Chineses querem toda a EDP mas prometem “preservar identidade portuguesa”

A China Three Gorges, que já tem 23,27% da EDP, oferece 3,26 euros pelo resto das acções, o que avalia a eléctrica em 11.900 milhões de euros. Empresa vai continuar cotada em Lisboa. Os chineses "têm sido bons investidores", diz António Costa.

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Chineses vão “continuar a trabalhar” com equipa liderda por Mexia Nuno Ferreira Santos

A China Three Gorges (CTG), que em 2011 comprou 21,35% da EDP ao passar um cheque de 2700 milhões ao Governo de Pedro Passos Coelho, quer agora adquirir o resto do capital que não é controlado pelo Estado chinês. A empresa anunciou na sexta-feira à noite a intenção de lançar uma oferta pública de aquisição (OPA) em que oferecerá 3,26 euros por cada acção da eléctrica liderada por António Mexia, avaliando-a em cerca de 11.900 milhões. Se for bem sucedida, terá de desembolsar quase 9 mil milhões de euros para ficar com 100% da EDP.

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A China Three Gorges (CTG), que em 2011 comprou 21,35% da EDP ao passar um cheque de 2700 milhões ao Governo de Pedro Passos Coelho, quer agora adquirir o resto do capital que não é controlado pelo Estado chinês. A empresa anunciou na sexta-feira à noite a intenção de lançar uma oferta pública de aquisição (OPA) em que oferecerá 3,26 euros por cada acção da eléctrica liderada por António Mexia, avaliando-a em cerca de 11.900 milhões. Se for bem sucedida, terá de desembolsar quase 9 mil milhões de euros para ficar com 100% da EDP.

A contrapartida representa um prémio de 4,82% face ao valor de fecho das acções da EDP na sessão desta sexta-feira. Contudo, traduz um “prémio de cerca de 10,8% em relação ao preço médio ponderado das acções” nos seis meses anteriores à data do anúncio, que é de 2,94 euros, refere o anúncio preliminar da oferta enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

A CTG, que se propõe realizar esta operação através da sua subsidiária luxemburguesa China Three Gorges Europe garantiu em comunicado que o grupo está “fortemente empenhado em preservar a identidade portuguesa da EDP, cotada na Bolsa de Valores de Lisboa e sediada em Portugal”.

A empresa detida pelo Estado chinês também se propõem pagar 7,33 euros por cada acção dos cerca de 17% que a EDP ainda não controla na EDP Renováveis, uma iniciativa que decorre da lei.

Entre as condições requeridas pela CTG para o sucesso da oferta está a alteração dos estatutos da EDP para “remover qualquer limite à contagem de votos emitidos por um só accionista, quer em nome próprio, quer actuando em nome de outro accionista”. Actualmente, os estatutos da EDP dizem que um accionista só pode votar com 25% do capital, mesmo que tenha uma posição superior.

A CTG nota que é titular de 850 milhões de acções da EDP e tem uma posição de 23,27% do capital, sublinhando que, “tanto quanto é do [seu] conhecimento (…), não lhe são imputáveis quaisquer outros direitos de voto, quer directamente, quer de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 20.ºdo Código dos Valores Mobiliários”.

No entanto, a CNIC, outra empresa detida pelo Estado chinês, tem 4,98% da EDP (o que eleva para 28,25% a percentagem detida directamente pela República Popular da China ) e o BCP, que é controlado pela também chinesa Fosun, é dono de outros 2,44% da eléctrica. Por sua vez, a EDP tem 2,11% do capital do banco.

Os chineses também querem mudar os estatutos da EDP para “isentar a Oferente e quaisquer entidades que, directa ou indirectamente, actual ou futuramente, venham a controlar a Oferente, ou a ser controladas por esta, de serem consideradas concorrentes da Sociedade Visada”.

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Sintonia com Governo

Outra exigência para que a oferta seja bem-sucedida é a de “confirmação por parte do Governo de Portugal de que não irá opor-se à Oferta tal como delineada” neste anúncio preliminar e, "por consequência", de que “não irá opor-se" ao lançamento da OPA obrigatória à EDP Renováveis. E se foi o Governo PSD - CDS que abriu a porta à eléctrica controlada pela República Popular da China, não será o Executivo de António Costa a puxar-lhe o tapete: O Governo português não tem "nada a opor" a uma potencial oferta disse o primeiro-ministro, momentos antes de o anúncio  ser publicado.

"Nós não temos nada a opor, não temos nenhuma reserva... os investidores chineses têm sido bons investidores quer na REN, quer na EDP, quer em outros. Nós somos um país aberto, não temos uma visão fechada", disse o primeiro-ministro citado pela Reuters, em declarações à margem das eleições directas para o cargo de secretário-geral do PS. “O Governo não tem de ser informado, o Estado não tem nenhuma participação na empresa. Deixemos o mercado funcionar", frisou ainda.

A operação chega num momento em que a Comissão Europeia pretende aprovar novas regras que visam conter o investimento chinês na Europa, em sectores considerados estratégicos, como a energia, as telecomunicações ou os transportes, mas o PÚBLICO sabe que a OPA é bem recebida pelo Governo português, que vê no investimento chinês a melhor opção para a eléctrica portuguesa em termos da expansão, designadamente, internacional.

