A nova coluna de Jano
Como o deus romano da dupla face, esta coluna terá duas caras. E duas perspetivas distintas sobre a atualidade.
1. Esta coluna responde a um desafio lançado pelo diretor do jornal, David Dinis, aos seus dois autores, Susana Peralta e eu. Por isso, é a nova coluna de Jano, o deus romano da dupla face. Naturalmente, esta coluna terá duas caras. E duas perspetivas distintas sobre a atualidade. Apesar de uma comum inclinação liberal, um dos autores encontra-se claramente na esquerda política (Susana), enquanto o outro sempre se posicionou na direita (eu próprio). Comungamos da crença na necessidade prioritária de uma profunda reforma política e da enorme desconfiança intelectual em relação às elites portuguesas (não só políticas). No entanto, sem violar qualquer confidencialidade, nunca votámos no mesmo partido político. Isso resulta mais das peculiaridades da representação parlamentar em Portugal do que de emoções eleitorais profundamente distintas. Talvez todos os caminhos vão dar a Jano onde, na tradição romana, começa e termina a mudança, o passado encontra o futuro, as escolhas têm dois lados, tudo pode ser olhado desde direções opostas. E no óbvio pluralismo de género.
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1. Esta coluna responde a um desafio lançado pelo diretor do jornal, David Dinis, aos seus dois autores, Susana Peralta e eu. Por isso, é a nova coluna de Jano, o deus romano da dupla face. Naturalmente, esta coluna terá duas caras. E duas perspetivas distintas sobre a atualidade. Apesar de uma comum inclinação liberal, um dos autores encontra-se claramente na esquerda política (Susana), enquanto o outro sempre se posicionou na direita (eu próprio). Comungamos da crença na necessidade prioritária de uma profunda reforma política e da enorme desconfiança intelectual em relação às elites portuguesas (não só políticas). No entanto, sem violar qualquer confidencialidade, nunca votámos no mesmo partido político. Isso resulta mais das peculiaridades da representação parlamentar em Portugal do que de emoções eleitorais profundamente distintas. Talvez todos os caminhos vão dar a Jano onde, na tradição romana, começa e termina a mudança, o passado encontra o futuro, as escolhas têm dois lados, tudo pode ser olhado desde direções opostas. E no óbvio pluralismo de género.
2. E “rendas excessivas” entrou no léxico político português. Como “liberalidades” e “imparidades”, a expressão fará o seu caminho. Mas vale a pena pensar nela. Em economia, é um verdadeiro pleonasmo porque todas as rendas são excessivas. As rendas não remuneram a criação de valor. Elas pagam uma determinada posição de mercado de natureza monopolista ou oligopolista (renda em sentido estrito) ou a intermediação de uma determinada transação também em função de uma posição de mercado privilegiada (quasi-renda), na qual se destaca a corrupção, por exemplo. Ao não corresponder a qualquer criação de valor, qualquer renda é intrinsecamente excessiva. Logo, a expressão “rendas excessivas” não tem sentido económico, mas apenas político e jornalístico. Existem rendas aceitáveis e existem rendas excessivas (pressuponho que não há rendas escassas ou parcas). Por rendas aceitáveis, talvez, entendamos a pequena corrupção, a remuneração dos favores, o uso da posição no Estado ou na atividade política para enriquecer só um bocadinho, o tráfico de influências q.b., a adjudicação direta de assessoria jurídica a amigos deputados do mesmo partido (porque a lei permite), mesmo o incumprimento da lei por deputados quando a lei parece injusta (porque o direito à felicidade e à realização pessoal sobrepõem-se a regras burocráticas sobre residência formal), acumulação de vários subsídios (para remunerar a qualidade que o salário baixo não permite) e por aí fora. Tudo rendas perfeitamente legítimas. Desde que nada seja excessivo!
3. O PS mudou de vida. Já não gosta de José Sócrates e de Manuel Pinho. Gostos não se discutem, mas mudanças de gosto tão dramáticas não são emocionais. São absolutamente racionais. E a única racionalidade aqui são os votos em 2019. Não me parece que haja muita gente a mudar do PS para o PSD/CDS ou vice-versa em função dos casos de alegada corrupção (na verdade, simplesmente, já há muito pouco eleitorado flutuante). A transferência de votos do PS/PSD/CDS para o BE (CDU em muito menor medida), em grande parte, função dos casos mediáticos, também parecia ter parado nas sondagens, em virtude da atual solução de governo. Talvez o PS tenha mais informação e, afinal, a tal transferência ainda não tenha acabado. Depois temos os pequenos partidos. Subiram muito nas últimas eleições, mas a dispersão de votos entre tantos pequenos partidos levou a que apenas o PAN elegesse um deputado por Lisboa. Talvez o PS antecipe que outros 100 mil votos fugidos do PS para os pequenos partidos possam ter um efeito devastador na representação parlamentar socialista. Finalmente, temos a abstenção. O desaparecimento do eleitorado flutuante favorece a esquerda, com 2,5 milhões de votos, contra a direita, com apenas dois milhões de votos. Mas também impede a maioria absoluta do PS. E, como em política o que parece é, foi certamente pensando na maioria absoluta que o PS mudou de vida!
4. Prossegue animado o debate “o teu corrupto é mais corrupto que o meu” ou “o teu partido tem um ADN mais desonesto que o meu”. Se foi caricato apresentar o PSD/Passos como o partido anti-interesses instalados (tão burlesco que já morreu politicamente), transformar agora o PS/Costa no partido da regeneração anti-corrupção entra já no domínio da loucura absoluta, do absurdo cognitivo. Ambos, com o CDS, são o que sempre foram – a oligarquia do regime! Para o bem e para o mal! E simplesmente não há “sistemas políticos profundamente renovados” (palavras do Presidente Marcelo) com os mesmos protagonistas.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico