Esquerda contorna veto com testemunhas em vez de atestado médico
PS e Bloco disponíveis para encontrar uma alternativa de natureza “civil”. Presidente insiste na “intervenção de um clínico” para evitar contradições futuras.
Para contornar o veto do Presidente da República ao diploma que permite a autodeterminação de género com a mudança do sexo no cartão de cidadão aos 16 anos, a esquerda deverá optar por introduzir na lei a necessidade de uma declaração de testemunhas em vez de ceder à exigência da direita (e de Marcelo) de apresentação de um atestado médico.
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Para contornar o veto do Presidente da República ao diploma que permite a autodeterminação de género com a mudança do sexo no cartão de cidadão aos 16 anos, a esquerda deverá optar por introduzir na lei a necessidade de uma declaração de testemunhas em vez de ceder à exigência da direita (e de Marcelo) de apresentação de um atestado médico.
Quem o admitiu ao PÚBLICO foi a deputada do Bloco Sandra Cunha, que diz que a solução terá que ser encontrada com os outros grupos parlamentares – PS, PEV e PAN – mas também com os jovens trans e as famílias. Seria uma solução parecida com a usada para o casamento civil, em que são precisas duas testemunhas, especifica.
A solução de colocar como exigência o testemunho de outros cidadãos, além da autorização dos pais (essencial entre os 16 e os 18 anos) prevista nesta nova lei, deverá agradar também ao PCP que se absteve, e que concorda com a “despatologização” desta matéria. Mas nunca agradará ao PSD, garantiu ao PÚBLICO o vice-presidente Carlos Peixoto, que “não dispensa a existência de um juízo clínico” e não aceita a substituição de uma questão técnica por uma “solução casuística” de testemunhos.
E também há grandes dúvidas se Marcelo aceitará tal solução. Em Florença, questionado pelo PÚBLICO, o Presidente respondeu que pretende que haja, entre os 16 e os 18 anos, “qualquer tipo de informação ou relatório ou avaliação clínica, isto é, médica” para prevenir que mais tarde, “quando se tratar de mudar o sexo, não haver dúvidas ou contradições entre a decisão primeira de mudar de género e depois a outra de mudar de sexo”. Mas como as respostas do Parlamento aos vetos têm sido um pouco ao lado das recomendações de Marcelo e este tem depois promulgado, a esquerda acredita ter novamente hipóteses de ganhar a aposta numa solução ligeiramente ao lado da pedida.
O PAN, autor de um dos três diplomas que acabaram por dar lugar à iniciativa legislativa que foi aprovada há um mês, defende que há "condições para continuar a separar a esfera clínica da legal também no caso das pessoas trans menores de 18 anos". Mas divulgou uma nota em que o deputado André Silva diz querer reconfirmar a proposta aprovada no Parlamento.
Para o PS, o pedido de Marcelo “é perfeitamente acomodável numa alteração que se possa fazer proximamente”, disse Carlos César no final da reunião da bancada parlamentar. Tal como o Bloco, os socialistas fazem questão de vincar que o veto do Presidente não é em relação à iniciativa de extensão do direito à autodeterminação de género aos jovens entre os 16 e os 18 anos, mas apenas sobre um critério específico acerca da forma de acesso dos menores a esse direito.
PSD e CDS exigem relatório
PSD e CDS aceitam votar a favor da lei se for introduzido o critério da apresentação do relatório médico que ateste a disforia de género, como constava da proposta de alteração dos sociais-democratas na discussão na especialidade. Quase em uníssono, afirmaram que era um veto “óbvio”, “avisado”, “compreensível” e inevitável” e pediram que a esquerda tenha a “sensatez, equilíbrio e ponderação” para reequacionar a questão. Na mensagem que enviou com o diploma devolvido ao Parlamento, o Presidente pede que “se debruce, de novo”, sobre a “previsão de avaliação médica prévia para cidadãos menores de 18 anos”.
O Bloco prefere ler na mensagem do Presidente alguma abertura para uma solução ligeiramente diferente. Para Sandra Cunha, exigir um relatório médico nesta fase da mudança de nome e de género no cartão de cidadão “é não compreender o que a lei efectivamente pretende”. “É não compreender um acto meramente civil, que não envolve cirurgias ou tratamentos irreversíveis. Quando esse tratamento ou cirurgia se impuser e a pessoa decidir aceder a ele e, evidentemente, como qualquer outro tratamento, será feito por médicos e com acompanhamento médico – como o Presidente pretende”, argumentou.
Notícia actualizada às 9h43