Ao longo dos últimos dias houve conversas informais dos representantes da CTG com elementos do gabinete do primeiro-ministro que passaram a informação de que não se oporiam ao eventual reforço de posição dos chineses, até porque a concretização da operação é vista em S. Bento como um caminho que poderá permitir afastar António Mexia da gestão.

Recorde-se que no ano passado, o primeiro-ministro, António Costa, apelidava, durante um debate parlamentar, de “manhas” certos comportamentos da eléctrica. "Tenho por experiência própria, noutras funções (como autarca de Lisboa), conhecimento de como certos operadores, designadamente a EDP, têm várias manhas para conseguirem contornar, muitas vezes com a indevida cobertura das entidades reguladoras, aquilo que é garantido", afirmou António Costa.

Tensão com Mexia?

No âmbito desta OPA, e sobre a actual gestão liderada por António Mexia, a CTG não deixa dúvidas: “A CTG continuará a trabalhar com a equipa de gestão” no sentido de “reforçar a posição da EDP como um dos principais players [agentes] globais no sector eléctrico”.

No entanto, apesar desta posição oficial, a oferta surge num momento de contínua tensão entre os accionistas chineses e a administração liderada por Mexia. Apesar de o gestor ter sido eleito para novo mandato em Abril com o apoio da CTG, tal só aconteceu porque os investidores chineses preferiram esta opção a uma guerra aberta com os fundos que apoiam o gestor, nomeadamente os norte-americanos Capital Group.

Mas a verdade é que o mau estar entre o principal accionista e Mexia não desapareceu, com vários episódios a acentuarem a degradação das relações. Um desses casos teve a ver com a nomeação do antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, para chairman da eléctrica. O nome foi apresentado ao accionista chinês como sendo uma ponte com o Governo e, principalmente, com o primeiro-ministro, mas há muito que não há uma relação próxima entre António Costa e Luís Amado.

Também as constantes notícias de que a EDP é alvo do interesse de outras empresas congéneres na Europa (onde em mercados como a Alemanha e a França se está a assistir a operações de consolidação interna) são vistas pela CTG como uma ameaça, muitas vezes alimentada através de Lisboa, para valorizar a posição dos fundos norte-americanos que apoiam António Mexia.

A Gas Natural é uma das pretendentes que aparece de forma recorrente nas notícias sobre hipotéticas fusões da EDP – mas também já fizeram parte da lista a francesa Engie e a italiana Enel (dona da Endesa). Segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO, os responsáveis destas empresas estabeleceram contactos com as autoridades portuguesas, mas não recolheram apoio do Executivo.

Quando questionado publicamente sobre eventuais fusões (como na apresentação de resultados da empresa, em Março) Mexia diz que esse é tema que “pertence aos accionistas”. Mas nos bastidores sabe-se que outro dos episódios de alta tensão na eléctrica – que desagradou tanto a Pequim quanto a S. Bento – foi a atenção com que o gestor recebeu a proposta de fusão estendida pela Gas Natural no Verão passado.

Apesar de ter sido constituído arguido (tal como o administrador João Manso Neto, presidente da EDP Renováveis) na investigação do Ministério Público às suspeitas de corrupção relacionadas com o processo de entrada em vigor dos contratos de compensação conhecidos por CMEC, Mexia foi reconduzido para cumprir o quinto mandato na liderança da EDP, onde é suposto manter-se até 2020.

Contudo, fontes ouvidas pelo PÚBLICO notaram que se numa primeira fase o processo dos CMEC não foi suficiente para levar os chineses a retirar o apoio ao presidente da empresa, o novo rumo das investigações – com evidências de pagamentos do Grupo Espírito Santo ao ex-ministro com a tutela da energia Manuel Pinho, que é arguido no mesmo processo – precipitaram o fio dos acontecimentos e o desejo da China de assegurar o controlo inequívoco da eléctrica.

Ao longo dos anos tem sido notória a tolerância zero do Estado chinês a situações em que há suspeitas de corrupção. Ainda recentemente foi notícia o cancelamento da venda da petrolífera da Gulbenkian ao grupo CEFC China Energy porque o presidente da empresa (privada) estava a ser investigado por suspeita de crimes económicos. Também foi noticiado que na CTG, em 2014, o Governo chinês afastou o presidente da empresa, Cao Guangjing, na sequência de uma investigação sobre alegados favorecimentos na adjudicação de contratos.

A China Three Gorges (CTG) venceu a oitava fase de privatização EDP em Dezembro de 2011. A proposta dos chineses – que pagaram 3,35 euros por acção, comprometendo-se ainda a investir mais dois mil milhões de euros em projectos da EDP – deixou para trás as das brasileiras Eletrobras e Cemig e da alemã E.On.

No ano passado, no final de Setembro, a CTG pagou mais 200 milhões de euros por uma fatia de 1,92% do capital, reforçando para 23,27%% a sua posição directa. No ano passado, este investimento rendeu ao Estado chinês mais de 196 milhões de euros em dividendos (161,6 milhões através da CTG e outros 35 milhões via CNIC). Com Luís Villalobos e Lurdes Ferreira

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