O queijo e as ovelhas, a queijeira e a agricultora

A Quinta do Barrigoso, em Castelo Novo, ainda é um segredo pouco conhecido.

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Maria Ulrich Madalena tem uma imponente cerejeira à porta de casa que tanto pode “dar como não dar”. Não é “tratada”, conta-nos, não por devoção à agricultura biológica, mas porque o fruto está longe de ser o foco da Quinta do Barrigoso, em Castelo Novo. Não há como enganar: as 300 ovelhas a pastar e o cheiro ao leite que delas tiram são difíceis de camuflar. Mas deixemo-las em paz por enquanto.

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Maria Ulrich Madalena tem uma imponente cerejeira à porta de casa que tanto pode “dar como não dar”. Não é “tratada”, conta-nos, não por devoção à agricultura biológica, mas porque o fruto está longe de ser o foco da Quinta do Barrigoso, em Castelo Novo. Não há como enganar: as 300 ovelhas a pastar e o cheiro ao leite que delas tiram são difíceis de camuflar. Mas deixemo-las em paz por enquanto.

Comecemos por visitar a casa pitoresca, de pedra, com telhado triangular, que desde o Verão passado se apronta para receber visitas. A família continua a viver no rés-do-chão, mas a casa “é demasiado grande para estar tão vazia”. Já outra quinta, ali perto, tinha sido convertida em alojamento local, como forma de diversificar o negócio e adicionar uma fonte de rendimentos à actividade agrícola. Mas os turistas dormiam nos vizinhos e pela manhã vinham “tirar fotos às ovelhas e apanhar os limões” de Maria. Ela já sabia que quem visita o interior gosta “da experiência de viver no campo” e, por isso, quando lhes abriu a porta de casa, decidiu que tudo o resto também “poderia ser usado”. “Se não era tudo igual em todo o lado”, acredita.

A piscina, os limões, os morangos, as amêndoas, os pêssegos. “É tirar da árvore e comer, directo. Ou ajudar a apanhar, claro, nós agradecemos”, ri-se Maria Ulrich, que chegou à quinta como jovem agricultora. Também tem uma vinha e um olival e tinha sobreiros e carvalhos, mas esses arderam nos incêndios de Agosto, que destruíram “a floresta toda” e, por agora, até porque os apoios “ainda não chegaram”, não há planos para reflorestar essa área, ainda cinzenta.

Mas voltemos às coisas felizes: por lá, pode-se também experimentar ordenhar as ovelhas (o processo é normalmente mecanizado) e aprender como se faz queijo à “moda antiga”. A parte do alojamento ainda é um segredo pouco conhecido. A Quinta do Barrigoso está fora das plataformas digitais de reservas e das redes sociais e quem chega vem maioritariamente por sugestão do posto de turismo local.

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Paulo Pimenta

Foi o caso do grupo de músicos estrangeiros que há pouco tempo fez lá uma residência artística. “Os turistas estrangeiros representam cerca de 10% dos visitantes da região”, sublinha Patrícia Ramos, técnica superior do Turismo do Fundão, que antecipa uma duplicação do número total de visitantes em relação ao mesmo período do ano anterior. Este mês deverá também inaugurar-se o primeiro hotel de quatro estrelas do Fundão, o Convento do Seixo Design Hotel, construído a partir do edifício do século XVI, que estava em ruínas. É mais uma forma de “fazer o turismo crescer” para além da sazonalidade da cereja e da serra da Estrela.

Estamos próximos da auto-estrada, “mas aqui só se ouve o campo” e o rebanho a balir. As ovelhas são ordenhadas duas vezes por dia, de manhã e ao fim da tarde, e pelo meio vão para o pasto. Num ano, produzem cerca de 60 mil litros de leite, que viaja de dois em dois dias para quem “mais tarde lhe dá o devido respeito”.

Sim, falamos do queijo da Beira Baixa — e com todo o respeito. Especialmente do queijo tradicional da Soalheira da Quinta do Pomar, uma queijaria familiar na zona industrial que tem o nome do fundador, Joaquim Duarte Alves, mas que nos é apresentada com sotaque espanhol, por uma voz feminina. “Veio para cá aprender a fazer queijo e acabou a casar-se com o queijeiro”, brinca a guia turística, Olga Nogueira.

Sónia Marroyo corre a porta da primeira arca frigorífica onde dez mil queijos “estão a dormir”. Por dia, usam cinco mil litros de leite — oriundos da Quinta do Barrigoso e de outros produtores da zona — que são transformados em mil queijos de ovelha, cabra, ou ovelha e cabra (queimoso, típico da região, e curado).

A recolha e transporte são “tarefas do marido, que não delega a ninguém, porque gosta de supervisionar tudo”. Quando o leite fresco chega à fábrica é utilizado “cru e puro”, “sem qualquer aditivo”, e apenas “acrescentam sal e flores de cardo secas”, para que coalhe, “tudo da forma mais artesanal possível”. É essa promessa que temos à nossa frente, numa tábua em que também está presente requeijão Travia, que produzem a partir do soro resultante do fabrico dos queijos, sem grande compromisso. Fazem provas assim, acompanhadas por vinho tinto da adega cooperativa do Fundão, para quem os visita (e no próximo fim-de-semana estarão presentes na 1.ª Feira Europeia do Queijo do Fundão).

“Algumas crianças acham que o leite vem do pacote. Por isso, o que queremos é que as pessoas nos visitem e vejam de onde vem a comida e quem a faz”, convida. “Porque o queijo é só das mãos.” E que mãos.