus amigos, decidiu cobrir a cabeça com uma kipá passando assim por judeu. O resultado foi convincente: no passado dia 19 de Abril Armoush foi violentamente agredido na rua aos gritos de Yahudi, palavra árabe que significa judeu...
No seguimento deste ataque, filmado e colocado nas redes sociais, tiveram lugar manifestações de protesto sob o lema “Berlim usa kipá”, mas a realidade é que os incidentes anti-semitas sucedem-se numa escalada preocupante entrando numa “normalidade” assustadora. Provenientes na sua esmagadora maioria do extremismo árabe-islâmico, deparam-se por razões opostas com o mesmo silêncio cúmplice das extremas direita e esquerda. O resultado é o abandono de judeus da Europa em cada vez maior número: melhor do que ninguém sabem que a estabilidade é precária e que os momentos de tranquilidade são efémeros.
A história judaica do século XX mostra-nos com toda a clareza que a liberdade e a dignidade de um povo só são reais num quadro de soberania politica. Essa foi e continua a ser a grande lição destas sete décadas do Estado de Israel.
Mas se isto é verdade para os judeus, também o é para os palestinianos. Hoje, os dois povos estão face a face e a sua existência pacífica apenas é possível no quadro de dois Estados independentes, soberanos e em pé de igualdade. Mas, para isso, os palestinianos têm de abandonar definitivamente o sonho insensato e irrealista de destruir Israel e os judeus de não esquecer que a vocação sionista inicial não era a redenção messiânica da terra, mas sim construir um lar onde os judeus pudessem finalmente ser donos do seu destino.