Afinal, o que acontece depois de se ganhar a Eurovisão?
Passámos em revista as edições da Eurovisão para antecipar o que acontecerá a Portugal depois da inédita vitória de 2017. Saiba-se, então, que só quatro países venceram edições consecutivas, que é má ideia repetir intérpretes e que duas vitórias seguidas podem trazer algumas dores de cabeça.
Aconteceu o ano passado. Ganhámos a Eurovisão pela primeira vez. Amar pelos dois e Salvador Sobral entraram para a história e este ano, cá a temos. A Eurovisão em Lisboa e, através de O jardim, Isaura e Cláudia Pascoal alimentam a esperança de que talvez, quem sabe, a vitória possa ser portuguesa novamente.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Aconteceu o ano passado. Ganhámos a Eurovisão pela primeira vez. Amar pelos dois e Salvador Sobral entraram para a história e este ano, cá a temos. A Eurovisão em Lisboa e, através de O jardim, Isaura e Cláudia Pascoal alimentam a esperança de que talvez, quem sabe, a vitória possa ser portuguesa novamente.
Para antecipar essa possbilidade, averiguámos o que aconteceu com os países vencedores no ano a seguir à vitória. Afundam-se na tabela em sua própria casa? Navegam a onda do sucesso e vencem novamente? Conseguem uma classificação honrosa que lhes salve a face? Alerta de spoiler:.. tudo pode acontecer, do desastre total vivido pelos austríacos The Makemakes em 2015 à glória inaudita da Irlanda na década de 1990.
Com Refrain, a suíça Lys Assia foi a vencedora do primeiro festival da Eurovisão, realizado em Lugano, em 1956. No ano seguinte, dado que ainda não havia sido instituída a tradição de o país vencedor organizar a gala no ano seguinte, o festival mudou-se para Frankfurt, na Alemanha. Mudou o cenário, mas não a convicção da comitiva suíça na sua cantora. Lys Assia foi chamada novamente, cantou L’enfant que j’étais, mas os resultados foram desastrosos: o holandês Corry Brokken encantou com Net als toen, mas a Suíça terminou num muito acanhado 8.º lugar entre dez concorrentes. Curiosamente, os holandeses cometeriam precisamente o mesmo erro logo a seguir.
Em 1959, na cidade holandesa de Hilversum, lá esteve novamente Corry Brokken, com Heel de wereld, e, nesse estranho festival (aos olhos de hoje, entenda-se) que consagrou André Claveau e uma Dors, mon amour perdida na memória, deixando em terceiro lugar Domenico Modugno e Nel blu dipinto di blu (a famosa Volare), os resultados foram ainda mais dramáticos: Brokken passou de vencedor a penúltimo classificado. Daí para a frente, todos pareceram ter aprendido a lição – em 2011, a Alemanha teve a audácia de enviar novamente a concurso Lena, vencedora no ano anterior, e, claro, não correu bem (10.º lugar na final). Porém, a repetição de concorrentes, por razões óbvias, não serve como prenúncio do que poderá acontecer à canção portuguesa na noite deste sábado.
Estreando-se na Eurovisão com António Calvário, em 1964, Portugal foi assistindo ano após ano aos acontecimentos desta história eurovisiva particular. Testemunhou como apenas quatro países, Espanha, Luxemburgo, Israel e Irlanda, conseguiram vitórias em anos consecutivos. A Espanha ganhou em 1968 (La la la, de Massiel, a deixar para trás Cliff Richard e a sua Congratulations) e em 1969, o ano da Desfolhada, o ano em que Madrid foi palco de um acontecimento único: nessa edição, a Eurovisão teve quatro vencedores, com Reino Unido, Holanda, França e Espanha empatados no primeiro lugar.
Quanto ao Luxemburgo (vencedor em 1972, com Après toi, e em 1973, com Tu te reconnaîtras) e a Israel (em 1978, com o disco sound oriental de A-ba-ni-bi e, no ano seguinte, com a mui célebre Hallelujah), tiveram segundas vitórias que se revelaram um peso pouco agradável. Postos perante a obrigação de acolherem por dois anos consecutivos a Eurovisão, e de arcarem com os custos inerentes, ambos os países dispensaram a honraria. Luxemburgo cedeu-a ao Reino Unido e foi então em Brighton que Paulo de Carvalho cantou E depois do adeus e que os Abba se revelaram ao mundo com Waterloo (o Luxemburgo salvou a face com um digno, e talvez literal, Bye bye, I love you, classificado em 4.º lugar).
Já Israel, cujo serviço público de televisão anunciou, após a consagração de Hallelujah, não ter orçamento para organizar novamente o festival, acabou por nem marcar presença na edição de 1980. Depois de muita dificuldade em encontrar um país receptivo a acolhê-la, a Holanda avançou com uma Eurovisão low cost e, já em cima do acontecimento, definiu-se 19 de Abril como a data da gala. Ora, esse é o dia em que se celebra em Israel o Yom Hazikaron, dedicado aos cidadãos mortos em guerra e às vítimas de terrorismo – de todo impróprio, portanto, para participar numa noite de entretenimento musical e televisivo.
Foi precisamente naquele ano de 1980, em que José Cid assinou o clássico Um grande, grande amor, que a Irlanda se mostrou no topo do mundo eurovisivo com What’s another year, de Johnny Logan, o especialista em baladas românticas que voltaria a vencer o concurso em 1987. Para os irlandeses, porém, o melhor estava reservado para os anos 1990. Não só ganharam em 1992, em Roma, com Why me?, de Linda Martin, como repetiram a dose em 1993 (In your eyes, Niamh Kavanagh) e 1994 (Rock’n’roll kids, Paul Harrington e Charlie McGettigan). Ganharam e não se acanharam. Durante três edições, uma em Millstreet, duas em Dublin, a Irlanda foi a casa da Eurovisão.
Repetir o fenómeno irlandês seria o grande sonho dos fãs portugueses (e um pesadelo para a RTP, que teria de inventar orçamento para três festivais ou, em alternativa, começar já uma operação de charme para passar a organização a outro país). Já o pesadelo dos fãs, e de Isaura e Cláudia Pascoal, está bem perto no tempo. Todos se recordam da vitória de Conchita Wurst em 2014, com Rise like a phoenix, que transformou a drag queen de barba austríaca numa das grandes personagens da história da Eurovisão. Poucos recordarão, porém, o que aconteceu no ano seguinte.
Viena engalanada como anfitriã da Eurovisão, a Áustria a escolher para a representar I am yours, dos The Makemakes, balada a apontar aos anos 1970 (com um piano em chamas para a dose indispensável de aparato festivaleiro), e, no final, um recorde a assinalar. Pela primeira vez na história, o país organizador acabou a noite com a impressionante soma total de zero pontos.
Eis, portanto, e em resumo, o que a história nos diz: não repetir concorrentes dois anos seguidos; cuidado com as vitórias consecutivas, óptimas para o ego, más para as finanças (a não ser que sejamos a Irlanda); tudo pode acontecer e a história, na verdade, não explica grande coisa. Aguardemos então que, na noite deste sábado, Cláudia Pascoal e Isaura cantem O jardim. Descobriremos depois que história ficará para contar.